I Concurso Literário Benfazeja

Boas mentiras



Crônica, por José Cláudio (Cacá)



Eu fiz xixi na cama até os doze anos. Não é mentira. Mentira foi o que me disse a Dona Mariinha, a comadre da minha mãe. Ninguém me entendia, ninguém me perdoava. Chorando em seu colo, veio a paz da cura, gotas de palavras injetadas na veia:



- Meu filho, olha a minha idade! Até hoje, de vez em quando ainda faço.

Quis ser solidária, mentiu para mim, acabou sendo remédio. Nunca mais mijei.

Ensinam os bons manuais de comportamento humano e transmissão de caracteres antrópicos, que a mentira tem perna curta, que é feia, que desvirtua o caráter, que é isso, que é aquilo...

Mas, atire a primeira pedra. E com força e pontaria certeira quem não cometeu esse desvio moral aceito como paradigma universal? Ela é tão presente em nossas vidas que tem vezes que duvido da verdade. Todo mundo duvida. Já ouviu notícia boa? Já reparou nas respostas e nas caras de surpresa?

-Mentira! Sério?

- Não, você está brincando...

- Duvido!

Como dizer a seu filho ou filha de cinco, seis anos que papai noel não existe? Que é o papai ou a mamãe de verdade, barrigudo ou não, barbado ou não, quem compra o presente de natal? Mentira? Para o bem da imaginação e capacidade futura de não perder sonhos nem fantasiar. A vida depois é dura.

Houve um período no Brasil que quem possuía carro ficava esperando todos os dias o Delfim Neto aparecer no jornal da televisão e dizer que a gasolina não ia aumentar de preço. Todos largavam o que estivessem fazendo e iam para a fila no posto mais próximo. Os postos fechavam cedo, ao anoitecer. De manhã, as bombas já estavam todas reajustadas. Acho que foi ai que nasceu o primeiro de abril, sei lá. Mas era uma mentira do mal.

Verdade seja dita: se não causar dano e for em benefício geral, diga a todos que minto.


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Créditos da imagem:

Pinóquio!!, por telma reis

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