Louca? Eu?
Crônica, por Mariana Collares.
"... me espalhei pra ninguém mais juntar. Nem sei porque."
- Tu tens que ser louca, Mariana. O mundo é dos loucos!
Minha psicóloga me dizia isso com tal convicção que eu não conseguia dizer palavra e escutava, quieta e introspectiva, da confortável cadeira da verdade em que me sentava toda a terça-feira.
-As pessoas só respeitam os loucos! Os bonzinhos como tu, esses não ganham o respeito de ninguém! Pelo contrário, ganham é muito desaforo, as pessoas sentam em suas cabeças, dizem e fazem com eles o que querem. Os loucos não, estes é que mandam no mundo, porque ninguém ousa se meter com eles!
Eu continuava séria, quase descrente mesmo, olhando pra ela a me dizer tais despautérios e pensando nos horrores que eu tinha ouvido e visto das pessoas justamente por ser tão “boazinha”, como ela dizia. Por dias, por meses e até por anos eu lembrei dessas palavras, principalmente quando algum ser nefasto me cruzava o caminho pra mostrar o peso da minha insignificância. E olhe que não foram poucas as vezes em que chorei me sentindo a última das mulheres, a pior delas, justamente quando achava estar tentando fazer o meu melhor.
Passei anos da minha existência sendo a certinha, a responsável, a coerente e equilibrada. E eu me amparava nessas “verdades” como se fossem bandeiras - meus símbolos de bom senso.
Mas aconteceu, nem sei como ou quando, que um dia eu resolvi ter um acesso. Sim, um acesso de individualidade. Uma crise de f..-se. Enfiei o pé na jaca, rodei a baiana, me espalhei pra ninguém mais juntar. Nem sei porque. Nem sei se havia motivo. Foi num dia em que eu fiquei cheia demais de mim, de me limitar pelas circunstâncias e pela maledicência alheia. Eu fui então louca. Louca, descoordenada, ilimitada das idéias, absurda. Eu bradei minha coragem pra todo um mundo que me olhava, atônito, quase sem me reconhecer. Quem é essa? O que aconteceu com ela? Pirou, coitada...
Eu sorria.
Pela primeira vez na vida, a primeira de muitas outras, eu sorri muito por ser eu mesma. Por dizer o que sentia, e quando sentia e exatamente do jeito que sentia. E entendi que quem diz a verdade é louco.
E então eu fiz o que queria. Dancei, fiz poesia, fui ao teatro e ao cinema sozinha, e ria, ria desfilando roupas novas, comprando carro, casa, viajando. E descobri que quem faz o que quer é louco.
E então eu amei quem e o quê eu podia. Eu amei e amei e desamei e amei de novo e tantas vezes quanto o amor dizia. E descobri que quem ama o que ama é louco.
E então eu sonhei muito, e sonhei mais, e com coisas muito distantes e impossíveis, só pelo prazer de sonhar mesmo. E descobri - pasmem - que quem sonha alto é louco.
Hoje eu vivo louca.
Louca e feliz.
E o melhor de tudo é que ninguém mais mexe comigo.
Minha psicóloga me dizia isso com tal convicção que eu não conseguia dizer palavra e escutava, quieta e introspectiva, da confortável cadeira da verdade em que me sentava toda a terça-feira.
-As pessoas só respeitam os loucos! Os bonzinhos como tu, esses não ganham o respeito de ninguém! Pelo contrário, ganham é muito desaforo, as pessoas sentam em suas cabeças, dizem e fazem com eles o que querem. Os loucos não, estes é que mandam no mundo, porque ninguém ousa se meter com eles!
Eu continuava séria, quase descrente mesmo, olhando pra ela a me dizer tais despautérios e pensando nos horrores que eu tinha ouvido e visto das pessoas justamente por ser tão “boazinha”, como ela dizia. Por dias, por meses e até por anos eu lembrei dessas palavras, principalmente quando algum ser nefasto me cruzava o caminho pra mostrar o peso da minha insignificância. E olhe que não foram poucas as vezes em que chorei me sentindo a última das mulheres, a pior delas, justamente quando achava estar tentando fazer o meu melhor.
Passei anos da minha existência sendo a certinha, a responsável, a coerente e equilibrada. E eu me amparava nessas “verdades” como se fossem bandeiras - meus símbolos de bom senso.
Mas aconteceu, nem sei como ou quando, que um dia eu resolvi ter um acesso. Sim, um acesso de individualidade. Uma crise de f..-se. Enfiei o pé na jaca, rodei a baiana, me espalhei pra ninguém mais juntar. Nem sei porque. Nem sei se havia motivo. Foi num dia em que eu fiquei cheia demais de mim, de me limitar pelas circunstâncias e pela maledicência alheia. Eu fui então louca. Louca, descoordenada, ilimitada das idéias, absurda. Eu bradei minha coragem pra todo um mundo que me olhava, atônito, quase sem me reconhecer. Quem é essa? O que aconteceu com ela? Pirou, coitada...
Eu sorria.
Pela primeira vez na vida, a primeira de muitas outras, eu sorri muito por ser eu mesma. Por dizer o que sentia, e quando sentia e exatamente do jeito que sentia. E entendi que quem diz a verdade é louco.
E então eu fiz o que queria. Dancei, fiz poesia, fui ao teatro e ao cinema sozinha, e ria, ria desfilando roupas novas, comprando carro, casa, viajando. E descobri que quem faz o que quer é louco.
E então eu amei quem e o quê eu podia. Eu amei e amei e desamei e amei de novo e tantas vezes quanto o amor dizia. E descobri que quem ama o que ama é louco.
E então eu sonhei muito, e sonhei mais, e com coisas muito distantes e impossíveis, só pelo prazer de sonhar mesmo. E descobri - pasmem - que quem sonha alto é louco.
Hoje eu vivo louca.
Louca e feliz.
E o melhor de tudo é que ninguém mais mexe comigo.
***
(Texto extraído do livro DEVANEIOS LITERÁRIOS, 1ª Edição, Ed. Bookess, 2010, disponível em http://www.bookess.com/read/5947-devaneios-literarios/)
Blog Pessoal: www.devaneiosliterarios.blogspot.com
Twitter: @marianacronista
Facebook: www.facebook.com/mariana.collares
Para ler mais crônicas da autora, clique aqui.
Créditos da imagem:
Série descabelada, por Adriana Alves de Carvalho
Que legal essa crônica Mariana,é bem uma lição de moral, quem vive procurando agradar os outros não agrada nem a si mesmo, o melhor é ser louco e ser vc mesmo, pq não há prazer maior do que esse! Adorei, bjos!
ResponderExcluirDepois de ler esse seu texto, fui continuar a ler 'Clarice na cabeceira - crônicas' e coincidiu de a próxima crônica ser 'se eu fosse eu'. O texto fica no campo da das deduções e a esmiuça- 'se...'.
ResponderExcluirJá o seu escancara o ato absurdo , como se Sísifo deixasse de rolar a pedra montanha acima e saísse a andar pelo vale.
Aliás, esse livro dela é um dos melhores que li nos últimos tempos ... e esse d'O mito de Sísifo' (Camus) também.
"Se eu fosse eu" é uma das perguntas que a personagem Lóri faz a si mesma, no livro "Uma aprendizagem ou o Livro dos Prazeres". Não havia ainda lido o livro quando escrevi essa crônica que, aliás, já conta alguns anos. Mas a ideia é essa. Deixar de rolar a pedra e sair pra ir brincar na praça. Dane-se a pedra, ser Sísifo, ser o mundo. Tem sido um exercício. Muito salutar, diga-se. Obrigada pessoal!
ResponderExcluirSomos todos muito loucos! Todo poeta é maluco MESMO!!!!! E é uma delícia esta loucura! Amei o Blogs. Beijo da nuvem.
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