Experimenta-te
Conto, por Valentina Silva Ferreira
- Estive a pensar no que me disseste…
- O quê, exatamente? Digo-te tantas coisas.
- Na masturbação – um longo suspiro encheu o telefone.
- E então?
- Acho que tens razão. Preciso soltar-me mais, deixar esses preconceitos idiotas de lado. Sou mulher e a verdade é que desconheço totalmente o meu corpo.
- Eu conheço-o melhor – ronronou o marido.
- Estava aqui a ler… não gozes de mim, por favor. Estava a ler Sartre e senti bolhas de ar rebentarem-me abaixo do ventre.
Ele riu mas sem nenhum tom de ironia nos lábios; uma gargalhada de prazer, de regada felicidade pela partilha. Ela enrubesceu: nas bochechas e na carne.
- Estás tão longe – sussurrou a mulher.
- Estou nos teus dedos – sibilou, entornando paixão na chamada.
Ela deslizou pelo sofá e apertou as pernas. Os olhos foram fechados calmamente, numa espécie de delírio final em que o louco é enjaulado numa cela. Sentiu o amor inchar-lhe os peitos, lembrando-lhe a imagem de duas flores que se abrem para o sol. Corou perante o erotismo dessa situação: até as flores, símbolos da pureza, escancham-se para que os raios as penetrem.
- Estás aí?
- Estou.
- Em que pensas?
- Como o faço?
- Não te posso responder. Saberás por ti própria.
- Desligo agora?
- Sim, querida.
- A que horas chegas?
- Não importa. Não esperes por mim – jogou-lhe um beijo e desligou.
Sónia ficou com o telefone pendurado na mão, analisando-se ao espelho da sala. Os olhos negros chicotearam-na como um cabedal escuro e gelado. A pele, naquele dia de Verão, derretia-se em gotas de suor, no pescoço e sobre os lábios cheios, vermelhos e abertos. As pernas deslizavam nuas até a uns pés descalços.
- Sónia, em que mundo vivias?
Levantou-se e encontrou o quarto. Lentamente, como numa vénia entre senhor e madame ao início de uma valsa, ela desapertou os botões da blusa e deixou-a deslizar pela pele húmida. O ar condicionado rodeou-lhe as auréolas castanhas e entumecidas. Uma brisa mais quente soprou-lhe por entre as pernas e ela desfez-se das calcinhas. O espelho do quarto deu-lhe uma visão completa do quadro. Sónia reparou, pela primeira vez, na delícia de contorno que as suas ancas proporcionavam à vista; deu-se de conta da cor quase hipnótica dos seus poucos pêlos; excitou-se perante o sinal negro que marcava a sua nádega cheia. Soltou os cabelos avermelhados e deixou-os escorrer pelas costas nuas, dando-lhe a sensação de que um homem – o seu homem – a agarrava por trás. Suspirou, vidrada no seu reflexo, e mordeu o lábio.
- Quero-te. Pela primeira vez, quero-te.
Entrou na banheira e deixou a água morna galgar-lhe a pele. Levou os dedos – o seu homem – à boca e chupou-os com os lábios inchados pelo desejo. Com a ajuda do sabonete, deslizou a mão por lugares até então desconhecidos e experimentou tremores de terra e tsunamis. Descobria, ali, que a vida era toda um filme erótico: as ondas do mar que lambem as pedras, num sexo oral que de tão longo provoca erosões ao som de gemidos leves; os dedos que percorrem as páginas de um livro, friccionando-as, pressionando-as, aquecendo-as com a suave carícia do desejo em descobrir o próximo perigo, a próxima loucura; as palavras que se formam na boca, aquelas palavras que de ouvir se estimulam as vontades, as palavras proibidas e sussurradas ao ouvido ou escritas em post-its na porta do frigorífico. As palavras que ela agora usava como guião da acção, da fricção, da sensação, da demência incendiária que lhe fervia na carne, na alma, no coração, nas palpitações das veias. Sentiu-se; sentiu-se nos dedos que já não eram ele mas ela; apenas ela e um corpo – um corpo que ela queria usar, prostituir, sodomizar. Um corpo que fazia dela puta e cliente. Um corpo que explodia na parede gelada e requebrava-se ao som da água e da canção do seu prazer.
Naquela tarde de Verão, Sónia escreveu poesia com os dedos, desenhou abstracto com as mãos, cantou em forma de soluços. Dançou por debaixo da chuva.
Experimentou-se.
- O quê, exatamente? Digo-te tantas coisas.
- Na masturbação – um longo suspiro encheu o telefone.
- E então?
- Acho que tens razão. Preciso soltar-me mais, deixar esses preconceitos idiotas de lado. Sou mulher e a verdade é que desconheço totalmente o meu corpo.
- Eu conheço-o melhor – ronronou o marido.
- Estava aqui a ler… não gozes de mim, por favor. Estava a ler Sartre e senti bolhas de ar rebentarem-me abaixo do ventre.
Ele riu mas sem nenhum tom de ironia nos lábios; uma gargalhada de prazer, de regada felicidade pela partilha. Ela enrubesceu: nas bochechas e na carne.
- Estás tão longe – sussurrou a mulher.
- Estou nos teus dedos – sibilou, entornando paixão na chamada.
Ela deslizou pelo sofá e apertou as pernas. Os olhos foram fechados calmamente, numa espécie de delírio final em que o louco é enjaulado numa cela. Sentiu o amor inchar-lhe os peitos, lembrando-lhe a imagem de duas flores que se abrem para o sol. Corou perante o erotismo dessa situação: até as flores, símbolos da pureza, escancham-se para que os raios as penetrem.
- Estás aí?
- Estou.
- Em que pensas?
- Como o faço?
- Não te posso responder. Saberás por ti própria.
- Desligo agora?
- Sim, querida.
- A que horas chegas?
- Não importa. Não esperes por mim – jogou-lhe um beijo e desligou.
Sónia ficou com o telefone pendurado na mão, analisando-se ao espelho da sala. Os olhos negros chicotearam-na como um cabedal escuro e gelado. A pele, naquele dia de Verão, derretia-se em gotas de suor, no pescoço e sobre os lábios cheios, vermelhos e abertos. As pernas deslizavam nuas até a uns pés descalços.
- Sónia, em que mundo vivias?
Levantou-se e encontrou o quarto. Lentamente, como numa vénia entre senhor e madame ao início de uma valsa, ela desapertou os botões da blusa e deixou-a deslizar pela pele húmida. O ar condicionado rodeou-lhe as auréolas castanhas e entumecidas. Uma brisa mais quente soprou-lhe por entre as pernas e ela desfez-se das calcinhas. O espelho do quarto deu-lhe uma visão completa do quadro. Sónia reparou, pela primeira vez, na delícia de contorno que as suas ancas proporcionavam à vista; deu-se de conta da cor quase hipnótica dos seus poucos pêlos; excitou-se perante o sinal negro que marcava a sua nádega cheia. Soltou os cabelos avermelhados e deixou-os escorrer pelas costas nuas, dando-lhe a sensação de que um homem – o seu homem – a agarrava por trás. Suspirou, vidrada no seu reflexo, e mordeu o lábio.
- Quero-te. Pela primeira vez, quero-te.
Entrou na banheira e deixou a água morna galgar-lhe a pele. Levou os dedos – o seu homem – à boca e chupou-os com os lábios inchados pelo desejo. Com a ajuda do sabonete, deslizou a mão por lugares até então desconhecidos e experimentou tremores de terra e tsunamis. Descobria, ali, que a vida era toda um filme erótico: as ondas do mar que lambem as pedras, num sexo oral que de tão longo provoca erosões ao som de gemidos leves; os dedos que percorrem as páginas de um livro, friccionando-as, pressionando-as, aquecendo-as com a suave carícia do desejo em descobrir o próximo perigo, a próxima loucura; as palavras que se formam na boca, aquelas palavras que de ouvir se estimulam as vontades, as palavras proibidas e sussurradas ao ouvido ou escritas em post-its na porta do frigorífico. As palavras que ela agora usava como guião da acção, da fricção, da sensação, da demência incendiária que lhe fervia na carne, na alma, no coração, nas palpitações das veias. Sentiu-se; sentiu-se nos dedos que já não eram ele mas ela; apenas ela e um corpo – um corpo que ela queria usar, prostituir, sodomizar. Um corpo que fazia dela puta e cliente. Um corpo que explodia na parede gelada e requebrava-se ao som da água e da canção do seu prazer.
Naquela tarde de Verão, Sónia escreveu poesia com os dedos, desenhou abstracto com as mãos, cantou em forma de soluços. Dançou por debaixo da chuva.
Experimentou-se.
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Créditos da imagem: Site olhares - fotografia online
Luz acariciando seu corpo, por Juliana Anesi.
Olá
ResponderExcluirMuito bom, sugestivo e envolvente na medida certa!
Parabéns à autora!
Abraços
Cenas reais.A imaginação leva a uma realidade.
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