Tia M. (quem te viu, não vê mais)
Crônica, por Giovana Damaceno.
Conhecer pessoas é um exercício permanente de alegria, prazer, frustração e decepção. Aquele que se apresenta de um jeito hoje, já não é mais o mesmo amanhã. Ou, pode ser as duas coisas. Ou, ainda, se mostra de formas diferentes a uns e outros. Na verdade, somos todos assim. É aquela velha história das máscaras de sobrevivência diária.
Ao ler uma historieta em que o autor dedica duas páginas às divagações do personagem principal sobre sua primeira professora, parei um pouco para lembrar daquela que me iniciou nas letras e nas contas matemáticas. E, diferente do personagem que lia, minha viagem não demorou mais que 30 segundos. É que meus registros mais doces sobre aquela que considerei minha primeira professora se tornaram fumaça negra depois que me tornei adulta.
Explico: antes de entrar para o antigo ensino primário, passei pelas mãos da tia C., uma professora particular que prestou os primeiros socorros à menina que aos quatro anos já lia e precisava de orientação. Aos seis anos cheguei ao grupo escolar, na primeira série A, de onde rapidamente me transferiram, pois já lia e escrevia e não deveria retomar às primeiras lições, as de fazer rabinhos de gato para aprender a desenhar as letras. Na primeira série B fui recebida por tia M.. Esta, sim, era a segunda mãe. Soube perfeitamente receber a criança que chegou pálida, insegura e trêmula àquele mundo novo. Enérgica, porém carinhosa. Podia ser dura e ao mesmo tempo sensível como seus próprios alunos. Nasceu para ensinar. Desfilava pela sala de aula como se estivesse na sala de sua própria casa, falava com cada um de nós como se fosse da família, nos enxergava individualmente.
Passei para a segunda série e lá estava tia M. novamente. Foram dois anos de convivência dos quais passei muito tempo a me recordar com certo enlevo. Sempre que a memória retornava àqueles momentos, pensava nela com saudade imensa. Recordar a infância sem trazer à mente a imagem de tia M. seria algo incompleto.
Mas, o tempo passa. A criança fica adulta, se casa, vai morar num prédio. E descobre que a síndica é ninguém menos que tia M.. Abraços, beijos, papos sem fim. Como são maravilhosos estes reencontros, não? Por pouco tempo. Pode pensar numa síndica que pensa ser a dona do edifício? A dona dos moradores? A dona da calçada e até da vida dos vizinhos dos outros prédios? Conhece intransigência, inflexibilidade, antipatia? Sim, caro leitor, ainda estou falando da mesma tia M. lá do início desta conversa. E aqui também foram dois longos anos.
Queria mesmo ter divagado prazerosamente sobre minha professora como fez o personagem do livro, mas nem deu tempo. Infelizmente a imagem negativa que ela deixou foi forte, até porque, já adulta, pude ler com mais clareza quem era ela na verdade, ou no que se transformou. Hoje posso olhar para esta história com humor, como faço com quase tudo, mas confesso que me incomodei por muito tempo com a decepção. Afinal, já era crescida, mas ainda muito jovem para compreender as mazelas humanas. Agora já consigo aplicar Mário Quintana na minha vida e aceitar que “cada um pensa como pode”. Mas que seria adorável lembrar de tia M. com carinho, ah, seria.
Ao ler uma historieta em que o autor dedica duas páginas às divagações do personagem principal sobre sua primeira professora, parei um pouco para lembrar daquela que me iniciou nas letras e nas contas matemáticas. E, diferente do personagem que lia, minha viagem não demorou mais que 30 segundos. É que meus registros mais doces sobre aquela que considerei minha primeira professora se tornaram fumaça negra depois que me tornei adulta.
Explico: antes de entrar para o antigo ensino primário, passei pelas mãos da tia C., uma professora particular que prestou os primeiros socorros à menina que aos quatro anos já lia e precisava de orientação. Aos seis anos cheguei ao grupo escolar, na primeira série A, de onde rapidamente me transferiram, pois já lia e escrevia e não deveria retomar às primeiras lições, as de fazer rabinhos de gato para aprender a desenhar as letras. Na primeira série B fui recebida por tia M.. Esta, sim, era a segunda mãe. Soube perfeitamente receber a criança que chegou pálida, insegura e trêmula àquele mundo novo. Enérgica, porém carinhosa. Podia ser dura e ao mesmo tempo sensível como seus próprios alunos. Nasceu para ensinar. Desfilava pela sala de aula como se estivesse na sala de sua própria casa, falava com cada um de nós como se fosse da família, nos enxergava individualmente.
Passei para a segunda série e lá estava tia M. novamente. Foram dois anos de convivência dos quais passei muito tempo a me recordar com certo enlevo. Sempre que a memória retornava àqueles momentos, pensava nela com saudade imensa. Recordar a infância sem trazer à mente a imagem de tia M. seria algo incompleto.
Mas, o tempo passa. A criança fica adulta, se casa, vai morar num prédio. E descobre que a síndica é ninguém menos que tia M.. Abraços, beijos, papos sem fim. Como são maravilhosos estes reencontros, não? Por pouco tempo. Pode pensar numa síndica que pensa ser a dona do edifício? A dona dos moradores? A dona da calçada e até da vida dos vizinhos dos outros prédios? Conhece intransigência, inflexibilidade, antipatia? Sim, caro leitor, ainda estou falando da mesma tia M. lá do início desta conversa. E aqui também foram dois longos anos.
Queria mesmo ter divagado prazerosamente sobre minha professora como fez o personagem do livro, mas nem deu tempo. Infelizmente a imagem negativa que ela deixou foi forte, até porque, já adulta, pude ler com mais clareza quem era ela na verdade, ou no que se transformou. Hoje posso olhar para esta história com humor, como faço com quase tudo, mas confesso que me incomodei por muito tempo com a decepção. Afinal, já era crescida, mas ainda muito jovem para compreender as mazelas humanas. Agora já consigo aplicar Mário Quintana na minha vida e aceitar que “cada um pensa como pode”. Mas que seria adorável lembrar de tia M. com carinho, ah, seria.
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Créditos da imagem: Site olhares - fotografia online
Professora, por Paulo Martins.
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