I Concurso Literário Benfazeja

Sopa de lascar



Crônica de Giovana Damaceno



- Garçom, por favor, você tem esta sopa de legumes pra viagem?

- Ih, dona, se eu fosse a senhora nem pensava nisso.

- Como assim?

- Se eu fosse a senhora não leva esta sopa, não.

- Mas, por quê?

- É muito ruim.

- Sério?

- É, sim, dona. É de lascar. Pior que comida de hospital. Troço ruim, mesmo.

O diálogo acima não é ficção. A dona citada é esta que vos escreve e a cena não se passou num boteco qualquer. Estávamos num estabelecimento de bom tamanho, boa frequência, bem localizado. E a sopa está lá, no cardápio, com foto, muito bem apresentada. Foi tudo tão rápido e ao mesmo tempo tão inusitado, que nada nos restou, a mim e minha família, a não ser rir muito.
Geralmente, numa situação semelhante, o máximo que conseguimos tirar de um garçom ou balconista é se este ou aquele prato, este ou aquele petisco está fresco, se foi feito no dia. E os atendentes ainda nos respondem com receio, um tanto reticentes. Mas assim, com tamanha clareza, nunca vi ou ouvi.

Tudo bem que sempre achei aquele garçom meio maluquinho. É um pouco assoberbado, dá conta sozinho de um grande salão de mesas, tem de correr muito pra lá e pra cá, invariavelmente erra os pedidos. Porém, apesar de sério, é bonzinho, educado e respeitoso, o que nos garante a paciência de Jó para esperar, reclamar sem brigar, e voltar sempre. Se depender da honestidade dele com os clientes, coitado do patrão.

Imagino se tal comportamento se torna regra. É só pensar em quantas vezes recebemos pratos mal feitos, comida azeda, com bicho, com cabelo, com sabor de óleo queimado, carregado no sal ou simplesmente ruim. Poderíamos nos livrar desse mal estar com garçons bem treinados. “Ih, dona, não pede esse frango não, que a cozinheira lá dentro tava coçando dentro do nariz na hora de cortar os filés.”. Ou então, em melhor estilo: “Senhora, orientamos para que não peça este salmão grelhado ao molho de maracujá, porque infelizmente tivemos que reaproveitar a fruta já estragada para prepará-lo; não está muito saboroso.”. E ainda melhor: “Sinto muito, senhora, mas creio que não seja uma boa ideia comer esta moqueca de badejo. O patrão desligou a energia durante o fim de semana por medida econômica e, desculpe-nos, todo o peixe não foi conservado corretamente.”.

Sabemos que estas situações acontecem, sim. A comida chega, a gente come e está tudo certo. Não me lembro da última vez em que entrei na cozinha de um restaurante; é permitida por lei a entrada dos clientes ou, pelo menos, que esses possam ter acesso visual ao local de preparo dos alimentos. Sei de casas bem próximas que, mesmo após muito avanço na legislação no que tange à higiene e cuidados gerais, sequer fazem o básico, como lavar corretamente utensílios ou higienizar as verduras. Essas prefiro passar longe da porta.

O restaurante que oferece aquela sopa de lascar mantém sua cozinha aberta e, pelo que observamos, parece tudo feito direitinho. O problema mesmo é o sabor; não dá pra saber que tempero é utilizado para que fique tão ruim, segundo o garçom. No fim das contas, tive de escolher outra opção para levar. Estava com uma pessoa da família acamada, esperando algo. E o mesmo garçom ofereceu: “Leva o doce tal, chegou hoje, tá fresquinho, a senhora vai adorar”. Levei meia dúzia.

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Créditos da imagem: Olhares.pt

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