I Concurso Literário Benfazeja

Rosas e semideuses...

         


Parece redundante falar em “amor próprio” em uma época de tanto narcisismo, egocentrismo, adoração da própria imagem. Época de semideuses, como disse o poeta Fernando Pessoa – isso que foi antes da vulga Pós-Modernidade. As redes sociais em muito colaboram para essa circunstância, mas não só. É todo o nosso sistema de mídia, nosso capitalismo querendo que cada um de nós se julgue importante o suficiente – e sempre incompleto, é claro – para consumir coisas caras e descartáveis.

Mas não é do capitalismo e do consumismo – que, convenhamos, torna nossas vidas bem interessantes, mas o buraco é mais embaixo – que eu quero falar. É do amor próprio mesmo, aquele da primeira linha. Amor próprio é algo muito delicado, eu penso, uma coisa lenta e dolorosamente construída. Não é como, digamos, mandar tudo praquele lugar e fazer o que quiser, não apenas investir em si mesmo, aparência e habilidades e diversão, embora muito isso também. Amar a si próprio é algo, agora vejo, mais íntimo, mais recôndito, que se reflete em nossos relacionamentos, em nosso trabalho, em nosso jeito de ser de uma forma que vai muito além das aparências e das convenções sociais. De uma forma natural.

Amar a nós mesmos de verdade não é tão fácil como parece, não. Penso que seja algo, como eu disse, a ser cuidadosamente edificado dentro de nós. Um amadurecimento contínuo, sutil e ao mesmo tempo firme, não é fácil de ser abalado. Mas então o que é isso, amar a si próprio de verdade?

É uma paz interior, uma tranquilidade de aceitar quem se é – no que não pode mudar, e graças a Deus que não possa, pois cada um é de um jeito e tem seu papel; e, consequentemente e muito importante, aceitar quem os outros são. Só quem realmente aceita a si mesmo pode aceitar o outro, e por isso não há muita compreensão real do próximo por aí, apenas frases e preconceitos clichês. Jesus Cristo, quando disse que deveríamos “amar ao próximo como a nós mesmos”, estava, acredito, dizendo-nos que em primeiro lugar precisamos nos amar (e isso não é tão simples) para, então, naturalmente amarmos as outras pessoas, pois o amor verdadeiro só pode ser espontâneo. Ele não é e não pode ser forçado, isso faz mal e não é amor, no máximo consideração.

E amar a si próprio de verdade, é claro, é também fazer aquelas coisas que nos falam nas revistas femininas, nos vídeos e livros de autoajuda, cuidar-se, investir em si mesmo, não se levar tão a sério, não se culpar tanto, e no entanto ser capaz de assumir as responsabilidades pelo que pensa, faz ou deseja. Perfeito, estamos meio saturados de listas de “o que eu posso fazer por mim”. Esquecendo-nos de que o principal a fazer é sermos quem somos e aceitarmos quem os outros são. Não é comodismo, é paz. Rima com felicidade. Rima com amor.

Não podemos dar aos outros o que não tivermos dentro de nós. Portanto, antes de oferecer, trate de criar ou descobrir em si mesmo.

E nós amamos mais à medida que melhor conhecemos. Portanto, conheçamos a nós mesmos. Aprendamos a amar nossas coisas boas, a respeitar nossas coisas nem tão boas assim. Sejamos não narcisistas cegos, pedantes, semideuses – eles quase sempre se escondem atrás de complexos, medos e falta de aceitação real; não. Apenas nos aceitemos, nos amemos, nos compreendamos e isso se estenderá aos outros. Semideuses caem sempre dos montes mais altos, e orgulho não é amor.

É tão delicado amar a si mesmo.

Amar a si próprio é um exercício às vezes complicado na correria dos dias, nas amarras do sistema, do passado, da dor das feridas. Mas não podemos desistir. Andando na corda bamba entre os extremos – a escuridão do autodesprezo que cega, e o brilho da prepotência que também rouba a visão  –, amemos quem somos. Deixemos que os outros sejam.

Cultivemos a nós mesmos. Aquela rosa, a rosa do Pequeno Príncipe que precisava ser cuidada, ela era apenas nosso próprio coração. E “foi o tempo que dedicaste à tua rosa que a tornou tão importante”. Dedique seu tempo, sua vida, a se ser e a se amar. Amor traz paz, e um sorriso leve no rosto. O resto é ilusão. O resto é falta de amar.



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Fonte da imagem: We Heart It.

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