Um Conto Louco de Amor
"... existe o amor entre amigos e o amor entre um homem e uma mulher. O que importa mesmo não é o tipo de amor que se carrega no coração, o importante mesmo é que ele exista!"
O silêncio foi cortado pelo barulho tosco do ventilador de teto que girava, tremulando a esmo. Bel segurava o queixo com as mãos, apoiando os braços na bancada de mármore frio da mesinha da sala. De vez em quando, rabiscava alguma coisa em uma folha de papel.
_ Mãe...
_ Que foi, Bel?
D. Isa cuidava em adiantar o serviço da casa e o almoço, tudo ao mesmo tempo. Ágil, deslocava-se apressada pelos cômodos, respondendo sem ao menos olhar para a filha, que fitava o ar.
_ Mãe, amar dói?!
_ Ih, Bel... lá vem você com pergunta difícil... é claro que amar não dói. Pergunta “pro” seu pai...
Seu Henrique lia o jornal sossegado, mas ao ouvir a resposta da esposa, olhou por cima dos óculos com ar de censura. Deu um resmungo silencioso enquanto tirava os pés de cima do pequeno descanso.
_ O que você quer saber, Bel?
_ Pai... amar dói?!
_ Claro que não, filha... de onde você tirou essa idéia? Eu e sua mãe amamos você e não sentimos dor alguma.
Bel rabisca no papel.
_ Ué, pai, mas tipo assim... quando eu penso em você e na mamãe, meu coração chega a ficar apertado de tanto amor... então, eu acho que amar dói sim...
D. Isa interrompeu seus afazeres e aproximando-se da filha, fez-lhe um afago nos cabelos.
_ Belzinha, eu não sei te explicar direito essas coisas do coração, mas de uma coisa eu sei. O amor é o sentimento mais lindo do mundo, e quem ama é abençoado.
Voltando aos seus afazeres, a mãe de Bel logo esqueceu do assunto. Seu Heitor, assim que terminou a leitura do jornal, se despediu da filha com um beijo e foi limpar o carro na garagem, esperando o almoço que tinha certeza, demoraria a sair.
_ Eu sabia, eu sabia, vó! Amar só traz dor “pro” coração! - explode Bel em lágrimas, rasgando a foto do namorado em pedacinhos.
De cabelos já bem grisalhos, D. Vivinha observava a neta com um olhar carinhoso.
_ Bel, Bel... - sorri docemente – Eu sou sua avó e amo você, seus pais também te amam e eu sei que você nos ama, mas existem vários tipos de amor, querida... existe o amor entre amigos e o amor entre um homem e uma mulher. O que importa mesmo não é o tipo de amor que se carrega no coração, o importante mesmo é que ele exista! Quando dói não é amor, mas sim pura paixão, e a paixão acaba como começa, igualzinho às chuvas de verão, que vem de repente. Quando você menos espera, termina, mas tanto o amor como a paixão fazem parte da vida... Um dia, você vai descobrir o que é amar de verdade.
_ Será, vó?! - duvida Bel.
Pensativa, vai juntando os pedaços da foto.
“Amor de verdade... putz, vó, fala sério...” - pensa Isabel ao assinar o pedido de divórcio.
O olhar úmido se perdia janela afora quando a campainha interrompe seus pensamentos. Era seu ex.
_ Oi, Bel...
_ Cláudio?! O que..?!
_ Antes que você diga alguma coisa, deixa eu falar, tá bom? Você já assinou o pedido de divórcio? Porque se você assinou, não tem problema nenhum... Eu sei que te magoei e te causei muita dor... eu espero que um dia você possa me perdoar...
Com a porta aberta, atordoada ainda, Bel procura colocar seus pensamentos em ordem.
_ Cláudio...me desculpa, mas eu não posso...
_ Mas por que, Bel...?
_ Eu acho que não estou preparada ainda pra te perdoar, mas agradeço sua intenção. Foi bem legal da sua parte vir aqui e me dizer isto. Valeu mesmo... - responde Bel ao mesmo tempo que fecha a porta, devagar.
Encostada, ela deixa seu corpo cair ao chão, deslizando enquanto segura o rosto com as mãos, ato que cultiva desde criança, quando está a pensar em algo profundo ou incompreensível no momento.
“Amor... droga, eu acho que nunca na vida eu vou amar de verdade!”
Era sua primeira vernissage. Empolgada, Bel apreciava seus trabalhos que por destacarem-se por traços disformes e figuras surreais, renderam-lhe uma certa fama entre os artistas da cidade. A exposição ainda não tinha aberto suas portas ao público, mas prometia ser um sucesso. Com uma taça de vinho entre os dedos, nem reparou no homem que se aproximava, com uma máquina fotográfica nas mãos.
_ Com licença, posso tirar uma foto sua?
_ Hã?! Ah, sim, claro, claro, é claro que pode.... pra qual revista você trabalha?
O homem ficou parado à sua frente, perdido em seus pensamentos.
_ O que foi? Alguma coisa errada?
_ N-não, desculpe... olhei pra você e por um momento, senti que já vivi este momento antes. Sabe.. aquela coisa de dejá vu...
_ Sei como é...
O homem tira algumas fotos, e por fim, aproxima-se.
_ Meu nome é Thierry. Eu trabalho para esta revista... - ele tira um cartão de visitas e entrega à Bel. - _ Gostaria de tirar mais fotos suas, se não se importasse. A exposição está muito bonita, e na minha opinião, vai ser um grande sucesso. Parabéns, você é uma artista e tanto!
_ Obrigada. Quando a revista for publicada, verei as fotos que você tirou e quem sabe, eu possa dizer o mesmo...?!
Eles trocaram olhares. Depois de um mês, trocaram um telefonema, e um ano depois, trocaram alianças. Bel e Thierry, atualmente, vivem na França, onde ele tem um estúdio fotográfico de renome e ela, um atelier. Se viverão felizes para sempre, eu não sei, mas de uma coisa eu tenho certeza, D. Vivinha tinha toda a razão. Doendo ou não, o amor realmente é o melhor sentimento do mundo!
*
Para ler mais textos de Cláudia Banegas, clique aqui.
Créditos da imagem
"Mimic por Marinna de Souza
Ah, que delícia de conto, Cláudia! Um abraço. paz e bem.
ResponderExcluirMuito bonito e verdadeiro. Parabéns.
ResponderExcluir