Alguns passeios pelos bosques da ficção, de Umberto Eco (parte 1)
Teoria literária, porRosane Tesch
"“Seus” personagens não foram por ele criados, mas antes, estão a perturbá-lo na esperança de que sejam aproveitados e possam assim ganhar uma vida “real” na ficção."
Vou começar a entrar no bosque da ficção, como sugere Umberto Eco em “Seis passeios pelos bosques da ficção”, Entrando no bosque – capítulo 1, citando um parágrafo de longo prefácio de “Seis personagens à procura de um autor”, de Luigi Pirandello.
“Acaso será que existe um autor capaz de indicar como e por que uma personagem lhe nasceu na fantasia? O mistério da criação artística é idêntico ao do nascimento natural. Uma mulher que ama poderá desejar muito ser mãe, porém, o desejo apenas, embora profundo e intenso, não é suficiente. Entretanto, um dia ela se tornará mãe, sem contudo ter-se apercebido do momento em que isso se deu. O mesmo acontece com o artista: vivendo, ele reúne em si um sem número de germes de vida e nunca poderá afirmar como e por que, num determinado momento, um desses germes penetrou a sua fantasia para tornar-se, também ele, uma criatura viva, no plano da vida superior, acima da volúvel existência de todos os dias.”
Pirandello dedica várias páginas aos mistérios da criação artística e seus precedentes acerca do nascimento de uma obra. “Seus” personagens não foram por ele criados, mas antes, estão a perturbá-lo na esperança de que sejam aproveitados e possam assim ganhar uma vida “real” na ficção. Como se fossem exteriores ao texto e ao seu criador, buscam uma oportunidade e um ambiente propício para que se desenvolvam suas histórias.
Poderíamos aproveitar o enfoque de Pirandello e desencadear uma série de questões que envolvem autor e obra. E, assim, tentar delimitar a fronteira entre ambos. Mas, isso é possível? Se por um lado muitas vezes temos uma obra influenciada pela visão de mundo de um escritor admitindo as influências do meio que o cerca, por outro temos receptores, supostos leitores, pois que também são novos autores para a mesma obra; eles que, nela inscrevem suas próprias visões de mundo aliadas a influências internas e externas ao texto. Se não podemos ler tomate e entender (assimilar) abacate, podemos destacar numa leitura pontos relativamente diferentes e dar destino diverso a uma mesma produção.
“No triângulo autor, obra e público, o último não é parte passiva, não é elo meramente reativo, mas em vez disso, é ele próprio”. (Hans Robert Jauss, in Jobim, José Luiz. A poética do fundamento)
Sabemos, lingüisticamente falando, ser infinitamente inferior a utilização dos signos para expressar ideias completas e complexas em todo o seu significado. Normalmente o que fazemos é simplificar, a partir de um enunciado, toda a nossa linha de pensamento. O que se pensa é sempre muito mais do que se pode escrever/dizer. É por isso que necessitamos da participação de um receptor que preencha os espaços vagos e conclua a mensagem, esperando, claro, que não haja distorção dessa mensagem. Porém, o que fazemos (nós leitores) diante da omissão ou excesso de explicações?...
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