Balança
Conto, por Tiago Correa.
— Já li alguns contos que escreveu. Uns três ou quatro. Todos me agradaram de alguma forma. Mas tenho uma crítica construtiva para ser feita. — dizia Neves segurando um copo de cerveja com uma mão e cigarro na outra. Estávamos na parte de fora do bar Escolhas. A porra da nova lei de não fumar nos interiores de bares estava em vigor por aqui também, onde todos tinham que se dirigir para fora apreciar a fumaça azulada segurando seus copos e jogando conversa fora ou conversas filosóficas ao frio da madrugada. Muitas outras pessoas estavam por ali também. Mulheres com saias longas, saias curtas, roupas provocantes e homens com cara de xexeca tentando dar o bote em alguma delas. Nessa parte, a divisão era feita por grades de alumínio. É a típica visão de um chiqueiro, compreende? Onde os porcos não têm como ultrapassar aquela divisa entre seus banhos de barro e a entrada para o pomar. É mais ou menos assim que funciona. A maioria das pessoas debruçadas nessas grades e sendo felizes da forma que elas bem entendessem. Inclusive eu. Comecei a prestar total atenção ao que Neves me dizia. O que viria de sua boca seria mais uma coisa que me levaria, de certa forma, ao meu suposto encantamento com as palavras. Sempre gostei de elogios, críticas e suas derivações opositoras que se debatem para a formação de qualquer ser ou feitos na vida de qualquer um.
— O bom é que mais uma pessoa lê o que eu escrevo. — disse esperando sua colocação. Enquanto isso meus olhos não paravam num ponto fixo. O teor alcoólico já estava subindo e percebia que Neves também não estava em seu normal, olhando para seja lá quem às minhas costas com cara de cachorro de pica dura. Deduzi que seria uma mulher obviamente.
— Tente dar uma leve enrolada nas histórias. Acho muito bom o jeito que escreve. Mas quando começamos a entrar no clima do personagem, você já me lasca alguma coisa no meio do texto que deixa a desejar. Digamos que, quando o cara se prepara para dar uma trepada, com o casal na sala, o teu pulo de foco é tão doido que em menos de minutos o cara já gozou e está num bar novamente à procura de alguma outra xota. Fazer o clima para que tudo aconteça, saca? Fazer o clima, cara... Fazer o clima, saca?
— Hum. Ãham. Saco sim.
— Empreste o fogo aí, cara?
Alcancei. Acendeu, me devolveu e logo continuou:
— Seria o mesmo que começar a beijar uma mulher pela nuca, saca? Ou começar lambendo seus dedos do pé pra depois partir pra boca.
— Hum. Ãham. Saco sim. — fiquei pensando naquilo tudo. Em certa forma a critica construtiva de Neves fazia sentido. Mas acho que na parte de escrita, pois não seria nada mal ter uma bela gozada antes de beijar uma nuca, sorri.
O papo sobre a forma que eu escrevo havia sido cortada por um cutucão no meu braço. Ou não foi um cutucão? Ah, que seja. Não tenho boa memória em ações. Talvez seja por isso que eu bata punheta mais de duas vezes por dia. Nunca lembro se já o fiz antes.
Na minha direção vinha uma mulher loira, rosto levemente comprido, bochechas coradas, olhos arredondados e sua estatura pouco mais baixa que a minha. Adornava um colar sei lá qual tipo que combinava com seu traje preto. Parecia ter tomado algumas doses a mais. Pelo fato de alguém vir em minha direção, simplesmente para me cumprimentar, ou está bêbada ou quer eu lhe pague alguma bebida. Não sou nenhum granfino, mas me esforço para não sair mulambento. Há ainda os que me consideram querido e companheiro. Que pra mim já serve de bastante coisa.
— John! Como vai querido? Sou a prima da Fulana. Te reconheci de longe.
— Olá! Sim... Sim. — falei com ênfase. Realmente havia ficado surpreso. Seu nome era Rosalva. — Comigo tudo ótimo! Bem que quando você estava descendo as escadas aqui, eu fiquei pensando se te conhecia de algum lugar.
Nos abraçamos e nos beijamos no rosto. Ela tinha um perfume bom.
— Ainda está trabalhando no mesmo lugar? — perguntava Rosalva.
— Larguei. Agora me dedico aos estudos, festas e escritas. Não necessariamente nesta ordem.
— Mas que ótimo! E...
Fomos interrompidos por alguém gritando atrás de mim. Era minha vizinha Sophia. Eu reconheceria aquela voz a quilômetros de distância.
— VIZIIIINHOOOOOOO!!!!
Seu grito entrou tímpano adentro ecoando lá no fundo do meu cérebro. Os neurônios devem ter ficado em frangalhos.
Ela me abraça por trás e Rosalva me olhava com ares de espanto, depois se virou e voltou para se grupo. Sophia continuava agarrada em mim, com suas mãos entrelaçadas na minha barriga estufada de cerveja.
— Como vai viziiiiinhooo?
Nos abraçamos, nos beijamos e caralho a quatro. Cumprimentei também Ella. Ella foi a mulher que fiz algumas coisas na primeira vez que nos conhecemos. Tentei que liberasse uns beijos, uns amassos, mas sem efeito algum. E hoje ela estava ali. No mesmo lugar que tentei pela primeira vez. Minha vontade era de levantar aquela mulher pela bunda e jogar em cima de mim, fazer com que aqueles cabelos se misturassem feito massa de bolo enquanto o suor escorresse pela testa e nossas línguas se perdessem dentro das bocas. Num tesão carnal e explosivo.
Fiquei na rua, (na “ala dos fumantes” ou chiqueiro, como mencionei mais acima), durante um bom tempo. Neves conversando com minha vizinha e eu investindo em Ella. Queria logo provar aquela boca, aqueles lábios carnudos e suculentos.
Uma coisa que sempre me encantou em Ella foi sua autenticidade. Não tem travas na língua e faz o que bem entende, quase à um surto de inconseqüência misturado com libertação do espírito para um bem maior que seria sua própria felicidade. Muitas pessoas ficariam com receio de fazer qualquer coisa. Mas Ella não é assim.
Sua blusa preta com tiras ao redor do pescoço e peitos me hipnotizavam. Tentava não olhar muito pra eles, nem tão pouco para sua mini saia e pernas em meia calça preta, aquela vasta bunda e coxas grossas. É incrível como certas coisas se juntam: gênio forte e gostosa. PONTO FINAL.
Revelei para Ella que sempre tive uma queda por ela. E que queria logo consumi-la, delirar com seus suspiros e arranhões.
O beijo aconteceu em meio às pessoas que em volta fumavam e bebiam. O gosto daquele beijo foi único. Minhas mãos entrelaçavam seus cabelos, mas com uma plena vontade de enfiá-las sobre sua saia, abrir caminho por entre suas pernas e pedir vaga ao que de mim se vangloriava. Senti a porra da cueca úmida. Um salto de tesão mergulhado em lábios.
Depois de um tempo ela entra para dentro do bar, subindo as escadas e eu logo atrás visualizando aquele monumento glúteo dizendo pra mim mesmo: “um pra mim, o outro também... um pra mim, o outro também”
Nos dispersamos e não voltei a ver Ella mais naquela noite.
A música tocava freneticamente. Algo único. Via todo mundo dançando. Dava para perceber que todos estavam se divertindo. Aqui sempre foi um bom lugar para vir, pois a confusão passava sempre muito longe.
Fui pegar uma cerveja e servi em dois copos plásticos. Voltei para a pista. Escorado em um dos pilares de sustentação do prédio, vejo uma mulher me cuidando. Rosto bem delineado, cabelos curtos, pescoço a mostra, olhos e boca provocante. Nossos olhares se cruzaram várias vezes. Até que lá pela sétima garrafa de cerveja (que isso equivale a quatorze copos, que é o mesmo que cinco litros e quatrocentos ML de cerveja), resolvo saber o motivo de seus olhares baterem direto aos meus assim com tanta freqüência.
Me aproximo de seu ouvido esquerdo e digo em voz alta por causa do som: “VOCÊ TEM UM AR INTELECTUAL, FILOSÓFICO E APOSTO QUE USA ÓCULOS”. Ela sorri e diz aproximando seu queixo do meu pescoço. Senti seu perfume cítrico. “AMO LER. E USO ÓCULOS SIM”. Sorriu mais uma vez e continuou “MAS PORQUE A PERGUNTA E ESSA ANÁLISE DE MIM?” eu digo com o corpo mais próximo dela. “INTUIÇÃO TAURINA MISTURADA COM PERCEPÇÃO DE QUEM ESCREVE ALGUMAS PORCARIAS”. A primeira coisa que um homem ter que fazer é tentar com que a mulher em jogo sorria com alguma coisa que você diga. Ela sorrindo, é meio caminho andado. Mulher não gosta de homens toupeira ou aqueles estilo múmia que nem faz a pobre coitada se mijar perna abaixo por alguma piada dita por você. Mas sem exageros, cara! Homem muito palhaço a mulher irá preferir trepar com um macaco ao invés de você. Seja meio termo.
Consegui fazê-la sorrir três vezes seguida. Isso é um marco histórico. Incrivelmente ainda existem pessoas bem humoradas nessa Terra.
“QUAL SEU NOME?” pergunto. “FELÍCIA.” “PRAZER, ME CHAMO JOHN”
Estava deitado em sua cama. Eu sempre levava alguns contos comigo para onde eu fosse e ela havia achado dois deles dentro do meu bolso da calça que eu havia escrito há uns três dias atrás. Era numa manhã de sábado e o som entrava pela janela de vidro. Aquela foi uma tremenda noite.
— Bom dia, meu safadinho careca.
Ela estava usando óculos e folheando as páginas de um dos contos. Sempre admirei mulheres de óculos.
— Bom dia. Lendo um pouco, é?
— Hum hum. Gostei dos dois. — baixou as folhas até suas pernas esticadas embaixo do cobertor. — Deite aqui. — dizia.
Deitei e ela começou a me fazer carinho e conversamos sobre várias coisas. Não tomamos café da manhã nem nada do gênero. Sua companhia me parecia familiar. Como se já estivesse em sua companhia antes. As últimas palavras que escutei dela, antes de eu ir embora, me comoveram e de certa forma acabou sendo primordial até mesmo para o meu auto-aprendizado. Naquelas palavras que saiam quando a boca se mexia dizia: “O seu último conto é cheio de idéias. Eu adorei tudo nele. Você fala, escreve e pensa bem. Inclusive a parte das frases de sem-vergonhice.”
Fui embora para casa no meu Fusca pensando em tudo o que me disseram durante a noite toda. Um balanço no que Neves me disse se misturou ao que Felícia me disse.
Bah, pra mim é um grande prazer fazer parte dessa familia literária!! Vocês são demais!!
ResponderExcluir