I Concurso Literário Benfazeja

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Conto, por Wellington Souza.




Parte III - Três no quarto

"Mas é esperar algo de alguém, sempre, o que nos faz levantar da cama... o problema é que não espero nada nem mesmo de mim."

A psicanálise junguiana utiliza-se do termo "weltschmerz" para sintetizar a “dor do mundo”. Em português o termo fica vago, mas os tradutores não têm culpa, pois a palavra é intraduzível. Ela é composta e, ao pé da letra, temos “Welt” que significa ‘homem’, ‘raça humana’, ‘humanidade’; enquanto “schmerz” é ‘dor’, ‘sofrimento’, ‘agonia’. Por conceito, é a dor, a frustração, que temos ao comparar o ‘real’ com o antes ‘imaginado’. Mesmo que as coisas aconteçam exatamente como nos planos, dizem (e acredito) que um sentimento de incompletude ainda nos sufoca.

Tomo nota: “eu gostaria de ser um EU/ Senhor dos seus mundos oprimidos/ vassalos./ De regê-los com a leveza delicada/ de um tirano/ um déspota/ um Maestro/ um Avatar.”

Weltschmerz. Droga de poema. Há a ânsia de compreensão, mas as palavras, por mais que lapidemos, não conseguem tornar inteligíveis as nossas sensações e anseios. Não. Os sistemas de comunicação não têm culpa de sermos, também, intraduzíveis. De estarmos de volta à Babel. Se ao menos eu conseguisse diagnosticar os sentimentos haveria uma chance de escrever e, talvez, me curar por instantes... pois a doença, e a dor, são crônicas.

No ultimo final de semana estive com o homem que, em promessa secreta, oração muda para o deus que mora em algum lugar de mim, me comprometi a dar dedicação exclusiva em respeito a certo vínculo afetivo que já se tecia entre nós. Já estivemos mais próximos (jantares, cinema, silêncios não-constrangedores). Dizem que o amor se alimenta da esperança que temos de nos realizarmos e do medo da frustração. Não é de um ou de outro, sim dos dois. Não há amor sem temores, ciúmes, nem tão pouco amor sem esperanças. Nesta semana não me telefonou. Não sei se quero a sua presença ou se o que me entristece é imaginar que ele não queira a minha. Nossos momentos não eram muito completos, assim, de um ser travesseiro do outro. Éramos, talvez, um televisão do outro. Percebo conjugar nossos verbos no pretérito-imperfeito. Existirá o perfeito (do latim ‘perfectu(m)’: terminado, acabado, concluído); ou a sensação de imperfeição perdurará até a velhice? O único lugar em que a ausência cedia era na cama, mas isso é a constatação do fracasso de qualquer coisa que poderia vir a ser chamada de amor.

Quero que o avatar que eu criei dele me tome e guie... Weltschmerz.

“Mas os mundos estão separados/ e rotam aleatórios/ em sistemas distintos./ Tempo formas padrões – nada coincide / nem eu, que/ equilibrista/ sigo eqüidistante entre a fantasia da chegada e visão da altura.”

Sou juiz, acusador e réu.

No meio da semana estive como, de fato, me sinto mais à vontade ou comigo mesma. Sai. Dancei. Conheci. Beijei. Conheci. Não-beijei. Conheci, levei para casa e acordei em seus ombros. Sempre fico insegura quando acompanhada de estranhos... lembro-me sempre no quarto infantil (o mais próximo que recordo do paraíso materno). A transa matutina, como sempre, foi melhor que a noturna mas, mesmo assim, prometemos nunca mais nos ver ao combinarmos, em uma vaga troca de telefones, um possível encontro futuro.

Não estou, de certo, entre um homem ou outro. Sempre preferi discutir teorias que fatos pessoais (o lado engenheira que preteri ao psicóloga). Estou pensando sobre os modelos que eles representam. Entre o sol do meio-dia estagnado sob um nós almejado e a lua cheia, de fria solidão.

Às vezes fico reclusa em um só homem. Hibernando. Sólida. Inverno astral. Noutras, corro para todos os lados, tentando acompanhar as moléculas que evaporam. Líquida. Gasosa. Quero impregnar e ser feliz. Mas logo... ela é passageira – somos passageiras! Não sei o que me faz feliz, mas sempre parece que é o que me abdiquei para conseguir o amuleto tenho (este, depois de alcançado, inútil). Mas é, talvez, a incerteza de quando a ‘revelação’ divina deste ‘amuleto ultimo’ se dará o que mais me deixa aflita. Ao contrário do que Raul disse em sua canção (‘que pena eu não ser burro, eu não sofria tanto’): a burrice é que gruda a tristeza. Vemos no conto de Sísifo que, enquanto ele cumpre sua ‘missão’ de rolar a pedra até o cume da montanha (pedra essa que rolará para baixo e o obrigará a repetir o serviço indefinidamente) ele é triste, sem alma. Só após adquirir consciência de si e do mundo à sua volta que consegue, de fato, contemplar o horizonte e criar fantasias.

Como Sísifo, não alcancei, ainda, consciência de mim.

E isso me impede de escolher qual caminho seguir. Como Alice, não sei qual caminho embrenhar por não saber onde, de fato, quero ir!

“sou, talvez, o elo/ o Portal/ entre o que teço, perfeito/ e o mundo de máquinas, espirros e apostas./ E estes dois mundos querem batalhar:/ um me tenta transpor/ um se empenha com aríete.”

Dadas as minhas experiências afetivas anteriores, não tenho ilusões quanto a felicidade, a consciência plenamente satisfeita, ou mesmo, alguma paz.

Estou, sim, entre uma paixão e outra. A paixão pelo jogo, pelo lúdico, pelo aspecto que não permite sondagens além do aspecto. Em que é proibido olhar nos olhos e assumimos personagens que morrem após a estréia. Pela lua. E a paixão por fantasiar, lapidar pessoas normais, pecadoras e caridosas, cristalizá-las em nossa mente a ponto de serem somente os avatares de um deus que criamos e, tal qual, idolatramos. Pelo sol.

Seja qual for a escolha, a weltschmerz me alcançará. Há uma dor em estar no mundo e isso não se dissolve em conceitos, máximas, ou superstições (sejam elas de caráter religioso ou individual).

Minha escolha (apesar de negar essa hipótese a mim mesma) é entre ter ou não esperança. Mas é esperar algo de alguém, sempre, o que nos faz levantar da cama... o problema é que não espero nada nem mesmo de mim. Talvez seja eu o Sísifo que contemplou o horizonte e, pouco depois, também não viu, ali, razão nenhuma para continuar.

Weltschmerz.

Pego o telefone, respiro fundo e visto minha máscara social. ‘Robertinha’.’Vamos sair hoje? Sexta-feira merece...heim”. Risadas e conversa fiada. ‘ Combinado’. ‘Dessa vez levarei um pedaço de bolo para a festa.’ ‘Isso, vou levar um cara comigo’. ‘Não, não é aquele de quarta não’. ‘Temos que ter opões, não é mesmo?!’. Risos. ‘Beijo, até à noite!’.

Respiro e incorporo uma mulher helena. Ele atende.’Oi’.’Você que não ligou mais... tudo bem por ai?’. Conversa fiada. Tento passar que estou bem, mas um pouco triste. ‘Vou a uma festa hoje e quero que você vá, quero te ver.’ ‘Sei que você é avesso a festas universitárias, mas essa será legal!’. ‘Combinado’.’Beijos!’.

Por que não tentar aliar a paixão lúdica, voluptuosa, à paixão-amor. Será possível andar acompanhada sob a lua, enfim, aconchegante?

"Vou me abrir". E o título: Permita (se - me - nos).

***
Permita (se - me - nos)

eu gostaria de ser um EU
Senhor dos seus mundos oprimidos
vassalos.
De regê-los com a leveza delicada
de um tirano
um déspota
um Maestro
um Avatar.

Mas os mundos estão separados
e rotam aleatórios
em sistemas distintos.
Tempo formas padrões – nada coincide
nem eu, que
equilibrista
sigo eqüidistante entre a fantasia da chegada e medo de altura.

sou, talvez, o elo
Portal
entre o que teço, perfeito
e o mundo de máquinas, tosses e apostas.
E estes dois mundos querem batalhar:
um me tenta transpor
um se empenha com aríete.

Vou me abrir.


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Créditos da imagem:
Leiam!, por germina

Um comentário:

  1. Precisava comentar nesse conto, porque OLHA. Cada pedaço dele que eu li senti uma espécie de ligação - vontade de ser nele, estar nele, fazemor amor, sei lá.
    Ele vive, Wellington. Certeza absoluta.
    Parabéns.

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