Maldição
Conto para a seção Fantásticos, por Cláudia Banegas.
" Não consegui me conter e fui até ela. Dono de um carisma sobrenatural, não foi difícil fazê-la..."
Descendente de um povo maldito, esquecido por Deus, condenado a vagar eternamente... resumindo, foi no que me tornei naquela noite de vinte e seis de julho. Nós éramos especiais, um diferencial, algo nunca visto ou documentado, não por câmeras de TV, ou em manchetes de jornais. Ouviam falar de nós, mas tudo não passava de ficção, mito, lenda...
Deixe-me falar um pouco sobre mim. Eu morava sozinho em um apartamento no centro de Nova York. Dono de um olfato apurado e de um paladar excêntrico, abri um restaurante que fazia muito sucesso e era o centro das atenções. Não via problema nisso, afinal de contas, quem fazia sucesso era o restaurante, e não eu. Contratei um chef que cuidava não só das receitas, como também da administração. Todas as receitas eram provadas e aprovadas por mim antes. Os elogios iam para ele e assim, minha pessoa passava longe dos holofotes da mídia. Nunca fui de muitos amigos e isso soa bem óbvio, não? Os únicos que frequentavam meu apartamento eram iguais a mim, presos ao mesmo destino, à mesma maldição. Compartilhávamos experiências que foram acumuladas por séculos. Casos e mais casos... passávamos horas recordando... o passado era o nosso presente, sempre.
Certo dia, recebi um convite para uma vernissage. Uma de nós tinha talento para pintura e ousava aparecer mais do que devia. Pela primeira vez, resolvi comparecer a um evento, indo contra minhas idéias. Era avesso à badalações, ou qualquer outra coisa que pudesse chamar atenção, mas Sinara era da família, não ousaria magoá-la. Cheguei tarde, quando o local já estava repleto de figurões, astros do cinema, gente rica e imponente, donos da ilusão de que o dinheiro tudo pode. Críticos de arte também estavam presentes, assim como jornalistas... pelo menos, meia dúzia deles. Me senti mal...
Cumprimentei Sinara à distância, e conhecendo-me bem, ela retribuiu com um sorriso discreto, grata pela minha presença. Já significava muito. Foi quando então, meus olhos pararam sobre ela. Seus cabelos ruivos estavam jogados displicentemente sobre os ombros. A pele bem alva contrastava com o vestido vermelho que usava e seu perfume era inebriante. Não consegui me conter e fui até ela. Dono de um carisma sobrenatural, não foi difícil fazê-la encantar-se por mim. Em pouco tempo, eu estava ciente de tudo, do seu trabalho, como era sua família, quais eram seus medos e sonhos... eu me interessava por cada frase, cada palavra que ela dizia... me soavam como música aos ouvidos. Ela parecia uma menina ao falar dos seus sonhos, o que estranhei. Eu não tinha sonhos já há algum tempo... minha vida tornara -se um pesadelo... Mas naquele momento, resolvi esquecer tudo o que me perturbava e me concentrei nela, apenas nela. Foi minha perdição.
Já era madrugada quando a deixei em frente ao condomínio onde morava. E não hesitei em dizer sim ao convite de tomar uma taça de vinho, mais uma entre tantas, em sua companhia.
_ Vamos... que mal pode haver nisso?! - ela disse.
Eu era o mal, personificado por gerações. Eu era a soma de todos os os medos, de todos os pesadelos, o resultado trágico de uma noite igual àquela. Mas ela não sabia... Eu agi errado, bem sei. Conhecedor de tantas coisas, previ o que aconteceria. Não errei. Aliás, eu nunca erro. Não me permito errar porque errar é para seres humanos, fracos e desprovidos da imortalidade. Embora fascinado por sua beleza, não pude renegar minha natureza. Após algumas taças de vinho, beijei-a. Senti seus lábios nos meus, quentes, ardentes por causa de uma paixão suscitada pelo álcool... ela não merecia, nem eu, mas não poderia ter aquela noite um desfecho diferente.
Na manhã seguinte, ela era manchete de jornal, e eu era um novo morador de um país sul-americano. Tinha um novo nome, um novo trabalho, mas meu espírito continuava velho. Eu seria velho por toda a eternidade.
Na manhã seguinte, ela era manchete de jornal, e eu era um novo morador de um país sul-americano. Tinha um novo nome, um novo trabalho, mas meu espírito continuava velho. Eu seria velho por toda a eternidade.
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Créditos da imagem:
tango in red, por zabara_tango.
Cláudia, estou interpretando mal ou ficou faltando uma parte? Está ótimo até aqui. Desculpe a intromissão se for equívoco de minha parte.
ResponderExcluirAbraço fraterno. paz e bem.
Ah, é sempre bom ver um belo tratamento a um tema tão degastado ultimamente. O final súbito, que enganou o comentador anterior, eu achei ideal. Um bom suspense geralmente é feito com ausências.
ResponderExcluirCacá, e queridos leitores... houve um erro e já foi corrigido, obrigada!!!
ResponderExcluirExcelente texto,narrado muito bem. As duas ultimas frases deixou o final perfeito1 Parabéns!
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