Poética das hipermídias, uma escritura expandida
"Poética das hipermídias, uma escritura expandida¹", por Wilton Azevedo².
Resumo:
As relações humanas, através dos experimentos poéticos das hipermídias, trouxeram novos recortes epistemológicos para a investigação dessas escrituras numéricas. As novas propostas para métodos historiográficos nos fazem rever algumas teorias sobre a linguagem humana não apenas como um sistema de registro da memória da espécie, mas também como um sistema de articulação de signos que vivem em trânsito migratório interdisciplinar no que diz respeito à linguagem como um sistema em expansão, ou escritura expandida.
Palavras-chave: experiência hipermídia, escritura expandida.
Résumé:
La création de relations sémiotiques au travers de l’invention de signes dans lês expériencies hypermédia entraîne de nouvelles focalisations épistémogiques. Ces nouvelles propositions oblibent à revoir quelques unes des théories que concernent le langage humain conçu non seulement comme um ensemble de phénomènes de mémoire, mais plutôt comme un système de signes articules dans des transformations interdisciplinaires en expansion permanentes, ce que l’on peut appeler um écrit en expansion.
Mots-clés: expériencies hypermédia; écrit en expansion.
José de Arimatheia – sem título - 1974
O poema acima, de José de Arimatheia (Teles, 1996: 77), não precisaria ter título, porque acredito que seja uma das maneiras mais discretas e inteligentes de representar a unidade singular caracterizada pela digital humana, e o advento da letra primeira do alfabeto ocidental “A”, como parte da unidade de nossa escrita. Diante de tal bela idéia, não há como negar que a escritura compartilhou o conceito de unidade e articulação de modelos.
Assim é como vejo a escritura numérica ou, como prefiro chamar, de escritura expandida.
É interessante como sempre se colocou em dúvida as novas relações de conhecimento e linguagem que os atributos da tecnologia – analógica ou digital – trazem e vem trazendo para a “fala” e para a “leitura” humana. O conhecimento humano que, há muito pertence à nossa cognição, não foi suficiente como formas de registro para a memória, pois tivemos que criar outro formato à memória não pertencente mais à espécie humana, mas às nossas criaturas: as máquinas.
É com elas que surge uma prática de comunicação que não precisa ser mais presencial. Só para lembrar, as comunidades primitivas, como as dos índios Navarro, enviavam vodus – informação - nas ervas roliças do deserto, que, por serem leves, eram levadas pelo vento, conhecidos como thumbleweed, o qual,depois, passou a ser uma metáfora de feitiçaria porque esse corpo, em forma de ervas tramadas como uma bola, levava o mal sem que para isso fosse necessária a presença do um índio.
Se a estética da comunicação tem início em 1844 com a disputa de uma partida de xadrez via telégrafo, é inegável, no entanto, que o interesse de artistas e intelectuais pelas novas tecnologias se acentua a partir dos anos 30 de nosso século... (FABRIS, 1997: 8)
Não há o porquê de nos sentirmos ameaçados se suscitamos pensamentos advindos de registros produzidos pela tecnologia, e me refiro aqui a todos os registros produzidos pela tecnologia, tanto os verbais, sonoros e imagéticos, como aqueles em forma de escritura.
Já que podemos ter acesso em qualquer lugar e hora a esses armazéns de signos, arquivos que contêm de maneira parcial e asséptica o conhecimento humano contido em um apertar de um mouse, passou a ser oportuno desvendar esta nova escritura que há muito estamos tendo contato através de videoclipes, vinhetas de televisão, internet, CD-ROM, blog, fotolog e as câmeras de bolso usadas como canetas. Ou seja, o que entendemos hoje por livro, texto e literatura, e suas conseqüências narrativas, não poderá ser analisado pelos novos suportes digitais – hipermídia – se não voltarmos a nossa atenção para a necessidade maior que o ser humano tem em produzir escrituras com ou sem “o sangue de seu próprio corpo”, na intenção de lançar o exercício do efêmero em forma de eterno.
Segundo Platão, em ‘Fedro’, quando Hermes – ou Thot, suposto inventor da escrita – apresentou sua invenção para o faraó Thamus, este louvou tal técnica inaudita, que haveria de permitir aos seres humanos recordarem aquilo que, de outro modo, esqueceriam. Mas Thamus não ficou inteiramente satisfeito. ‘Meu habilidoso Thot’ disse ele, ‘a memória é um dom importante que se deve manter vivo mediante um exercício contínuo. Graças a sua invenção, as pessoas não serão mais obrigadas a exercitar a memória. Lembrarão coisas em razão de um esforço interior, mas
apenas em virtude de um expediente exterior.’3 (ECO, 2003: 6)
3 Palestra proferida por Umberto Eco no Egito para abertura da nova biblioteca da Alexandria, foi publicada originalmente no jornal egípcio Al-Ahram e traduzido por Rubens Figueiredo para o Caderno Mais da Folha de São Paulo dia 14 de dezembro de 2003.
Este expediente exterior produzido pelas tecnologias trouxe novos recortes epistemológicos para a investigação dessas novas escrituras. As novas propostas para métodos historiográficos nos fazem rever algumas teorias sobre a linguagem humana não apenas como um sistema de registro da memória da espécie, mas também como um sistema de articulação de signos que vivem em trânsito migratório interdisciplinar no que diz respeito à linguagem como um sistema em expansão.
Os documentos historiográficos e arqueológicos deixam cada vez mais de ser os documentos como o papiro, ossos, ou mesmo os artefatos de pedra, mas os da língua que falamos e os estudos dos genes. A idéia de uma linguagem evolutiva em expansão pode ser notada pela articulação das escrituras adotadas pelo software da cultura digital e de como, a cada dia, podemos elucidar que uma reformulação cultural do fazer poético e da produção do conhecimento não passa apenas pela escrita verbal, e sim na composição de uma escritura que abarca signos imagéticos e sonoros que se encontram em um estágio de expansão. É inevitável considerar o avanço tecnológico como um dado para a escritura expandida, pois esta coloca em xeque a própria produção artística e o fazer poético dos últimos cem anos.
A densidade populacional já foi detectada como um agente propulsor da expansão geográfica e das culturas, e (?) a língua como forma de expansão e sua linguagem decorrente do uso. O que ainda não conseguimos detectar é que (quando?) a linguagem humana passa por um momento de hibridização como resultado desta expansão demográfica e tecnológica.
Assim como as primeiras navegações foram um dos principais fatores para a expansão humana de cultura e misturas étnicas, a cultura digital, através de seus sistemas hipermídias, ofereceu este mesmo diagrama de transformação através da migração virtual(4). Não à toa, usamos o mesmo verbo “navegar” para esta mesma ação do clicar e adentrar este labirinto narrativo, uma nova etapa para que códigos que viviam em sistemas matriciais isolados, verbal, visual e sonoro, passem, a partir da era do software, a explorar novas formas de se fazerem perceber como linguagem.
4 Há um estudo que fiz que foi registrado em uma palestra proferida na Ohio University no Fourth Annual McKay Costa Symposium , em 25 e 26 de abril de 2002, a convite do Prof. Dr. George Hartley.
O autor italiano Luigi Luca Cavalli-Sorza vem fazendo um estudo chamado Geografia Gênica, analisando as formas de expansões que englobam o rompimento das barreiras da língua que falamos e o do crescimento quanto a uma expansão numérica da ocupação geográfica. Diz o autor:
Nossas análises mostram que, no geral, todas as grandes expansões se deveram a importantes inovações tecnológicas: a descoberta de novas fontes de alimentos, o desenvolvimento de novos meios de transporte e o aumento do poderio militar e político são agentes particularmente potentes de expansão. (CAVALLI-SFORZA, 2003:130)
O problema proposto por Cavalli é que nem sempre as revoluções tecnológicas produzem crescimento demográfico e expansão populacional; e posso dizer que é exatamente neste não aparente crescimento que a linguagem, ou melhor, a escritura humana se expande; cresce no sentido migratório e semiótico, articulando outras fontes sígnicas para dividir o bolo da disseminação do conhecimento poético.
É lógico que esse processo de expansão - escrita expandida - não se dá apenas pela propagação do conhecimento desta tecnologia, difusão de uma cultura digital, mas pelo uso desta como manifestação do fazer hipermidiático, levado adiante pelos artistas, poetas, filósofos, educadores e muitos outros que encontraram nesses softwares de autoria uma nova forma de se fazer compreender ou experimentar. Hoje, a forma de difusão dêmica é dada de maneira não somente presencial – tumbleweed -, mas também a minha presença migratória se faz pela linguagem que proponho ao outro poder navegar, ou melhor, potencialmente escrever, interferir na minha escrita. Phillipe Bootz (2003:5-6) chama a atenção para este processo quando fala sobre o conceito do interpoesia,
... Manipulando fluxos de signos moventes entre diferentes sistemas semióticos e que seu papel consiste em domesticar as possibilidades estéticas (...) como uma nova ‘área de leitura’
Prossegue Bootz citando um trecho do Manifesto Digital,
surge uma poesia que coloca o público como agente principal na criação e intervenção, na maneira de ler e de se obter novos signos a todo instante. Assim nasceu a Interpoesia, um exercício intersígnico que deixa evidente o significado de trânsito sígnico das mídias digitais, desencadeando o que se pode denominar de uma nova era da leitura. (AZEVEDO apud. BOOTZ, 2004: 5-6)
De modo geral e sem dúvida, é através das invenções e do uso de novas tecnologias que o experimento poético se fez presente nas novas mídias.
As línguas mudam muito depressa e é terrivelmente difícil estabelecer relações claras entre aquelas distantes. Com o tempo, grandes mudanças fonológicas e semânticas ocorrem em todas elas. A magnitude dessas mudanças torna complexas a reconstrução e a avaliação dos aspectos comuns entre línguas. A gramática também evolui, embora quase sempre num ritmo suficientemente lento para permitir o reconhecimento de relações lingüísticas mais antigas. Sob a pressão das mudanças fonéticas e semânticas, uma língua logo se torna incompreensível. (CAVALLI-SFORZO, 2003: 182)
Assim como uma palavra perde, com o decorrer do tempo, o seu significado original, ainda não existem métodos precisos para detectar o quanto desta perda faz surgir uma nova língua ou, com o tempo, uma nova linguagem.
Em biologia, temos a vantagem de usar diversas proteínas ou seqüências de DNA para obter várias estimativas independentes de data de separação de duas espécies. Infelizmente, na lingüística não existe a mesma variedade e riqueza de dados para corroborar nossas conclusões. (CAVALLI-SFORZA, 2003: 183)
É justamente este dado ainda não aferível e mensurável que torna o fazer poético fascinante e de profunda paixão. Esta miscigenação de linguagens, que tornou os meios digitais uma plataforma possível para a manifestação desta nova escritura, vem aproximando as semelhanças que existem entre a evolução biológica e lingüística. Esta paixão do fazer poético não isenta os poetas e, mais precisamente, os que estudam este fazer, do rigor necessário para o desenvolvimento de um estudo que aponte para esta escritura que se encontra em expansão.
Poética numérica ou escritura expandida
O estudo da poética até o começo do século XX tornou o código verbal como parte privilegiada desse recorte, mas foi na semiótica que a poética encontrou um trânsito maior inter- e intra- códigos, nos fazendo lembrar da poiésis que significa criação.
Os aspectos culturais quanto à credibilidade da compreensão e a produção de conhecimento estavam ligados apenas à tecnologia da escrita, como questiona Alberto Manguel (1997). Assim, veremos que as tentativas de uma prática semiótica nos tornam atentos ao fato de que o código verbal, como agente articulador de signos – software -, fez mudar seu referencial de arbitrariedade deste “vir a ser” histórico como forma de registro. Com o mundo da escritura numérica advindo da cultura dos suportes digitais, a linguagem verbal, que tem como modelo um alfabeto, teve sua práxis há muito transformada na obtenção para o que chamar de conteúdo analítico. Com esta tradição, notamos que o algoritmo nada mais é do que uma escritura que, a cada dia, deixa de ser um modelo matemático de simulação, passando à condição de intercódigo hipermídia ou escritura expandida.
Pierre Lévy (1996) aponta para este dado como uma atualização que pertence ao próprio ato de ler, e que, de uma maneira ou de outra, cada vez mais as convenções pertencentes ao próprio código podem ser corrompidas:
As passagens do texto estabelecem virtualmente uma correspondência, quase uma atividade epistolar que nós, bem ou mal, atualizamos, seguindo ou não, aliás, as instruções do autor.
Produtores do texto, viajamos de um lado a outro do espaço de sentido, apoiando-nos no sistema de referência e de pontos, os quais o autor, o editor, o tipógrafo balizaram. Podemos, entretanto, desobedecer às instruções, tomar caminhos transversais, produzir dobras interditas, nós de redes secretos, clandestinos, fazer emergir outras geografias semânticas. (LÉVY, 1996: 36)
Se tudo se aperfeiçoa, por que a poética não passaria por este processo de aperfeiçoamento, ou melhor, de atualização? A cada passo, os estudiosos se vêem no ímpeto de criar novos termos para uma classificação de seus estudos ou testar a “eficácia de um método” (TELES, 1996: 14).
O que vemos desta tradição lingüística é que as figuras de linguagem ou criaturas sígnicas que, criadas quando estamos no exercício do tormento que é a criação, muitas vezes e, com freqüência, são identificadas em outros códigos, como o sonoro e o visual, mas dificilmente vemos situações em que um código não ilustre o outro, o que faz com que muitas vezes estas linguagens sejam dotadas de extrema riqueza técnica, mas de um vazio poético incomparável.
Terminologias são criadas como uma espécie de “moléstia verbal” ou, como apontada por Max Muller (TELES, 1996: 14), na tentativa de se criar um conhecimento científico, o que não é diferente no estudo da poética. Neste, é preciso ter o mesmo rigor se quisermos situá-la dentro do mundo digital. Então, por que a humanidade correu atrás de uma tecnologia que pudesse atualizar cada vez mais o conceito de “ler”, “ver” e “ouvir”, se os sistemas sígnicos do verbo já estavam prontos para a reflexão?
Estamos experimentando ainda como utilizar esta nova mídia digital para a reflexão de conteúdos temáticos, mas com certeza uma mídia que, além de conter o verbo, também contempla, no seu suporte, som e imagem, transportando-nos para um outro mundo que não é apenas verbal, e sim de conteúdo imagético-sonoro, simulando o mundo sensível da percepção, formatando a cultura do olhar humano em modelos numéricos - programas.
Neste sentido, podemos dizer que as relações cognitivas para a aquisição da reflexão mudaram. Como já foi dito, a memória existe, hoje, nos arquivos eletrônicos de fácil acesso, em uma atividade interdisciplinar que agrupa entidades humanas e máquinas, colocados em redes de acessos no mundo inteiro.
Se pensarmos com atenção, nada é novo no que diz respeito à imagem virtual e seu conceito. Só para lembrar, em S. Agostinho, já encontramos o “espírito” como registro virtual, - “A memória é, para S. Agostinho, a primeira realidade do espírito, a partir da qual se originam o pensar e o querer; e assim constitui uma imagem de Deus Pai, de quem procedem o Verbo e o Espírito Santo.” (LAUAND, 1998: 9) -, esta “primeira realidade do espírito” se faz presente de maneira não física para o pensar. À medida em que estas máquinas se tornam cada vez mais inteligentes, transformando-se em verdadeiras entidades que se moldam às capacidades humanas, esta busca incessante pela perfeição nos faz pensar que a materialidade terrestre é apenas um estágio provisório - uma passagem - e o programa de acordo com o seu conceito se torna uma verdadeira escritura, uma espécie de estado primitivo do Verbo.
Querendo ou não, toda a especulação sobre espaços virtuais e como escrevê-la e inscrevê-la acabam por ter dados metafísicos. Isso porque nem tudo o que vemos nestes ambientes é simulação (HEIM, 1993). O corpo da escritura hipermídia nos traz um dado formidável que é a articulação dos códigos. Nada que está em uma tela de computador tem a ver com manipulação, e sim com articulação. Com a propriedade do signo verbal e sonoro, nunca houve dúvidas a respeito do caráter virtual dessas duas formas de signos. O som só passou a ser manipulado com a música concreta de Pierre Scheaffer, e o mesmo podemos dizer da poesia concreta do grupo Noigandres, daí o dado concreto desses signos que passaram a ser manipulados, ou melhor, montados e não apenas articulados(5).
5 Isto me fez lembrar de uma historia que um dia Décio Pignatari me contou por volta de 1983, que ele não conseguia achar alguém em São Paulo que conseguisse fazer tipos gráficos de chumbo – tipografia – a partir de um tamanho de corpo ampliado, para que surtisse o aspecto visual da palavra que ele desejava para o poema se tornar visual. Até que então ele encontrou um senhor no Brás, um bairro da Zona Leste de São Paulo, que se propôs a fazê-lo.
Os aspectos tipográficos das palavras e das frases não podem ser esquecidos como um processo sígnico para a formação da escrita e da escritura. (DUBOSC; BÉNABOU; ROUBAUD, 2003: 106)
As artes plásticas sempre operaram a manipulação, a matéria, desde seus pigmentos até as resistências escultóricas com a lei da gravidade; por isso a resistência com o computador por parte de alguns artistas. Marcel Duchamp, com sua frase “Sonho com um tipo de arte que não tenha que por as mãos”, já apontava para este estado de articulação advindo da fisicalidade do objeto artístico, entregando para os futuros artistas do século passado a responsabilidade do conceito artístico: criar criaturas virtuais, ready-made e, mais tarde, a Arte como Idéia proposta por Joseph Kosuth em One and Three Chairs, em 1965.
Na poética de síntese numérica ou escritura expandida, tudo é articulado, não se manipula nada, não se monta nada, se “diz lendo”, como na origem matemática se pensou os algoritmos. É claro que muito tempo se pensou na questão a respeito da assepsia desta nova forma de escritura:
Não se combate assepsia dos simulacros introduzindo neles ruídos, sujeiras ou gestos desestabilizadores, mas construindo algoritmos cada vez mais ricos de conseqüência e cada vez mais complexos... cada vez mais próximos do organismo das formas vivas. (MACHADO apud. AZEVEDO, 1994: 155)
A questão é saber o que torna o meio poético mais expressivo no que diz respeito a sua autonomia sem ter que combater a assepsia. O trânsito estabelecido entre a linguagem do cotidiano e a linguagem poética é o que vem caracterizando um exercício de citação infindável nos suportes digitais. Aqui é importante que façamos uma distinção do termo "citação". Para este recorte que estou propondo, o ato de programar uma linguagem, notamos que este exercício de articular partes nos aparece como se fosse um todo de uma palavra, de um som ou imagens, que faz e torna estes interpoemas poéticos.
É o não romper esta autonomia que a linguagem do cotidiano tem, que se faz poesia quando se trata de programação. A metalinguagem já vem pronta porque hoje conseguimos ter o acervo de quase tudo que a humanidade produziu. O autor Cristóvão Tezza (2003: 118) aborda a preocupação que havia com a idéia de romper com certo grau da autonomia das palavras:
A função da arte seria então quebrar este automatismo, chamar a atenção para o próprio meio, para a própria palavra. É neste 'olhar para si mesmo’ que residiria a língua poética, distinguindo-se da língua vulgar, prosaica, comum, prática. A partir desta dicotomia, criam-se novas categorias de análise: a ‘desautomatização’, o ’estranhamento’ ou, nas palavras mais precisas de Jakobson (1923), a ‘deformação organizada’ da língua comum pela língua poética.
É interessante notarmos que mesmo a idéia de estranhamento já era explorada por Jakobson em sua proposta de “deformação organizada”; o que não se sabia é que justamente o oposto, ou seja, a mesmice, seria explorada no sentido de criar este “estranhamento”. Carlo Ginzburg propõe este mesmo “estranhamento” como uma “atitude moral diante do mundo” (TEZZA, 2003 : 119), mas a verdade é que o estranhamento proposto desde a época do dadaísmo pertencia a uma condição dos signos em forma de códices, vistos e compreendidos como “ruído”.
Este "estranhamento” ao qual se referia o próprio Ginzburg também seria o olhar subjetivo de quem reconhece e percebe o mundo: “Tostói narra uma história pelo olhar de um cavalo, Voltaire descreve nativos como se fossem animais, Proust se aproxima do mundo como se o visse pela primeira vez, e tudo isso causa um impacto na recepção pelo ‘estranhamento’, é verdade; mas nada impede (e nada impediu de fato) que o olhar da arte se aproximasse do mundo exatamente pelo que ele tem de familiar, não atrás do choque de paradigmas, mas, digamos, de identificação emocional com o que é próximo e familiar ou através do paradigma de tendência universalizante (e de certo modo tranqüilizante) da linguagem da razão.”
Na direção contrária a isso que em Looppoesia6 apontei o articular e fazer desaparecer qualquer dado asséptico desses programas, no momento em que passamos a entendê-los como escritura, e insisto que estamos articulando novamente em um registro sígnico que nos dá a possibilidade de praticarmos trânsitos de intermediaridades interpoéticas do verbo, som e imagem em direção a uma escritura expandida.
6 O Cd Looppoesia foi lançado na Universidade Presbiteriana Mackenzie em 2004 e no Colóquio deCeresy La Salle do mesmo ano. Este trabalho foi apresentado pela primeira vez no E-Poetry, em Buffalo,em 2001.
Se articulamos esta escritura dos suportes digitas, seu dado asséptico desaparece quase por completo, pois não somos seres limitados por sermos portadores de um alfabeto. O mesmo acontece com o software ou esta forma de escrituras. Dentro deste quadro posso afirmar que nunca se escreveu tanto quanto agora. Escrevemos o som, a imagem e mais do que nunca o texto, registrando nosso conhecimento de forma menos plana, bidimensional. Com isso, passamos a ganhar o espaço tridimensional das escrituras que é a própria forma de pensarmos, experimentando e conhecendo, como protagonizou Theodor Nelson.
Contudo, não poderia deixar de mais uma vez dizer que estamos apenas reapresentando a nossa fala à humanidade. É um momento de extrema importância em que experimento e prática passaram a ficar muito próximos. Tudo que articulamos nestas escrituras não existe de forma natural, crua, de sintaxe plena. O que chamamos de “pós” é apenas uma maneira reducionista e caricata de não assumirmos que passamos a citar o nosso próprio conhecimento, ou seja, articulamos o que já sabemos, a modernidade não se esgotou ainda.
É justamente este poder articulador que nós, seres humanos, temos para poder experimentar signos nem sempre convencionais em nosso cotidiano, principalmente quando a tecnologia nos coloca em uso verdadeiras máquinas semióticas, em que devemos aprender a deixar nossos registros poéticos em um formato novo de vocabulário, “... uma das coisas admiráveis da linguagem humana é esta de, a partir de um sistema exíguo e fechado de fonemas sem sentido, chegar-se à articulação de milhares de palavras e aos milhares de significações possíveis no vocabulário comum,...” (TELES, 1996: 19).
Para tentar concluir, a prática do experimento com linguagens é antiga como uma ciência da experimentação, é parte do corpo sígnico dos códigos a serem articulados em forma de semas que servem e continuarão servindo de linha avançada para a criação estética humana. A poética e sua escritura estarão cada vez mais se fazendo existir a partir das marcas humanas de nossas digitais para as das tecnologias como no poema sem título de José de Arimatheia.
Interpoems
Paraphrase or Reread
Doesn't matter!
What is relevant?
Nothing is natural
Nothing is matricial
Nothing exist as a pure art
And Poetic manifest
The copy of the copy and so on...
What can be done ?
Quote the past
Quote Action or Action of the Quotation
Pop from Pop
POPOPOPOPOPOPOPOPOPOPOPOP
Or As John & Yoko:
Love is real
Real is love
Nothing is real
Real is Nothing
Referências:
AZEVEDO, Wilton. Criografia: A Pintura Tradicional e seu Potencial Programático. São Paulo, 1994. 188 p. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) – PEPG em Comunicação e Semiótica, PUC SP.
CAVALLI-SFORZA, Luca. Genes, Povos e Línguas. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
COSTA, Mario. O Sublime Tecnológico. Trad. Dion Davi Macedo. São Paulo: Experimento, 1995. Original italiano.
FABRIS, Annateresa. A Estética da Comunicação e o Sublime Tecnológico. In: COSTA, Mario. O Sublime Tecnológico. Trad. Dion Davi Macedo. São Paulo: Experimento, 1997, p.7-12.
LAUAND, Luiz Jean (org.). Cultura e educação na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
LÉVY, Pierre. O que é o virtual. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Ed. 34, 1996. (TRANS). Título do original francês: Qu'est-ce que le virtuel?
HEIM, Michel. Metaphisics of Virtual Reality. New York: Oxford University Press, 1993.
MANGUEL, Alberto. Uma História da Leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
TELES, Gilberto Mendonça. A Escrituração da Escrita. Teoria e pratica do texto literário. Petrópolis: Vozes, 1996.
TEZZA, Cristovão. Entre a Prosa e a Poesia: Bakhtin e o Formalismo Russo. Rio de Janeiro: Rocco, 2003. Periódicos
DUBOSC, Labelle & BÉNABOU, Marcel & ROUBAUD, Jacques (ed.). Formules: Revue de Literatures à Contrantes. Paris, France, Association Noésis, ago. 2003, nº 7. (Collection Formules).
ECO, Umberto. Muito além da Internet. Folha de S. Paulo, Caderno Mais, 14 dez. 2003.
Comunicado Oral
BOOTZ, Phillipe. De Baudot à Transitoire Observable: les approches sémiotiques en littérature numérique. Paris, France, 2003, digitado inédito, 7p
Nenhum comentário