I Concurso Literário Benfazeja

Entrevista com Papai Noel

site literário conto Revista literária benfazeja



Crônica, por José Cláudio (Cacá).

*



ARCANJO  ENTREVISTA PAPAI NOEL

Arcanjo Isabelito Salustiano*, o filósofo das ruas, estava passeando pelos shoppings e feiras da cidade em busca de assunto, já que desde o início do ano ele sabe para quem pode e quanto pode gastar com presentes. Encontrou vários papais Noéis, tirou fotos, conversou muito e observou tudo, até o momento em que passou um cara e roubou um saco que estava ao seu lado. Provavelmente pensou que estivesse cheio de presentes ou dinheiro. Tudo caixa vazia. Enquanto as crianças e populares corriam atrás do sujeito, ele conseguiu essa rápida entrevista com o Papai Noel.

ARCANJO: Papai Noel, explique para nós a sua origem geográfica. Não precisa falar de sua onipresença, isso todo mundo sabe. Onde fica essa tal de Lapônia?

PAPAI NOEL: A Lapônia não é um paraíso fiscal como muitos podem pensar. O saco cheio que carrego é proveniente de muitas doações de gente honesta do mundo inteiro. E a Lapônia fica num lugar onde as renas nascem. Nem avião chega lá. Só as renas. E só as minhas. Rena é um bicho criado exclusivamente para Papais Noéis.

ARCANJO: A tradição cristã fala também que você é a representação do São Nicolau?

PAPAI NOEL: Era, meu filho, era! Pelo menos aqui no Brasil! Apareceu aí um certo Nicolau, de quem falam ser ele um juíz e derrubou  a minha reputação de bondade , caridade e solidariedade. Já pensou eu ser tratado pelas criancinhas de Lalau? Vamos ficar só com o epíteto do “bom velhinho”, que já tá bom..

ARCANJO: E sendo assim, meio gordo, por que entrar pela chaminé?

PAPAI NOEL: Isso vai se modificando com o tempo, meu filho. Em primeiro lugar, são raríssimas as casas hoje em dia em que há chaminés. Aliás, o número de casas vem só diminuindo. Nos prédios onde não tem elevador, eu ainda tenho é que subir escadas em vez de descer pela chaminé. Eu tenho que tocar nos interfones e há lugares onde é difícil liberarem minha entrada. Tem tanto clone de papai Noel mal intencionado por aí... Quanto à chaminé, era uma forma de me aquecer, já que de onde venho é muito frio. Agora, além do sumiço das casas, e com esse aquecimento global, já estou querendo é mudar o uniforme, algo mais leve.

ARCANJO: Por que você não se adapta em cada região aos seus costumes? Por exemplo: esse negócio de neve no Brasil nesta época do ano, não cola com a sua imagem nem com o clima. Não acha muito americanizada a sua atitude? Você não estaria puxando a brasa para a sardinha dos americanos? Quer dizer, trazendo essa idéia de neve para cá em pleno verão? Eles já dominam tantas coisas no mundo... Será que o Natal não pode ser cada um com seu costumes e deixar o ecumenismo somente para celebrar o nascimento de Cristo? Não bastou esse tal de panetone que você espalhou por aqui? Deu até confusão numa certa cidade lá no planalto central do Brasil. Tinha um cara disfarçado de papai Noel sem o devido traje roubando dinheiro e dizendo que era para distribuir panetones aos pobres...

PAPAI NOEL: Bom, em assuntos internos de cada país eu não me meto, sabe como é, a minha imagem universal... Imagine se eu chego no Brasil, por exemplo e me visto de bermuda, chinelão, boné e camiseta regata? Aonde iria parar a minha credibilidade com as crianças? Fora o fato de que eu iria ter que ficar me explicando para a polícia. No mínimo iam me confundir com vagabundo. Ou então, num traje desses com um saco nas costas, eu ia era ganhar esmolas.

ARCANJO: Obrigado seu Noel. Quer deixar uma mensagem final para seus fãs no mundo inteiro?

PAPAI NOEL: Se quero! Tenho notado que em todo lugar as pessoas por mais que dêem e ganhem presentes, estão sentindo falta de mais presença do outro em suas vidas. Disfarçam as suas faltas e carências com artigos de consumo imediato mas não conseguem preencher seus espíritos com uma substância que não está à venda em nenhum lugar. Eu gostaria mais de ser outros símbolos. Queria simbolizar mais a tolerância em vez da indiferença. Mais a humanização em vez da coisificação. Mais a essência em vez da aparência. Queria que fôssemos mais sujeitos das coisas e valores e não meros objetos de dominação por falta de envolvimento real nos destinos de cada lugar, de cada país.    
Eu desejo natais onde, em vez de meu sem graça HÔ,HÔ,HÔ, eu poderei escancarar um satisfeito HAHAHA!


* Arcanjo Isabelito Salustiano é um personagem criado por mim.


*

Para ler mais contos do autor, clique aqui

Créditos da imagem:
PAPAI NOEL É CARIOCA, por SILVIO GUERRA

Um comentário:

  1. Muito bom, Cacá! Perfeito. Adorei mesmo. Às vezes também fico pensando nessas incongruências. Nada a ver né, cada qual com seu cada qual. Simples assim, mas complicado assim. Veja um caso específico: a roupa. Já pensou como seriam essas adaptações locais? Nem imagino. Aqui no Brasil já tivemos várias tentativas de mudanças na roupa do Papai Noel: cor, tecido e modelo. Mas não "pegou". Literalmente tirou o brilho da festa. O pessoal queria mesmo era o bom velhinho, gordinho e agasalhadinho, rsrs! Uma vez até rolou, nas escolas, uma campanha nesse sentido, faz muiiito tempo (sou jurássica, lembra?, rsrs). Mas sigo simpatizando com as idéias propostas na crônica, por sinal, superbem escrita, como sempre, aliás. Mas tem uma coisa que a gente pode mudar, e já. É o tal de HO,HO,HO, por HA,HA,HA!
    Vamo que vamo. Feliz Natal, HA,HA,HA!!!
    Bjssssssss

    ResponderExcluir