I Concurso Literário Benfazeja

O Chifre do Unicórnio

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Conto para a seção Fantásticos, por Alec Silva*


“O unicórnio, através da sua intemperança e incapacidade de se dominar, e devido ao deleite que as donzelas lhe proporcionam, esquece a sua ferocidade e selvajaria. Ele põe de parte a desconfiança, aproxima-se da donzela sentada e adormece no seu regaço. Assim os caçadores conseguem caçá-lo.” (Leonardo da Vinci)

*

A jovem descansava sobre a pedra, tendo ambos os seios formosos, ainda com a flor da pureza, tão belos e encantadores, desnudos. Ela cantarolava um hino sobre o amor, despreocupadamente. Seus cabelos dourados, cacheados e longos cobriam-lhe as costas e parte do peito, mas nada que atrapalhasse a visão do par de seios claros e atrativos. Os olhos negros, de um brilho vivo como as estrelas, fitavam um animal que se aproximava timidamente.

Os olhos esmeralda do ser estavam fixos nos seios da donzela, ansiando mamar em cada um deles e aninhar-se nos braços suaves da humana.

Medo era algo que não existia naquele momento para a criaturinha rara. Apenas o desejo ilusório e nada mais.

As orelhas, sempre alertas, agora estavam baixas e desavisadas. Cada passo, num trote lento e macio na grama baixa da relva, era arriscado.

A camponesa estendeu a mão esquerda, tocando a fronte do animal sagrado. Seus dedos delicados afagaram os pelos rasos e sedosos da criatura. Tal gesto fez o belo ser aproximar-se ainda mais, permitindo que a jovem afagasse também a crina longa e sedosa.

– Sentes fome? – indagou a donzela, numa voz suave e chamativa. – Ou sede?

O belo animal relinchou, batendo o casco na grama com grande euforia. Em nenhum momento o olhar abandonou o alvo de seu desejo.

A língua quente do animal tocou a pele clara, delicada e perfumada da virgem, fazendo-a arrepiar-se com o contato. Apreciando a lambida em sua barriga, a camponesa subiu a cabeça da criatura sagrada até um de seus seios, sentindo o calor gostoso dos lábios equinos em seu mamilo.

O corpo pequeno do ser selvagem aconchegou-se ao da donzela, aninhando-se completamente nos seus braços. Tudo o que ele queria era obter algum carinho e beijar os seios firmes da jovem.

A camponesa emocionou-se por ter nos braços um animal tão belo e raro, que em breve seria sacrificado para saciar a ambição de um caçador. Ela poderia espantá-lo, mas precisava da recompensa para impedir a execução do pai, pois este contraíra uma dívida numa taverna e o valor dessa dívida devia ser coberto pela sua morte ou pelo pagamento imediato dessa.

Sabendo que o destino do animal se aproximava, a jovem afagou a criatura dourada enquanto sentia os lábios equinos chuparem-lhe o mamilo esquerdo e a pele do seio.

Os olhos esmeralda do animal sagrado cerraram-se, entregando-se ao prazer sublime de beijar tão belo peito virgem. Era o sono da paz, o prólogo da morte que espreitava num enorme galho, da árvore mais alta daquela floresta.

Olhos azuis-metálicos de um homem rude acompanhavam toda a cena, desde a longa espera até o adormecimento embriagado do unicórnio dourado. Com grande cuidado e o mínimo de ruído possível, ele armou um arco, retesando a corda e apontando a seta envenenada para a presa fragilizada e vulnerável. Somente no sono de descanso e distração, quando a guarda estava baixa, é que uma criatura tão veloz e selvagem poderia ser abatida.

Com toda a calma, afinal a caça não se moveria tão cedo, o caçador buscou o melhor ângulo para ferir a bela criatura. A precisão de sua mira era algo que espantava a todos, inclusive a ele mesmo, pois derivava de um feitiço feito por uma fada há muitos anos.

– Pense bem antes de fazeres isso, filho! – pediu uma mulher belíssima, sentada ao lado do caçador.

– Pelos nossos deuses, mãe! – assustou-se o homem, fitando a mulher.

– Irás mesmo matar um animal sagrado por causa de poder?

– O unicórnio dourado é raro e seu chifre, valioso e poderoso, tu bem sabes disso melhor do que qualquer um.

– Matar um animal sagrado é um pecado para o qual não há perdão.

A mulher, de um olhar manso e sábio, da cor da rosa, falava docemente na esperança de dobrar o filho. Suas vestes compridas, arroxeadas, criavam um contraste com a sua pele clara, delicada e aveludada e os cabelos brancos como a neve.

– O pecado é algo que alguém inventou para nos manter parados, aceitando o que a vida nos deu, mesmo que tudo seja um reles traseiro de cavalo.

– Modera a língua ao falares comigo, pois ainda sou a tua mãe!

O caçador olhou para ela, ainda vendo a presa aninhada no colo da virgem. Ele não queria que aquela conversa toda atrapalhasse a sua caçada tão perfeita e valiosa.

– Perdoa minha falta de modos, mas eu tenho uma presa para abater – falou o filho, fitando o semblante sereno da fada.

Percebendo que era inútil discutir ante a teimosia do caçador, a mulher desapareceu por encantamento, mas a sua voz ainda alertou o filho pela última vez:

– Eu te avisei, filho! Prepara-te para pagar o preço pela tua ambição!

Alheio à advertência, o homem voltou seus olhos azuis-metálicos para o unicórnio dourado, mais precisamente ao seu chifre único, no centro da testa.

O chifre do animal sagrado e belo era de diamante cristalino como a água da nascente, e tão duro quanto o coração de um homem dominado pelo ódio. Além dos poderes dados a quaisquer chifres de unicórnios, como a cura, a longevidade e as propriedades afrodisíacas, o corno diamantino realizava qualquer desejo, sobretudo os de riquezas e os de imortalidade.

Outra vez a corda do arco fora esticada, com a seta mortal mirada para a parte mais vital do corpo da caça. Era a hora de abater a presa valiosa.

O dom que recebera ao nascer, um presente de sua mãe, agora lhe era muito mais necessário. Se errasse, perderia a presa.

A jovem acariciava a cabeça do unicórnio, tocando por vezes no chifre diamantino, deixando lágrimas rolarem pelo semblante triste. Ela sabia que a hora fatídica se aproximava.

O belo animal agora sugava suavemente o mamilo da donzela, totalmente envolto no manto do sono e da morte.

Quando a flecha zuniu, cortando o ar furiosamente, selavam-se os Destinos dos três personagens da caçada cruel. A seta penetrou não apenas o frágil coração do unicórnio, mas também a alma da jovem e a sorte do caçador.

Ao sentir a flecha no interior de seu corpo, o animal sagrado deu um salto, mordiscando o mamilo da donzela, provocando um corte pouco profundo e um gritinho de dor dela. A criatura, em seguida, trotou algumas vezes, jogando-se de um lado a outro, jorrando sangue rubi através da ferida aberta.

Os olhos esmeralda do unicórnio fitaram os olhos negros da camponesa, demonstrando toda a dor, todo o ressentimento, toda a fraqueza e todo o arrependimento que sentia. Aquilo machucou mais ainda a alma da jovem humana.

Em seguida a criatura sagrada e rara tombou, moribunda, arfando o último oxigênio que seus pulmões suportavam. Ofegante, pôde ver botas de couro aproximando-se e algo gélido percorrer-lhe a garganta. Depois, para sempre, apenas as trevas.

– Maldito! – gritou a donzela, cobrindo o busto com uma manta.

O homem limpava o sangue da adaga nos pelos da cabeça do animal abatido, esboçando um grande sorriso de satisfação. Ignorando os insultos da jovem isca, ele cravou a ponta da lâmina ao redor da base do corno da presa, tentando retirar o precioso troféu.

– Para! – urrou a camponesa, sentindo nojo diante de tanta crueldade.

– Cala-te, camponesa! – gritou o caçador, impaciente.

– Tu és um monstro sem alma!

– Como ousas?

– Mataste um animal sagrado por ambição!

– Se eu o matei, é porque tu me ajudaste.

A mão firme do homem puxou o chifre diamantino com toda a força, arrancando-o do crânio, trazendo também músculos, nervos e sangue.

A donzela avançou em direção ao caçador, tentando vingar-se de algum modo, mas tudo o que conseguiu foi ser agarrada pelos cabelos dourados, com grande violência.

– Melhor te aquietares, jovem! – mandou o homem, falando rudemente. – Se pretendes manter-te honrada, vá embora com o teu pagamento!

A camponesa viu um saquinho de couro com algumas moedas tilintando em seu interior. O caçador o segurava, com agressividade, bem próximo ao seu rosto delicado.

Sem escolha, ela pegou a maldita recompensa e saiu o mais rápido que pôde de perto da cena do crime hediondo, desejando apenas que os deuses tivessem compaixão de sua pobre alma pecadora.

Olhando para o chão verde e macio, coberto pelo sangue da criatura pura, o homem pegou o belo chifre.

– Finalmente eu tenho-te – falou ele, tomado pelo desejo e pela loucura, fitando o corno de tamanho valor e poder.

O brilho que o puro e sagrado diamante produzia era fascinante. Nada em todo o mundo era tão belo, valioso e cobiçado quanto aquele chifre de unicórnio. Muitos dariam a vida e matariam para poder ter a chance de tocar nele.

Era a hora do caçador fazer seu pedido, algo que há anos buscava recuperar.

Fechando os olhos, retornando aos tempos em que era marido e pai, o caçador relembrou a família que possuía antes da peste negra devastar tudo. Primeiro foram os filhos; com a morte deles, os sonhos dele e da esposa acabaram. Não haveria mais como ensinar os filhos a serem pessoas de bem, a cavalgarem pelos bosques, pescar em rios e lagos. A mulher, desesperada, buscou a ajuda da magia dos antigos, sendo presa, torturada e morta pela Inquisição. Desde então, em seu mundo de perdas e amarguras, ele almejou um meio de reencontrar a família, fazer o Anjo da Morte devolver as pessoas que ele tanto amava.

Em suas buscas, conheceu um mago que lhe contou sobre o unicórnio dourado e o seu poderoso chifre. Era daquilo que ele precisava – e já havia se passado dez anos desde que iniciou suas andanças de reino em reino, matando outras criaturas, como dragões e cervos brancos, para poder ganhar dinheiro e encontrar a sua valiosa presa.

Ainda de olhos cerrados, o homem fez o seu pedido:

– Eu quero reencontrar minha esposa e meus filhos!

O chifre diamantino brilhou intensamente, pronto para realizar o pedido de seu portador.

Quando o caçador pronunciou a última palavra, o seu corpo estremeceu; em seguida, como um saco de farinha trazida do moinho, tombou decapitado. Caindo sobre o gramado já embebedado de sangue sagrado, ambas as partes do corpo regaram ainda mais o lugar, agora amaldiçoado.

Finalmente, o homem encontraria a sua família.

Segurando uma espada curva, a figura com o rosto coberto por um capuz negro e empoeirado, de longas vestes em um mesmo tom de cor, olhava o corpo sem vida. Sem hesitar, o misterioso carrasco pegou o chifre de diamante, tirando-o da mão firme do morto.

Após limpar a lâmina escura nas roupas da vítima, ele montou em um horrendo cavalo negro como as trevas e partiu para o interior da floresta, carregando consigo o grande prêmio.
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Sobre o autor:
Resumo de minha vida: Letras. Desde os cinco ou seis anos fui fascinado por letras; quando aprendi a escrever, aos oito ou nove anos, comecei a fazer versinhos e histórias simples. Sou poeta e escritor. Minha ambição como escritor: escrever mais de mil livros e ser um dos maiores escritores do Brasil!

Contato do autor: iung-tao@hotmal.com

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Créditos da imagem:
Ponta de São Lorenço, por Paulo Alexandre Alves

4 comentários:

  1. 'Irás mesmo matar um animal sagrado por causa de poder?'

    Atribuindo a seus atos causas nobres, a dama dos seios fartos e o amargurado caçador quebram princípios e se tornam carrascos de um inocente.

    Na vida é tudo uma questão de ambição; seja Cobiçar o bem-estar de um ente amado, reverter a morte (já diria Rowling), ou mesmo querer experimentar os prazeres de uma donzela.

    Fabuloso. Segue o lugar-comum dos contos de fantasia medievais: cada personagem é uma personificação de uma qualidade humana. O enredo é só uma simples descrição de realidades da vida, mas recheado de um estilo figurativo muito atraente.

    Gostei do detalhismo, do foco mais psicológico.

    'O belo animal agora sugava suavemente o mamilo da donzela, totalmente envolto no manto do sono e da morte.'

    Ilusório prazer...

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  2. Opa!
    Fico feliz que eu tenha conseguido causar tal emoção...
    Eu amo contos medievais, e quando resolvi criar o "Projeto Se7e Visões", cujo conto faz parte, pensei em fazer um conto que remetesse ao imaginário da Idade das Trevas!


    Fico muito grato pela Celly, que aceitou publicar este conto!


    Abraços a todos!

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  3. Muito boom,não é novidade e espantoso dizer que você escreve muitíssimo bem, o jeito com que você meneia as palavras é incrível!
    E o conto é ótimo!

    Adoreei!
    ^^

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  4. Fico feliz por seu comentário, cara amiga leitora e escritora!

    Abraço.

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