Versos Inversos : A Poesia Quase Toda de Ana Luísa Amaral
Versos Inversos : A Poesia Quase Toda de Ana Luísa Amaral
Comentando o convite enviado pela Dom Quixote para este lançamento, o qual anunciava solenemente, “apresenta a obra Maria Irene Ramalho”, a poeta Ana Luísa Amaral mostrou-se um pouco embaraçada. “Obra”, desabafava ela, “obra têm os grandes poetas, como Herberto Hélder; eu não tenho obra.” Ainda não, queria ela dizer. Enganava-se, claro. Inversos é obra, e de respeito. É claro que não custa imaginar, daqui a vinte anos, mais um título de Poesia reunida de ALA. Mas mesmo que se pudesse considerar prematuro este volume de Inversos , bem como a anterior colectânea abarcante, Poesia reunida (2005), a verdade é que a poeta se foi impondo pelo trabalho de artesania a que costuma sujeitar a subtil limpidez das suas palavras e das suas construções poéticas. Quando em 1925 apareceu uma edição dos Collected Poems da poeta americana H. D., tinha a poeta 39 anos, toda a gente pensou que estavam os carros a ser postos à frente dos bois, por aparecer demasiado cedo na vida da poeta essa publicação (Helen in Egypt, a epopeia da consciência moderna de H. D., só apareceria em 1960, um ano antes da morte da poeta). Mas outro grande poeta do modernismo americano, William Carlos Williams, não se coibiu de escrever uma recensão entusiástica dessa obra coligida por assim dizer antes do tempo. E Ezra Pound, esse poderoso árbitro da poesia modernista, deixou claro que, em seu entender, H. D. era a melhor poeta americana depois de Emily Dickinson. Queria ele dizer poetisa, evidentemente. A diferença sexual tinha, e continua a ter, muito peso.
ALA é uma poeta premiada e solicitada em todo o mundo. Em regra, porém, o jornalismo cultural da nossa praça não têm lidado muito bem com a sua poesia e a sua poética. Não gosta. Talvez porque não lhe entenda o rigor da gramática subversiva; nem lhe aprecie as imagens ousadas, se bem que aparentemente fáceis, a combinar o sério e o jocoso; nem se deixe seduzir pela sua poética da domesticidade, de tão largo alcance; nem lhe ouça a música da poesia de amor, em que ela é mestre. Se em Safo, Shakespeare, Donne ou Dickinson é fácil ler num poema de amor o mundo inteiro, por que não em ALA? “Rimas, manhã, e sem estreofonia” (498), poema de Entre dois rios e outras noites (2007), fala de poesia e de amor na modernidade, talvez a pensar em Hart Crane, que dizia que a poesia moderna tem de aclimatar a máquina. Mas a esses leitores de ALA tudo parece trivial, sem interesse, insignificante, impossível de ler duas vezes. Ora, como há muito dizia Geoffrey Hartman, o teste de qualquer obra está na suas sucessivas leituras.
Esta edição vem possibilitar um olhar de conjunto sobre toda a produção poética de ALA até à data. Excluindo Poesia reunida (2005), são onze títulos de outros tantos livros de versos, publicados isoladamente e muito bem recebidos pela crítica dita académica: evoco, sem preocupações de exaustividade, Arnaldo Saraiva, Rosa Maria Martelo, Osvaldo Manuel Silvestre, Paula Morão, Isabel Allegro de Magalhães e outros, entre os quais eu própria. Lembrar os títulos todos é dar uma ideia das preocupações de ALA: o seu conhecimento da chamada tradição; as suas lealdades a alguns poetas, temas e formas; as suas problematizações da língua, da tradição e da cultura. Vou seleccionar arbitrariamente, admitindo que os temas se entrelaçam, ao mesmo tempo que muita coisa fica de fora: Minha senhora de quê (1990) e o estatuto da mulher poeta; Coisas de partir (1993) e a reinvenção do erotismo; Epopeias (1994) e a tradição virada do avesso; E muitos os caminhos (1995) e a história da forma poética; Às vezes o paraíso (1998) e revisitados os mitos de terras sem povo para povos sem terra; Imagens (2000) e o labirinto recriado a partir de Creta e retomado de E muitos os caminhos; Imagias (2002) e anjos caídos de amores desencontrados; A arte de ser tigre (2003) e o primeiro esboço de inversos da vida e da poesia; A génese do amor (2005) e a revisitação erótico-poética de Petrarca, Camões, Dante e suas mulheres; Entre dois rios e outras noites (2007) e a poética e a política do lugar; Se fosse um intervalo (2009) e a prosa dos seus versos. Esta pessoana formulação ocorre logo a propósito de A arte de ser tigre, nas epígrafes inventadas do não menos inventado Aldo Mathias, criatura com data e tudo (1939), que sabe falar eloquentemente do mistério de viver, amar e poemar que é essa misteriosa arte de ser tigre: “Dizem haver amores para lá dos sentires contidos pelo tempo”, começa a primeira epígrafe, a combinar poeira cósmica, etimologia e metamorfose. A fechar a secção das artes e a inaugurar uma secção já designada “Inversos”, o arguto Mathias volta a encontrar as palavras exactas para falar do tempo e do outro lado da vida e da escrita em ALA. É aos inversos que povoam esta secção de A arte de ser tigre que a poeta vai mais tarde buscar este título geral para os seus vinte anos de poesia.
Podia calar-me aqui e convidar-vos a ir ler esta poesia sedutora do nada dizer de John Cage (“Não tenho nada a dizer e estou a dizer isso mesmo e isso é que é a poesia”). Poesia lírica que, em seu nada dizer, interrompe a nossa pacata existência de acomodação e conformismo vários, e por isso mesmo perturba. Que impacto deixamos que tenham em nós, por exemplo, as imagens poderosas de a “Arte primeira” de A arte de ser tigre (415)?
Faltou dizer nesta quase descrição prévia que esta bela edição da Dom Quixote inclui uma dedicatória (já incluída cinco anos antes em Poesia reunida ): “Vinte anos volvidos, a Maria Irene Ramalho – as palavras que não chegam”. Tenho de confessar que me comove profundamente este livro dedicado à minha pessoa, mais de vinte anos depois de eu ter descoberto a jovem poeta na minha então orientanda no âmbito das literaturas e culturas de expressão inglesa. Comove-me sobretudo pelos termos da sua dedicatória. Para me prestar homenagem, uma poeta, que é uma verdadeira maga das palavras, deposita nas minhas mãos uma obra – quase incompleta, diria Alberto Pimenta – porque as palavras lhe não chegam para mim. Ora, de vinte anos de poesia reunida neste último livro de Ana Luísa Amaral chegam-me palavras em versos – palavras e versos Inversos . É destas e doutras palavras que ainda quero falar hoje aqui um pouco. Vou, no entanto, ser muito económica. Não me servirei do abecedário de Rosa Martelo, a que entretanto acrescentei muitas palavras. Vou ficar-me por quatro palavras apenas, uma delas nem sequer é de ALA.
Primeira palavra: gingo biloba. Esta não é uma palavra de ALA. É uma antiga apropriação minha. A capa deste último livro de ALA levou-me de imediato ao Jardim Botânico de Coimbra, onde nos mandava Paulo Quintela a propósito da leitura do célebre poema de Goethe, intitulado justamente “Gingo Biloba”. No Jardim Botânico existem dois belos exemplares da árvore Ginkgo biloba . Originária da China e aí considerada sagrada, a gingo biloba chegou à Europa no século XVIII e tem sido uma inspiração para artistas e poetas através dos tempos, no Ocidente como antes no Oriente. Foi uma folha curiosa e intrigante de uma árvore exótica que excitou a imaginação de Goethe, uma folha em forma de coração e de nervuras paralelas, a sugerir o um em dois ou o dois em um, o um e o dois ambos multifacetados. O poema, incluído no “Divã ocidental-oriental”, foi em 1815 enviado por Goethe, juntamente com duas folhas de gingo biloba, a Marianne von Willemer, uma das suas amadas e autora anónima de muitos dos poemas desta obra de Goethe. O que imediatamente remete para as cumplicidades poético-eróticas que toda a poesia lírica encerra, e em que ALA é mestre. Vale a pena lembrar aqui o poema alemão na tradução de Paulo Quintela:
O poema e a sua história sugerem claramente um sentido erótico-simbólico muito complexo para esta folha da gingo biloba, cujo recorte fica menos acentuado nos climas do Sul, mas revelando mesmo assim a sua forma de coração e as suas muitas nervuras. A folha simboliza no poema o amor e a vida de que é feita a poesia lírica. Poesia, amor e corpo-de-ser estão intimamente ligados, como num poema de E muitos os caminhos (1995), “Catalisadores do brilho” (204), em que o símbolo eleito pela poeta (que não é, evidentemente, a gingo biloba, mas a romântica lua) não é separável nem do verso nem do amor. A poesia escreve-se no corpo, como vemos logo em divertido poema de Epopeias (1994), “Inocentíssimos plágios” (173), cujo tom jocoso sublinha ainda mais a seriedade da relação entre eros e a escrita. “E eu que queria escrever / sobre o teu corpo”, dizem os dois primeiros versos do poema, logo seguidos de um parêntesis: “(sobretudo a seguir / a poema inglês)”. O poema inglês, neste em que ALA constrói e desconstrói o amor e a poesia, remete para toda a lírica amorosa ocidental, aqui representada pela magnífica XIX Elegia de John Donne, “To His Mistress Going to Bed”, um belíssimo hino à descoberta deslumbrada do corpo da amada, América e Terra Nova, nas mãos sôfregas do poeta.
Na poesia de ALA, as palavras são escritas e lidas no corpo. Mais bem dito, as palavras são cultivadas no corpo. Cultivar a palavra é, de resto, projecto explícito de ALA desde a primeira hora. Evoco “Discreta arte” (29), um perfeito soneto não rimado de Minha senhora de quê (1990), o primeiro livro de versos de ALA, que diz assim:
Releio este poema a entrelaçar planta e palavra com o volume de Inversos na mão e a folha da gingo biloba que delicadamente lhe povoa a capa ganha estatuto de escrita, renascida da terra ou da tela como palavra de se dizer. A folha-palavra persegue-me como à poeta perseguia essa outra, em outro poema de Minha senhora de quê , intitulado “Espionagens verbais” (35). Com piscadela de olho àquele em que Emily Dickinson se debate com a escolha da palavra certa (J1126), o poema de ALA, que começa “Anda desde manhã uma palavra / a perseguir-me”, impõem-se como um poema de vocação. Protestando não ter “alta patente nem estatuto”, a poeta sabe bem que a tal palavra não desiste de a perseguir precisamente por virtude do seu irrecusável ser-poeta. O motivo repete-se, de forma diferente, em outro poema de vocação incluído em Coisas de partir (1993). “Entre as duas e as três” (93), em que a poeta, mergulhada na angústia da dificuldade da escrita, se anuncia finalmente em palavras prontas (“prontas as palavras”, assegura o poema). Wallace Stevens dizia que embora a poesia possa acontecer, melhor é que seja coisa feita . Em ALA como em Emily Dickinson, a poesia acontece, porque é lucidamente feita nas palavras do corpo, por palavras, contra palavras, palavra a palavra. Em “Epopeias de luz” (187), de Epopeias , o terceiro livro de ALA, 1994), um poema muito mais complexo do que aqui o faço agora, o processo é claro: atirar a palavra ao chão e deixá-la navegar e resvalar pelos lençóis, sem perigo de se seduzir.
Disse atrás que gingo biloba não é uma palavra de Ana Luísa Amaral. Mas podia ser. Uma daquelas palavras de poeta (“só de mim”, diz ela em “Mais que onomatopaica”, de Coisas de partir [119]), mas que sendo só dela pudesse ser entendida “pela demais gente”. Por isso, aqui lha ofereço eu, palavra a rimar com folha. A folha grácil de associações eróticas e artísticas a atapetar-lhe a capa do livro inteiro é o símbolo perfeito da poesia. Quase perfeito.
Segunda palavra: perfeição.
Em “Biografia (Curtíssima)” (635), um poema incluído na última parte deste livro, que é a parte dos inéditos, a poeta regressa, nostálgica, aos seus primeiros versos (como eu de certo modo fiz em cima, a sugerir o antes e o depois da própria poesia):
A cebola é uma imagem poderosa em ALA. É uma perfeição macia de várias camadas de ser que se desdobram e acabam por resultar no seu oposto. Primeiro, a cebola aparece na poesia de ALA como uma imagem de deliberada domesticidade e da possibilidade do sentido. Se, por exemplo, começa por ser ingrediente indispensável na culinária tipicamente portuguesa – “cebola, azeite / blues desconcertantes, metamorfoses em / refogados rítmicos” (44) – logo, mesmo aqui, ganha um dimensão simbólica nas suas muitas camadas, que apontam para a perfeição, mas a não realizam. Como em “Diferenças (ou os pequenos brilhos)” (310), de Às vezes o paraíso . Este poema é uma espécie de testamento da poeta, misto de culinária, erotismo e arte da escrita. Imagem modesta, que no entanto ganha dimensão cósmica de eleição: o que ficará será como um livro, será anel interstelar, “como cebola à espera de um luar / que outros olhos não vêem”. No poema inédito que comecei por citar neste meu trecho sobre a perfeição, resulta claro que a cebola é simultaneamente uma sumptuosa imagem de perfeição (a maciez redonda das suas camadas de vestuário) e uma imagem de imperfeição, nas mesmas camadas que deixam de ter objectivo. Não disse Stevens que o imperfeito é o paraíso dos poetas? Fernando Pessoa, na pessoa de Bernardo Soares, escreveu também que a escrita poética é a imperfeição, e isso é que é lindo: “Por que escrevo eu este livro?”, pergunta-se o pessoano ajudante de guarda-livros com dois livros à sua conta: o Razão dos assentos e o “livro casual e meditado” que é verdadeiramente o livro-que-há-de-vir, entendido por Blanchot em Mallarmé. “Porque escrevo eu este livro?” E responde Pessoa/Soares à sua própria pergunta: “Porque o reconheço imperfeito. Calado seria a perfeição; escrito, imperfeiçoa-se; por isso o escrevo”.
Terceira palavra: avesso . O título do livro, Inversos , é mais uma reinvenção linguística de ALA para dizer “poesia”. Não que, ao contrário de “imagias”, “Inversos ” seja palavra inexistente no léxico português. Como toda a gente sabe, “Inversos” quer dizer “postos ao contrário”, “de pernas para o ar”, “virados do avesso”. “Avesso”, em geral no sentido de “o outro lado de”, mas também de “contrário a”, é palavra que povoa a poesia de ALA desde o seu primeiro livro. Não há livro algum em que ela não apareça. É verdade que os muito citados versos de Luiza Neto Jorge (“Diferente me concebo e só do avesso / O formato mulher se me acomoda”) reverberam ainda em ALA. Mas na poesia de ALA o avesso ganha uma dimensão muito mais vasta do que a simples afirmação de diferença, autonomia e independência rebeldes. Percebe-se isto muito bem quando se conclui que o próprio avesso precisa também do seu avesso. E a poeta inventa então o desavesso. É a consciência de que a língua diz de mais e de menos ao mesmo tempo. “Desavesso” aparece pela primeira vez em Imagias , num poema intitulado “Outras verdades”, que é uma reescrita de um outro de Minha senhora de quê . Bem diz Ramos Rosa que ser poeta é ser leitor – ou leitora de si própria. Em “Outras verdades”, a poeta relê “A verdade histórica” e reescreve a história de uma tigela partida pela filha na cozinha: a fragilidade da vida, a beleza e o peso do doméstico, os dilemas da maternidade, a passagem do tempo e o instante não recuperável, o irremediável – eis temas centrais a toda a poesia de ALA. Acrescente-se a noção de avesso e do avesso do avesso, que é o desavesso, e temos uma poesia que anseia tudo abarcar, mas sabe que tal não é possível.
Quarta palavra: Inversos . E assim chego uma vez mais ao livro todo, múltiplo e abarcante, que não quer deixar nada de fora (como as muitas folhas múltiplas de gingo biloba na sua capa), como se tudo no mundo existisse mesmo para acabar num livro (como queria Mallarmé). Mas não. Inversos é Inversos em versos porque sabe bem que há muita coisa para além da poesia e para além do amor. Dois poemas de entre os Inéditos são particularmente eloquentes a este respeito: o cómico “Inês e Pedro: Quarenta anos depois” (636) e o muito solene “Escrito à régua”. O primeiro é uma paródia do avesso da tragédia do mais famoso par romântico da história de Portugal. Velhos, artríticos e desdentados agora, Pedro e Inês falam obliquamente do nosso Portugal moderno. O segundo, a encerrar o livro, aqui vos fica, com a caminhada da poeta, a fazer lembrar Adrienne Rich em “Terza Rima”, mas a prescindir de “guia modelar” e a alcançar o avesso do poema – “mandrágoras, dragões” – e daí a chegar, com exactidão, ao seu desavesso – “ligeiríssimo grito arrebatado, / uivante / sílaba”:
Maria Irene Ramalho (Colóquio-Letras,) n.º 177, Maio 2011, p. 191-199.
Comentando o convite enviado pela Dom Quixote para este lançamento, o qual anunciava solenemente, “apresenta a obra Maria Irene Ramalho”, a poeta Ana Luísa Amaral mostrou-se um pouco embaraçada. “Obra”, desabafava ela, “obra têm os grandes poetas, como Herberto Hélder; eu não tenho obra.” Ainda não, queria ela dizer. Enganava-se, claro. Inversos é obra, e de respeito. É claro que não custa imaginar, daqui a vinte anos, mais um título de Poesia reunida de ALA. Mas mesmo que se pudesse considerar prematuro este volume de Inversos , bem como a anterior colectânea abarcante, Poesia reunida (2005), a verdade é que a poeta se foi impondo pelo trabalho de artesania a que costuma sujeitar a subtil limpidez das suas palavras e das suas construções poéticas. Quando em 1925 apareceu uma edição dos Collected Poems da poeta americana H. D., tinha a poeta 39 anos, toda a gente pensou que estavam os carros a ser postos à frente dos bois, por aparecer demasiado cedo na vida da poeta essa publicação (Helen in Egypt, a epopeia da consciência moderna de H. D., só apareceria em 1960, um ano antes da morte da poeta). Mas outro grande poeta do modernismo americano, William Carlos Williams, não se coibiu de escrever uma recensão entusiástica dessa obra coligida por assim dizer antes do tempo. E Ezra Pound, esse poderoso árbitro da poesia modernista, deixou claro que, em seu entender, H. D. era a melhor poeta americana depois de Emily Dickinson. Queria ele dizer poetisa, evidentemente. A diferença sexual tinha, e continua a ter, muito peso.
ALA é uma poeta premiada e solicitada em todo o mundo. Em regra, porém, o jornalismo cultural da nossa praça não têm lidado muito bem com a sua poesia e a sua poética. Não gosta. Talvez porque não lhe entenda o rigor da gramática subversiva; nem lhe aprecie as imagens ousadas, se bem que aparentemente fáceis, a combinar o sério e o jocoso; nem se deixe seduzir pela sua poética da domesticidade, de tão largo alcance; nem lhe ouça a música da poesia de amor, em que ela é mestre. Se em Safo, Shakespeare, Donne ou Dickinson é fácil ler num poema de amor o mundo inteiro, por que não em ALA? “Rimas, manhã, e sem estreofonia” (498), poema de Entre dois rios e outras noites (2007), fala de poesia e de amor na modernidade, talvez a pensar em Hart Crane, que dizia que a poesia moderna tem de aclimatar a máquina. Mas a esses leitores de ALA tudo parece trivial, sem interesse, insignificante, impossível de ler duas vezes. Ora, como há muito dizia Geoffrey Hartman, o teste de qualquer obra está na suas sucessivas leituras.
Esta edição vem possibilitar um olhar de conjunto sobre toda a produção poética de ALA até à data. Excluindo Poesia reunida (2005), são onze títulos de outros tantos livros de versos, publicados isoladamente e muito bem recebidos pela crítica dita académica: evoco, sem preocupações de exaustividade, Arnaldo Saraiva, Rosa Maria Martelo, Osvaldo Manuel Silvestre, Paula Morão, Isabel Allegro de Magalhães e outros, entre os quais eu própria. Lembrar os títulos todos é dar uma ideia das preocupações de ALA: o seu conhecimento da chamada tradição; as suas lealdades a alguns poetas, temas e formas; as suas problematizações da língua, da tradição e da cultura. Vou seleccionar arbitrariamente, admitindo que os temas se entrelaçam, ao mesmo tempo que muita coisa fica de fora: Minha senhora de quê (1990) e o estatuto da mulher poeta; Coisas de partir (1993) e a reinvenção do erotismo; Epopeias (1994) e a tradição virada do avesso; E muitos os caminhos (1995) e a história da forma poética; Às vezes o paraíso (1998) e revisitados os mitos de terras sem povo para povos sem terra; Imagens (2000) e o labirinto recriado a partir de Creta e retomado de E muitos os caminhos; Imagias (2002) e anjos caídos de amores desencontrados; A arte de ser tigre (2003) e o primeiro esboço de inversos da vida e da poesia; A génese do amor (2005) e a revisitação erótico-poética de Petrarca, Camões, Dante e suas mulheres; Entre dois rios e outras noites (2007) e a poética e a política do lugar; Se fosse um intervalo (2009) e a prosa dos seus versos. Esta pessoana formulação ocorre logo a propósito de A arte de ser tigre, nas epígrafes inventadas do não menos inventado Aldo Mathias, criatura com data e tudo (1939), que sabe falar eloquentemente do mistério de viver, amar e poemar que é essa misteriosa arte de ser tigre: “Dizem haver amores para lá dos sentires contidos pelo tempo”, começa a primeira epígrafe, a combinar poeira cósmica, etimologia e metamorfose. A fechar a secção das artes e a inaugurar uma secção já designada “Inversos”, o arguto Mathias volta a encontrar as palavras exactas para falar do tempo e do outro lado da vida e da escrita em ALA. É aos inversos que povoam esta secção de A arte de ser tigre que a poeta vai mais tarde buscar este título geral para os seus vinte anos de poesia.
Podia calar-me aqui e convidar-vos a ir ler esta poesia sedutora do nada dizer de John Cage (“Não tenho nada a dizer e estou a dizer isso mesmo e isso é que é a poesia”). Poesia lírica que, em seu nada dizer, interrompe a nossa pacata existência de acomodação e conformismo vários, e por isso mesmo perturba. Que impacto deixamos que tenham em nós, por exemplo, as imagens poderosas de a “Arte primeira” de A arte de ser tigre (415)?
Arte primeira
Do ponto mais recôndito
da mente,
um tigre salta em direcção
à luz:
para depois retroceder
o gesto,
estacado membro
e som
Fere-lhe o vento
uma flecha de azul,
um recanto onde o tempo
mais se apega,
até iluminar toda a
clareira
e sobressaltar
tudo
Do ponto mais recôndito
da mente,
um tigre salta em direcção
à luz:
para depois retroceder
o gesto,
estacado membro
e som
Fere-lhe o vento
uma flecha de azul,
um recanto onde o tempo
mais se apega,
até iluminar toda a
clareira
e sobressaltar
tudo
Faltou dizer nesta quase descrição prévia que esta bela edição da Dom Quixote inclui uma dedicatória (já incluída cinco anos antes em Poesia reunida ): “Vinte anos volvidos, a Maria Irene Ramalho – as palavras que não chegam”. Tenho de confessar que me comove profundamente este livro dedicado à minha pessoa, mais de vinte anos depois de eu ter descoberto a jovem poeta na minha então orientanda no âmbito das literaturas e culturas de expressão inglesa. Comove-me sobretudo pelos termos da sua dedicatória. Para me prestar homenagem, uma poeta, que é uma verdadeira maga das palavras, deposita nas minhas mãos uma obra – quase incompleta, diria Alberto Pimenta – porque as palavras lhe não chegam para mim. Ora, de vinte anos de poesia reunida neste último livro de Ana Luísa Amaral chegam-me palavras em versos – palavras e versos Inversos . É destas e doutras palavras que ainda quero falar hoje aqui um pouco. Vou, no entanto, ser muito económica. Não me servirei do abecedário de Rosa Martelo, a que entretanto acrescentei muitas palavras. Vou ficar-me por quatro palavras apenas, uma delas nem sequer é de ALA.
Primeira palavra: gingo biloba. Esta não é uma palavra de ALA. É uma antiga apropriação minha. A capa deste último livro de ALA levou-me de imediato ao Jardim Botânico de Coimbra, onde nos mandava Paulo Quintela a propósito da leitura do célebre poema de Goethe, intitulado justamente “Gingo Biloba”. No Jardim Botânico existem dois belos exemplares da árvore Ginkgo biloba . Originária da China e aí considerada sagrada, a gingo biloba chegou à Europa no século XVIII e tem sido uma inspiração para artistas e poetas através dos tempos, no Ocidente como antes no Oriente. Foi uma folha curiosa e intrigante de uma árvore exótica que excitou a imaginação de Goethe, uma folha em forma de coração e de nervuras paralelas, a sugerir o um em dois ou o dois em um, o um e o dois ambos multifacetados. O poema, incluído no “Divã ocidental-oriental”, foi em 1815 enviado por Goethe, juntamente com duas folhas de gingo biloba, a Marianne von Willemer, uma das suas amadas e autora anónima de muitos dos poemas desta obra de Goethe. O que imediatamente remete para as cumplicidades poético-eróticas que toda a poesia lírica encerra, e em que ALA é mestre. Vale a pena lembrar aqui o poema alemão na tradução de Paulo Quintela:
Gingo Biloba
A folha desta árvore que de Leste
Ao meu jardim se veio afeiçoar,
Dá-nos o gosto de um sentido oculto
Capaz de um sábio edificar.
Será um ser vivo apenas
Em si mesmo em dois partido?
Serão dois que se elegeram
E nós julgamos num unidos?
Pra responder às perguntas
Tenho o sentido real:
Não vês por meus cantos como
Sou uno e duplo, afinal?
A folha desta árvore que de Leste
Ao meu jardim se veio afeiçoar,
Dá-nos o gosto de um sentido oculto
Capaz de um sábio edificar.
Será um ser vivo apenas
Em si mesmo em dois partido?
Serão dois que se elegeram
E nós julgamos num unidos?
Pra responder às perguntas
Tenho o sentido real:
Não vês por meus cantos como
Sou uno e duplo, afinal?
O poema e a sua história sugerem claramente um sentido erótico-simbólico muito complexo para esta folha da gingo biloba, cujo recorte fica menos acentuado nos climas do Sul, mas revelando mesmo assim a sua forma de coração e as suas muitas nervuras. A folha simboliza no poema o amor e a vida de que é feita a poesia lírica. Poesia, amor e corpo-de-ser estão intimamente ligados, como num poema de E muitos os caminhos (1995), “Catalisadores do brilho” (204), em que o símbolo eleito pela poeta (que não é, evidentemente, a gingo biloba, mas a romântica lua) não é separável nem do verso nem do amor. A poesia escreve-se no corpo, como vemos logo em divertido poema de Epopeias (1994), “Inocentíssimos plágios” (173), cujo tom jocoso sublinha ainda mais a seriedade da relação entre eros e a escrita. “E eu que queria escrever / sobre o teu corpo”, dizem os dois primeiros versos do poema, logo seguidos de um parêntesis: “(sobretudo a seguir / a poema inglês)”. O poema inglês, neste em que ALA constrói e desconstrói o amor e a poesia, remete para toda a lírica amorosa ocidental, aqui representada pela magnífica XIX Elegia de John Donne, “To His Mistress Going to Bed”, um belíssimo hino à descoberta deslumbrada do corpo da amada, América e Terra Nova, nas mãos sôfregas do poeta.
Na poesia de ALA, as palavras são escritas e lidas no corpo. Mais bem dito, as palavras são cultivadas no corpo. Cultivar a palavra é, de resto, projecto explícito de ALA desde a primeira hora. Evoco “Discreta arte” (29), um perfeito soneto não rimado de Minha senhora de quê (1990), o primeiro livro de versos de ALA, que diz assim:
Discretamente. Cultivar a palavra.
Arte de dispor flores por longa mesa,
prazer de dispor quadros por paredes
em critério de escolha pessoal
Discretamente: aqui uma pequena
haste a lembrar o sol, ali a folha
resolvendo o lugar, o espaço certo
(ligeiro afastamento necessário
para o conjunto articulado em cores).
O quadro mais azul naquele sítio,
o mais cinzento e largo a distrair-se
sobre a nudez de uma parede clara.
Discretamente. E a palavra nascida
De tela (ou terra) resolvida. Agora.
Arte de dispor flores por longa mesa,
prazer de dispor quadros por paredes
em critério de escolha pessoal
Discretamente: aqui uma pequena
haste a lembrar o sol, ali a folha
resolvendo o lugar, o espaço certo
(ligeiro afastamento necessário
para o conjunto articulado em cores).
O quadro mais azul naquele sítio,
o mais cinzento e largo a distrair-se
sobre a nudez de uma parede clara.
Discretamente. E a palavra nascida
De tela (ou terra) resolvida. Agora.
Releio este poema a entrelaçar planta e palavra com o volume de Inversos na mão e a folha da gingo biloba que delicadamente lhe povoa a capa ganha estatuto de escrita, renascida da terra ou da tela como palavra de se dizer. A folha-palavra persegue-me como à poeta perseguia essa outra, em outro poema de Minha senhora de quê , intitulado “Espionagens verbais” (35). Com piscadela de olho àquele em que Emily Dickinson se debate com a escolha da palavra certa (J1126), o poema de ALA, que começa “Anda desde manhã uma palavra / a perseguir-me”, impõem-se como um poema de vocação. Protestando não ter “alta patente nem estatuto”, a poeta sabe bem que a tal palavra não desiste de a perseguir precisamente por virtude do seu irrecusável ser-poeta. O motivo repete-se, de forma diferente, em outro poema de vocação incluído em Coisas de partir (1993). “Entre as duas e as três” (93), em que a poeta, mergulhada na angústia da dificuldade da escrita, se anuncia finalmente em palavras prontas (“prontas as palavras”, assegura o poema). Wallace Stevens dizia que embora a poesia possa acontecer, melhor é que seja coisa feita . Em ALA como em Emily Dickinson, a poesia acontece, porque é lucidamente feita nas palavras do corpo, por palavras, contra palavras, palavra a palavra. Em “Epopeias de luz” (187), de Epopeias , o terceiro livro de ALA, 1994), um poema muito mais complexo do que aqui o faço agora, o processo é claro: atirar a palavra ao chão e deixá-la navegar e resvalar pelos lençóis, sem perigo de se seduzir.
Disse atrás que gingo biloba não é uma palavra de Ana Luísa Amaral. Mas podia ser. Uma daquelas palavras de poeta (“só de mim”, diz ela em “Mais que onomatopaica”, de Coisas de partir [119]), mas que sendo só dela pudesse ser entendida “pela demais gente”. Por isso, aqui lha ofereço eu, palavra a rimar com folha. A folha grácil de associações eróticas e artísticas a atapetar-lhe a capa do livro inteiro é o símbolo perfeito da poesia. Quase perfeito.
Segunda palavra: perfeição.
Em “Biografia (Curtíssima)” (635), um poema incluído na última parte deste livro, que é a parte dos inéditos, a poeta regressa, nostálgica, aos seus primeiros versos (como eu de certo modo fiz em cima, a sugerir o antes e o depois da própria poesia):
Ah, quando eu escrevia
de beijos que não tinha
e cebolas em quase perfeição!
Os beijos que eu não tinha
subentendidos, debaixo
das cebolas
(mas hoje penso
que se não fossem
os beijos que eu não tinha,
não havia poema)
Depois, quando os já tinha,
de vez em quando
cumpria uma cebola:
pérola rara, diamante
em sangue e riso, desentendido de razão
Agora, sem contar:
beijo ou cebolas?
O que eu não tenho
(ou tudo): diário
Surdo e cego:
vestidos por tirar,
camadas por cumprir:
e mais:
imperfeição
de beijos que não tinha
e cebolas em quase perfeição!
Os beijos que eu não tinha
subentendidos, debaixo
das cebolas
(mas hoje penso
que se não fossem
os beijos que eu não tinha,
não havia poema)
Depois, quando os já tinha,
de vez em quando
cumpria uma cebola:
pérola rara, diamante
em sangue e riso, desentendido de razão
Agora, sem contar:
beijo ou cebolas?
O que eu não tenho
(ou tudo): diário
Surdo e cego:
vestidos por tirar,
camadas por cumprir:
e mais:
imperfeição
A cebola é uma imagem poderosa em ALA. É uma perfeição macia de várias camadas de ser que se desdobram e acabam por resultar no seu oposto. Primeiro, a cebola aparece na poesia de ALA como uma imagem de deliberada domesticidade e da possibilidade do sentido. Se, por exemplo, começa por ser ingrediente indispensável na culinária tipicamente portuguesa – “cebola, azeite / blues desconcertantes, metamorfoses em / refogados rítmicos” (44) – logo, mesmo aqui, ganha um dimensão simbólica nas suas muitas camadas, que apontam para a perfeição, mas a não realizam. Como em “Diferenças (ou os pequenos brilhos)” (310), de Às vezes o paraíso . Este poema é uma espécie de testamento da poeta, misto de culinária, erotismo e arte da escrita. Imagem modesta, que no entanto ganha dimensão cósmica de eleição: o que ficará será como um livro, será anel interstelar, “como cebola à espera de um luar / que outros olhos não vêem”. No poema inédito que comecei por citar neste meu trecho sobre a perfeição, resulta claro que a cebola é simultaneamente uma sumptuosa imagem de perfeição (a maciez redonda das suas camadas de vestuário) e uma imagem de imperfeição, nas mesmas camadas que deixam de ter objectivo. Não disse Stevens que o imperfeito é o paraíso dos poetas? Fernando Pessoa, na pessoa de Bernardo Soares, escreveu também que a escrita poética é a imperfeição, e isso é que é lindo: “Por que escrevo eu este livro?”, pergunta-se o pessoano ajudante de guarda-livros com dois livros à sua conta: o Razão dos assentos e o “livro casual e meditado” que é verdadeiramente o livro-que-há-de-vir, entendido por Blanchot em Mallarmé. “Porque escrevo eu este livro?” E responde Pessoa/Soares à sua própria pergunta: “Porque o reconheço imperfeito. Calado seria a perfeição; escrito, imperfeiçoa-se; por isso o escrevo”.
Terceira palavra: avesso . O título do livro, Inversos , é mais uma reinvenção linguística de ALA para dizer “poesia”. Não que, ao contrário de “imagias”, “Inversos ” seja palavra inexistente no léxico português. Como toda a gente sabe, “Inversos” quer dizer “postos ao contrário”, “de pernas para o ar”, “virados do avesso”. “Avesso”, em geral no sentido de “o outro lado de”, mas também de “contrário a”, é palavra que povoa a poesia de ALA desde o seu primeiro livro. Não há livro algum em que ela não apareça. É verdade que os muito citados versos de Luiza Neto Jorge (“Diferente me concebo e só do avesso / O formato mulher se me acomoda”) reverberam ainda em ALA. Mas na poesia de ALA o avesso ganha uma dimensão muito mais vasta do que a simples afirmação de diferença, autonomia e independência rebeldes. Percebe-se isto muito bem quando se conclui que o próprio avesso precisa também do seu avesso. E a poeta inventa então o desavesso. É a consciência de que a língua diz de mais e de menos ao mesmo tempo. “Desavesso” aparece pela primeira vez em Imagias , num poema intitulado “Outras verdades”, que é uma reescrita de um outro de Minha senhora de quê . Bem diz Ramos Rosa que ser poeta é ser leitor – ou leitora de si própria. Em “Outras verdades”, a poeta relê “A verdade histórica” e reescreve a história de uma tigela partida pela filha na cozinha: a fragilidade da vida, a beleza e o peso do doméstico, os dilemas da maternidade, a passagem do tempo e o instante não recuperável, o irremediável – eis temas centrais a toda a poesia de ALA. Acrescente-se a noção de avesso e do avesso do avesso, que é o desavesso, e temos uma poesia que anseia tudo abarcar, mas sabe que tal não é possível.
Quarta palavra: Inversos . E assim chego uma vez mais ao livro todo, múltiplo e abarcante, que não quer deixar nada de fora (como as muitas folhas múltiplas de gingo biloba na sua capa), como se tudo no mundo existisse mesmo para acabar num livro (como queria Mallarmé). Mas não. Inversos é Inversos em versos porque sabe bem que há muita coisa para além da poesia e para além do amor. Dois poemas de entre os Inéditos são particularmente eloquentes a este respeito: o cómico “Inês e Pedro: Quarenta anos depois” (636) e o muito solene “Escrito à régua”. O primeiro é uma paródia do avesso da tragédia do mais famoso par romântico da história de Portugal. Velhos, artríticos e desdentados agora, Pedro e Inês falam obliquamente do nosso Portugal moderno. O segundo, a encerrar o livro, aqui vos fica, com a caminhada da poeta, a fazer lembrar Adrienne Rich em “Terza Rima”, mas a prescindir de “guia modelar” e a alcançar o avesso do poema – “mandrágoras, dragões” – e daí a chegar, com exactidão, ao seu desavesso – “ligeiríssimo grito arrebatado, / uivante / sílaba”:
Ancorar o sentir
em instrumento certo e
objectivo:
um quilómetro agora de palavra,
depois a solidão enumerada,
e em frente:
o quase abismo
Sem guia modelar,
Subir a pulso os mil degraus do verso,
E não voltar
Atrás:
Pela última vez,
medir periferia do olhar:
quarenta mil centímetros,
o mesmo que dizer
quarenta metros
de uma escala exacta
No fim,
lançar a régua contra o vento,
lançá-la em direcção
à nuvem mais distante
E ter aos pés
coisas que tinha antes:
mandrágoras, dragões,
ligeiríssimo grifo arrebatado,
uivante
sílaba –
em instrumento certo e
objectivo:
um quilómetro agora de palavra,
depois a solidão enumerada,
e em frente:
o quase abismo
Sem guia modelar,
Subir a pulso os mil degraus do verso,
E não voltar
Atrás:
Pela última vez,
medir periferia do olhar:
quarenta mil centímetros,
o mesmo que dizer
quarenta metros
de uma escala exacta
No fim,
lançar a régua contra o vento,
lançá-la em direcção
à nuvem mais distante
E ter aos pés
coisas que tinha antes:
mandrágoras, dragões,
ligeiríssimo grifo arrebatado,
uivante
sílaba –
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