Um Dia Da Caça, Outro Do Caçador
Conto para a seção Fantásticos, por Snake Eye's (Rebis K)*.
*O texto em questão é baseado no universo Harry Potter da escritora J. K. Howling.
**legenda: [[ ...diálogo em russo... ]]
***Notas para feitições, golpes e traduções estão no final do texto
***Notas para feitições, golpes e traduções estão no final do texto
"Numa investida rápida, como um felino que agarra sua presa pela jugular, Nicolai dá um mata-leão no rapaz, que tenta em vão livrar seu pescoço do braço forte de seu predador."
A noite estava fria e úmida. Era início de Inverno. Com o ar gelado, vapores saídos de bueiros e lampiões formavam nuvens de umidade cristalizada. Um grupo de três indivíduos de mantos negros e encapuzados avançava para um pequeno prédio de aspecto paupérrimo. Os três avançavam rapidamente, rindo e proferindo ameaças em altos brados. Uma forma indefinida pelas sombras, onde se ocultava, os seguia aguçadamente, como um predador que espreita a sua vítima.
Um gato alaranjado e de tamanho desproporcional passa correndo desesperado pelos três, derrubando latões de lixo e assustando os sujeitos que tentavam disfarçar o nervosismo com risadas e palavras grosseiras.
Os três comensais, ainda jovens estudantes, estavam temerosos devido à inexperiência. Estavam os três indo para seu primeiro ataque aos trouxas. O mais alto que estava entre os outros dois, quase caiu de costas pelo susto com a bagunça feita pelo gato, despertando o escárnio dos companheiros. Estavam tão entretidos com a própria ladainha que não perceberam o gato tomar a forma humana bem diante deles, na penumbra do hall de entrada do prédio.
[[ —Boa Noite, senhores... ]]
Os três pararam de rir ao ouvirem a voz macia a lhes falar algo que não entenderam, mirando para o rapaz que saía das sombras, portando um sorriso frio no rosto e os braços cruzados sob as mangas do manto negro que trajava.
—Ah! É Donskoi, o almofadinha russo! O que faz aqui, maluco? Você não foi designado pra essa missão.
—Oras, companheiros.. estava entediado e não encontrei nada melhor para fazer num sábado à noite. – Falou Nicolai, com um forte sotaque.
—Eeeeh! É isso aê! Até que você não é tão mané assim! Vamos detonar uns sangues-ruins, então!
—... e currar umas vagabundas trouxas, claro! Pra isso pelo menos elas servem!
Os três começaram a rir novamente. Nicolai estava com uma expressão de puro ódio no rosto. Sorrateiramente, puxa da manga esquerda sua varinha, apontando para os três comensais.
— Pomer ni za khuy sobachy! Padlo! ... AVADA KEDAVRA!
Os filetes de raios verdes que saíram da varinha de Nicolai acertaram em cheio no peito do mais alto dos comensais, que caiu estatelado e já sem vida aos pés dos outros dois, que olhavam atônitos.
Quando deram-se conta do que acabava de acontecer, viraram-se furiosos para Nicolai, com as varinhas em punho. O animago desaparata antes que a maldição lançada por ambos o atingisse.
Nicolai aparata às costas dos dois rapazes, que já demonstravam sinais de desespero. Sem pestanejar difere um segundo golpe.
— DIFFENDO!
Um raio branco como relâmpago sai da varinha de Nicolai e acertou diagonalmente no comensal à esquerda. Seu corpo foi partido como se um fio afiado de espada o tivesse atravessado do ombro até o quadril. Ainda estava vivo quando partes de seu corpo se despencaram até o chão. O último comensal olhou apavorado do companheiro em pedaços no chão para Nicolai, que mantinha-se centrado e com uma expressão de satisfação no rosto.
Muito trêmulo, o rapaz aponta a varinha para o outro e, quase em prantos, defere a maldição imperdoável contra ele:
—aa-avada keda-avra...
Nicolai mantinha os braços cruzados olhando cinicamente para o rapaz. Soltou uma calorosa risada que fez o pobre comensal se encolher diante da falha de sua magia.
—Seu tolo! Você sequer conseguiria me causar cócegas! Você está completamente transtornado...
—Mi-mise-seável! Por-por que f-fez isso? T-tra-trai-dor!
—Ah, isso não, coelhinho! Jamais fui leal, logo não sou um traidor! ... Accio varinha!
A varinha do comensal voa de sua mão para a mão de Nicolai, que ainda mantém o sorriso afetado no rosto.
—Vá embora, coelhinho! Fuja pra bem longe daqui!
Aos tropeços, o garoto sai correndo em desespero, escorregando em poças de lama e voltando a correr novamente, tentando inutilmente salvar sua vida. Nicolai o observa calmamente, dando um tempo de vantagem para sua presa tentar escapar. Caçar era um jogo divertido.
O garoto, já bastante longe de onde seus companheiros foram mortos, estatela-se no chão com o susto da aparição repentina de Nicolai, que aparatou diante dele, formando um vácuo de ar a sua volta que brandou com força seu manto e seus cabelos, varrendo o chão entorno.
—Por Merlim! Como és estúpido! Sequer consegues aparatar, pobre infeliz? – Dizia sério Nicolai, os braços cruzados diante do peito, olhando de queixo erguido o comensal caído e enlameado aos seus pés.
—MALDITO! – O rapaz, numa súbita bravura, ergue-se do chão e avança em punhos fechados contra Nicolai, que se desvia calmamente com apenas um passo para o lado.
—Oh! Um puro-sangue agindo como um bárbaro trouxa? Interessante...
—CANALHA! COVARDE! Vem pro pau no mano a mano, vem! Quero ver se você é alguma coisa sem magia! – Instigava o comensal de expressão ensandecida.
—Você pode sair machucado, coelhinho... – Desdenhava Nicolai.
—FILHODAPUTA! – O garoto avançou novamente contra Nicolai, que aparou o soco com o braço, acertando nele um contragolpe certeiro.
O comensal cambaleou para trás, segurando a mandíbula que se deslocou com o soco de Nicolai, que sequer deu-lhe tempo de entender exatamente o que acontecera. Numa investida rápida, como um felino que agarra sua presa pela jugular, Nicolai dá um mata-leão no rapaz, que tenta em vão livrar seu pescoço do braço forte de seu predador.
[[ —Todos vocês vão pagar pela desonra da minha família!]]
Com um movimento rápido e forte de sua mão direita, Nicolai gira violentamente a cabeça do comensal, quebrando-lhe o pescoço. Afrouxa o braço que estrangulava o rapaz, que cai já sem vida aos seus pés como se fosse um boneco feito de trapos.
Nicolai sai calmamente do local, passando por cima do corpo inerte e sem vida caído na lama. Numa rapidez surpreendente, sua forma humana desmancha-se novamente na forma de um grande gato persa. Perto de alguns entulhos escorados na parede de um prédio velho, um par de pequeninos olhos negros o observava muito atentamente, escondido nas pequenas brechas do lixo.
***
Um sujeito gordo e de feição idiota desperta num sobressalto, levando uma mão que parecia ser metálica a testa, enxugando ali o suor que pingava em seu rosto. Levanta-se da poltrona velha e poeirenta em que dormia, pegando sobre outra poltrona um exemplar do jornal Diário que trazia na capa a reportagem sobre o 'Sábado Trágico na Cidadela'.
—Que estranho sonhar com um passado tão distante... nem sequer me lembrava mais disso! Seria esse mago do 'sábado trágico' o russo Donskoi? Ele teria conseguido sobreviver por tanto tempo assim e ainda ter vencido a maldição do Lorde? Se for, ele é realmente muito bom! Seria interessante que o Lorde soubesse disso... Nicolai Donskoi, o fedelho traidor que havia desafiado o Mestre...
***
Depois de quase um dia inteiro de viagem, finalmente Nicolai e o Diretor, escoltados pelos quatro agentes, chegam ao prédio do Ministério. Por motivo de segurança, Nicolai só pode desembarcar do carro blindado contra magia, que fora buscá-los na plataforma de trem, dentro das dependências do Ministério, no local que era destinado ao tráfego de criminosos que iriam a julgamento.
Nicolai saiu cabisbaixo do carro. Ainda sentia-se miserável. Seus ombros pareciam pesar cada vez mais a cada minuto que passava. Se o mal-estar não fosse tão intenso, pensaria que estava sonhando, de tão surreal que lhe parecia a situação. Num minúsculo espaço de tempo tantas coisas aconteceram simultaneamente, que culminaram em ele estar ali, agora, preste a ser julgado e condenado pelo Ministério da Justiça.
O Diretor, vendo a apatia de Nicolai, passa-lhe o braço pelos ombros do garoto, tentando transmitir-lhe conforto e confiança. Este, então, apenas lhe dirige um olhar triste e tenta retribuir o gesto com o esboço de um sorriso igualmente triste.
—Muito obrigado por tudo, mais uma vez, Professor... mas acho que dessa vez eu não escapo.
—Você é pessimista demais, meu jovem. Há muito mais coisas ao seu favor do que contra. Deixe essa apatia de lado e comece desde já a planejar o que fará quando você sair daqui do Ministério com sua ficha totalmente limpa!
—E o senhor é otimista demais...
—Sou realista... e a realidade me parece muito promissora.
A conversa de ambos foi interrompida pela intromissão brusca do mais velho dos quatro agentes, que agarrava com força o braço do rapaz e o conduzia até a seção de custódia do Ministério. O Diretor foi ao encalço para se certificar em que acomodações Nicolai seria deixado.
Após tomarem o elevador e descerem alguns metros no subsolo, chegaram a um longo corredor repleto de celas cujas barras das grades cintilavam como se fossem néon. Uma das celas estava aberta e Nicolai foi conduzido até ela.
—Estique os braços. – Falou secamente o agente para Nicolai, que obedeceu a muito contragosto.
— Finite Incantatem al-ligama. – as algemas desapareceram no mesmo instante em que o agente profere o contra-feitiço e toca grosseiramente sua varinha nas algemas que prendiam os pulsos de Nicolai.
O garoto massageou seus pulsos marcados pelas algemas. O Diretor checava todo o quarto, avaliando o local.
—Você, RÉU, permanecerá neste quarto até o momento de seu julgamento. Enquanto isso lerá os seus direitos e obrigações que está no pergaminho sobre a mesa. E deverá vestir-se com o uniforme que está disposto sobre a cama. E para o seu próprio bem, é melhor que seja um bom hospede, garoto.. não precisamos de julgamentos para punir querelados. – Falava o agente em tom de insolência.
Nicolai apenas o olhava de forma desagradável, sem pronunciar qualquer chiado. Estava extremamente exausto para se importar até mesmo com humilhações. Tudo que queria é que todos sumissem o mais rápido possível dali para que ele pudesse ficar a sós com seus pensamentos.
—Bem, se o senhor já terminou com a intimidação contra meu aluno, gostaria que me fizesse a gentileza de me levar até a Secretaria de Segurança. Gostaria de saber mais detalhes sobre o processo contra Nicolai.
—Certamente, senhor. – O agente respondia em tom atravessado.
O Diretor se aproximou de Nicolai,levando sua mão ao ombro do rapaz que mirava exaustivamente o chão, apenas levantando o olhar para encarar o velho mago.
—Você estará de volta à Escola antes mesmo de se cansar da decoração monótona dessa cela, meu jovem. Não se preocupe, tudo dará certo, eu garanto.
[[—Está certo, Professor. Agradeço-te a intenção...]] – Nicolai respondeu muito desanimadamente.
O mago apenas respondeu com dois tapinhas no ombro do rapaz. Via que estava exausto e que aquela apatia só desapareceria após um bom descanso, que esperava que o garoto tivesse. Como um pessimista que Nicolai era, só veria luz no fim do túnel quando os fatos se mostrassem favoráveis para si através de ações e não das palavras de consolo e esperança.
O Diretor se retirou da cela, seguido do agente, que apontou a varinha para a porta e murmurou um feitiço que fez surgirem ali as barras de néon trancando a passagem. Nicolai apenas observava por sobre o ombro, muito desanimadamente. O agente ainda lhe dirigiu um sorriso afetado antes de se retirar.
—Não é da sua conta saber disso mas, uma vez fechada, esta cela se torna impermeável contra magia. Logo, caríssimo réu, nenhum ato desesperado adiantará de nada. Economize energia para o tribunal.
— Idi na khuy! Styervo! – Resmungou Nicolai, virando seu rosto, esnobando o agente.
Quando todos se retiraram, Nicolai jogou-se na cama, levando as mãos aos olhos, esfregando-os com vigor, levando as mãos em seguida à cabeça e enterrando seus dedos nos fios finos e claros de seu cabelo. Solta um suspiro de enfado e mira o nada no teto.
Amanhã fará uma semana que tudo aconteceu. Há apenas dois dias despertou novamente para a vida... aconteceram tantas coisas em tão pouco tempo que era até mesmo difícil assimilar e raciocinar direito.
E apenas ELA lhe dava a devida força para enfrentar tudo isso. E a essa altura ela devia estar lhe odiando... mas isso não importava. Mesmo que ELA o odiasse, isso não apagaria dela o fato de quão pessoa maravilhosa era e que, mesmo sem ter a mínima idéia, tanto lhe ensinou sobre a importância das coisas mais simples, o quanto lhe ensinou a respeitar aqueles que estão abaixo dele.
Riu baixo e tristemente. Riu da ironia que o destino lhe pregou. O mesmo amor que lhe libertou estava prestes a lhe fazer novamente prisioneiro. Um amor que jamais conceberia nem em sonhos na sua antiga vida.
[[—...Pavel Nicolai Donskoi.. descendente de reis e príncipes.. neto do grande senhor das terras de Lentz... último varão da dinastia Donskoi... hoje capaz de entregar sua própria via por uma sangue-ruim... inacreditável!]] – Sussurrou para si mesmo, ainda sorrindo tristemente para o teto.
[[—...mas você vale isso e muito mais, Hermione... só desejo, ao menos, que algum dia possamos parar e conversar, como simples amigos... pelo menos...]]
Tradução
Pomer ni za khuy sobachy! Padlo = Morreu em vão! Cadáver!
Idi na khuy! Styervo! = Vá pro Inferno! Porco!
Feitiços
Avada Kedavra: Feitiço Imperdoável: Faz com que o oponente morra instantaneamente.
Diffendo: Rasga objetos ou os abre com violência.
Accio: Convoca objetos.
Golpe
mata-leão: golpe de estrangulamento de defesa pessoal (krav magah).
¹Rebis K por quatro anos escreveu fanfics do universo Harry Potter. De 2009 para cá, porém, passou a se dedicar às suas próprias criações. Já publicou em diversas antologias. É a autora de Asas Negras e da Série Raptores.
Email da autora:
my.nation.undergorund@gmail.com
Blogs da autora:
http://rebiskramrisch.blogspot.com
http://covadecobra.blogspot.com
http://alternativosindependentes.blogspot.com
http://snakeeyesbr.blogspot.com
Encantador, amei o trabalho, preserva a maestria com que Rowling vai revelando seus segredos, pouco a pouco, sempre substituindo-os por outros mistérios. E daí o texto vai lentamente ganhando uma complexidade bem arquitetada.
ResponderExcluirAdorei.
Poxa, obrigado, Velton!
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