Férias em Maceió PARTE 1: A viagem
Crônica, por Mariana Collares.
O que era pra ser tranqüilo – o vôo de 4 horas até Maceió, com escala em Recife – acabou por ser, se não a experiência mais aterrorizante da minha vida, a mais emblemática. Porque Maceió, pra mim, significa descanso, férias dos pensamentos, da vida agitada. Um embalo da alma pelo mar verde-esmeralda de águas quentinhas, banhado por um sol eterno, num eterno calor com brisa. Mas começou com o pé esquerdo, e o que era pra durar quatro horas, acabou durando seis ou mais. E isso por sorte.
Ok, explico. Pegamos o vôo da TAM em Porto Alegre (digo nós, passageiros, porque eu viajo sozinha) às 21 horas e 50 minutos e havia algo no ar. Não sei bem o que era, mas eu não estava tranqüila. Certo, não sou tão tranqüila assim em aviões. Viajo mas viajo com, digamos, apreensão da alma. Vou na boa, sem fazer escândalo, até pra não assustar ninguém mais, mas gostaria mesmo é de ser tele-transportada pra não ter que tirar os pés da terra. Normalmente me dopo e durmo um bom sono com dramin (meu amigo das horas intranqüilas). Mas nessa viagem não. Não tinha o remédio, não quis comprar e não tomei. Entrei de cara no avião, mala e cuia, e me sentei na nada-confortável e apertada poltroninha número 24A, junto à janela, jurando que, talvez, de tanto voar por aí, meu psicológico tenha finalmente encarado a coisa como algo normal para um ser sem asas como eu.
Duas horas de vôo e eu tentando dormir um soninho, em meio aos tremeliques do troço que, ora vai ora vinha, me deixavam um tanto mais apreensiva do que o usual. E foi então que o comandante resolveu pôr meu coração à prova: estávamos com uma fissura no vidro dianteiro da aeronave que, segundo afirmava ele, não comprometia a segurança do avião, mas teríamos que pousar subitamente no Rio de Janeiro. Uma fissura no vidro do avião para qualquer imbecil em engenharia aeronáutica já significa muita coisa. E muita coisa ruim, diga-se. Num avião em pleno ar, tanto mais. E como eu sabia muito bem disto, a coisa começou a ficar dramática pra mim.
Todos os duzentos passageiros começaram então um burburinho, uns tentando se mostrar excessivamente calmos, outros rindo do fato inóspito de haver um vidro quebrado num avião em pleno vôo.
Crianças começaram a chorar e a perguntar para o pai e a mãe o que era uma fissura no vidro da cabine de comando. Meus vizinhos de poltrona passaram a tecer muitas considerações sobre a normalidade deste tipo de coisa e eu, óbvio, me agarrei na almofadinha de viagem e comecei a rezar.
O pior é que todo mundo espelhava calma e eu era a única louca-varrida (adulta) que parecia suar frio (será que só eu tenho medo de cair, heim?). Mas ainda assim permaneci muda, quieta, absoluta, e fechei os olhos para que os anjos me encontrassem descansada.
A aterrissagem demorou. E muito. Os intermináveis 25 minutos até o Galeão foram os mais terríveis dos últimos tempos. Eu ouvia todos os sons do avião e ficava a todo tempo olhando para o rosto impassível das aeromoças, à espera da desgraça iminente.
Mentalizei todas as aulas de física que lembro ter tido para verificar se seria possível aterrissar aquele monstro a 900 quilômetros por hora, com um vidro dianteiro estilhaçado, sem comprometer a pressurização da cabine e o ar mais do que necessário aos pilotos responsáveis pela nossa integridade física (porque a emocional já tinha ido pras cucuias...).
Descemos, com a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas não sem muitas manobras à moda montanha russa, e o povo irrompeu em aplausos que evidenciaram o que era absolutamente lógico e esperado: a constatação de que estavam todos apavorados.
Foi um momento bom, porque não me senti tão só. Humana sim, como todos os demais, amém. Mas não acabou. Ficamos ainda uma hora presos dentro do avião, para que um monte de técnicos com lanterninhas inspecionasse o troço e dissesse o óbvio: teríamos que trocar de aeronave (se não trocassem eu juro – voltava a pé pra casa).
Alguns tiraram fotos do vidro, do avião e eu me atrevi a dar um tchauzinho, na esperança de aparecer no Jornal Nacional.
E não me conformei. Fui até a cabine, sem pedir nada pra ninguém, porque eu queria ver com estes olhinhos que a terra há de comer um dia, muito, muito distante de hoje, o tamanho do estrago e se era só isso ou ainda havia mais. E então verifiquei que fissura é uma palavra realmente limitada para definir a situação do vidro. O vidro estava em pedaços, estilhaçado, era uma enorme aranha de cristal a se espalhar por todo o lado direito da cabine e sobrava intacta somente a camada de dentro, e sabe-se lá por quanto tempo ia resistir.
Sorte, vontade divina, eu sei lá. Só sei que um draminzinho vai ser pouco para os próximos vôos, porque pretendo me instalar na poltroninha horrorosa e entrar em coma cerebral até o aeroporto-destino.
Enquanto não inventarem o tele-transporte ou a praia virtual, vai ser isto. Ou, ao menos, enquanto não me convencerem de que aquela historinha pra boi dormir de que avião só perde em segurança pra elevador é realmente verdade.
Vai saber... só sei que eu quase morri de medo. Já nem sei dizer se os tremeliques eram do avião ou se era eu...
Ok, explico. Pegamos o vôo da TAM em Porto Alegre (digo nós, passageiros, porque eu viajo sozinha) às 21 horas e 50 minutos e havia algo no ar. Não sei bem o que era, mas eu não estava tranqüila. Certo, não sou tão tranqüila assim em aviões. Viajo mas viajo com, digamos, apreensão da alma. Vou na boa, sem fazer escândalo, até pra não assustar ninguém mais, mas gostaria mesmo é de ser tele-transportada pra não ter que tirar os pés da terra. Normalmente me dopo e durmo um bom sono com dramin (meu amigo das horas intranqüilas). Mas nessa viagem não. Não tinha o remédio, não quis comprar e não tomei. Entrei de cara no avião, mala e cuia, e me sentei na nada-confortável e apertada poltroninha número 24A, junto à janela, jurando que, talvez, de tanto voar por aí, meu psicológico tenha finalmente encarado a coisa como algo normal para um ser sem asas como eu.
Duas horas de vôo e eu tentando dormir um soninho, em meio aos tremeliques do troço que, ora vai ora vinha, me deixavam um tanto mais apreensiva do que o usual. E foi então que o comandante resolveu pôr meu coração à prova: estávamos com uma fissura no vidro dianteiro da aeronave que, segundo afirmava ele, não comprometia a segurança do avião, mas teríamos que pousar subitamente no Rio de Janeiro. Uma fissura no vidro do avião para qualquer imbecil em engenharia aeronáutica já significa muita coisa. E muita coisa ruim, diga-se. Num avião em pleno ar, tanto mais. E como eu sabia muito bem disto, a coisa começou a ficar dramática pra mim.
Todos os duzentos passageiros começaram então um burburinho, uns tentando se mostrar excessivamente calmos, outros rindo do fato inóspito de haver um vidro quebrado num avião em pleno vôo.
Crianças começaram a chorar e a perguntar para o pai e a mãe o que era uma fissura no vidro da cabine de comando. Meus vizinhos de poltrona passaram a tecer muitas considerações sobre a normalidade deste tipo de coisa e eu, óbvio, me agarrei na almofadinha de viagem e comecei a rezar.
O pior é que todo mundo espelhava calma e eu era a única louca-varrida (adulta) que parecia suar frio (será que só eu tenho medo de cair, heim?). Mas ainda assim permaneci muda, quieta, absoluta, e fechei os olhos para que os anjos me encontrassem descansada.
A aterrissagem demorou. E muito. Os intermináveis 25 minutos até o Galeão foram os mais terríveis dos últimos tempos. Eu ouvia todos os sons do avião e ficava a todo tempo olhando para o rosto impassível das aeromoças, à espera da desgraça iminente.
Mentalizei todas as aulas de física que lembro ter tido para verificar se seria possível aterrissar aquele monstro a 900 quilômetros por hora, com um vidro dianteiro estilhaçado, sem comprometer a pressurização da cabine e o ar mais do que necessário aos pilotos responsáveis pela nossa integridade física (porque a emocional já tinha ido pras cucuias...).
Descemos, com a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas não sem muitas manobras à moda montanha russa, e o povo irrompeu em aplausos que evidenciaram o que era absolutamente lógico e esperado: a constatação de que estavam todos apavorados.
Foi um momento bom, porque não me senti tão só. Humana sim, como todos os demais, amém. Mas não acabou. Ficamos ainda uma hora presos dentro do avião, para que um monte de técnicos com lanterninhas inspecionasse o troço e dissesse o óbvio: teríamos que trocar de aeronave (se não trocassem eu juro – voltava a pé pra casa).
Alguns tiraram fotos do vidro, do avião e eu me atrevi a dar um tchauzinho, na esperança de aparecer no Jornal Nacional.
E não me conformei. Fui até a cabine, sem pedir nada pra ninguém, porque eu queria ver com estes olhinhos que a terra há de comer um dia, muito, muito distante de hoje, o tamanho do estrago e se era só isso ou ainda havia mais. E então verifiquei que fissura é uma palavra realmente limitada para definir a situação do vidro. O vidro estava em pedaços, estilhaçado, era uma enorme aranha de cristal a se espalhar por todo o lado direito da cabine e sobrava intacta somente a camada de dentro, e sabe-se lá por quanto tempo ia resistir.
Sorte, vontade divina, eu sei lá. Só sei que um draminzinho vai ser pouco para os próximos vôos, porque pretendo me instalar na poltroninha horrorosa e entrar em coma cerebral até o aeroporto-destino.
Enquanto não inventarem o tele-transporte ou a praia virtual, vai ser isto. Ou, ao menos, enquanto não me convencerem de que aquela historinha pra boi dormir de que avião só perde em segurança pra elevador é realmente verdade.
Vai saber... só sei que eu quase morri de medo. Já nem sei dizer se os tremeliques eram do avião ou se era eu...
***
(Texto extraído do livro DEVANEIOS LITERÁRIOS, de Mariana Collares, Ed. Bookess, 2010, disponível em http://www.bookess.com/read/5947-devaneios-literarios/).
Blog pessoal: Devaneios Literarios
Facebook: Mariana Collares
Twitter:@marianacronista
Para ler mais crônicas da autora, clique aqui
Créditos da imagem:
Amanhecendo no avião..., por Luis Cesar Duarte Prinzo
Nenhum comentário