I Concurso Literário Benfazeja

Notinhas do Fórum Social Mundial



Crônica, por Mariana Collares.



- Por favor, eu quero um chimarrão.

O garçom levantou o sobrolho e fitou atentamente o freguês.



- Como, senhor?
- Um chimarrão amargo, por favor.
- Senhor, não servimos chimarrão.
- Como? Não tem chimarrão neste estabelecimento?
- Não senhor, e acredito que em nenhum estabelecimento da cidade.
- Mas como assim? Não estamos em Porto Alegre, a capital dos gaúchos, terra do chimarrão?
- Sim, senhor, mas não servimos aqui. Desculpe. Quer algo mais?
- Não, eu vim de longe para tomar um chimarrão e quero um. Você poderia me arranjar, não?

O garçom olhou ao redor, visivelmente consternado. Dirigiu-se ao máitre que, já de longe, observava a cena. Voltou num segundo, com um sorriso amarelo.

- Senhor, podemos lhe sugerir um chá-mate gelado?
- Não. Quero um chimarrão. Sabe... quente, amargo, verde. Me diga, amigo, se eu pedir uma feijoada você serve?
- Sim, senhor.
- E uma caipirinha ?
- Sim, senhor, com cachaça ou vodka .
- Mas chimarrão não?
- Infelizmente não, senhor, não temos como satisfazê-lo.
- E por que não? Onde as pessoas tomam chimarrão por aqui? O que um turista tem de fazer se quiser tomar um chimarrão em Porto Alegre?
-Senhor, nenhum restaurante serve chimarrão. Não temos cuias e erva-mate e... essas coisas de chimarrão. Além do mais, as pessoas tomam em casa, nos parques, entre amigos, não em restaurantes.
- Olha aqui, eu sou de fora, não tenho amigos aqui, aliás, é a primeira vez que venho. Não tenho nada para fazer um chimarrão, não entendo de cuias e erva-mate e não pretendo voltar para a minha terra sem tomar um. Por favor, faça algo e me ajude...

O máitre já andava ao redor da mesa. Um casal de italianos olhava, perplexo, sem entender muito bem qual era o alvoroço na mesa do lado. A delegação cubana parou de conversar. O garçom suava frio.

- Então?
- Então o quê, senhor?
- Vai me ajudar ou não?
-Senhor, não temos chimarrão. O senhor não compreende a minha língua?
-Compreendo perfeitamente, sou brasileiro. Mas na minha terra quando um turista pede algo típico, nós atendemos, prontamente.
- Não temos como lhe arranjar um chimarrão, senhor...
- Não entendo isso dos gaúchos. Se eu for ao Rio e não puder tomar um chopp gelado em Copacabana é como se não tivesse ido ao Rio. Jamais pensei em visitar a Bahia e não comer acarajé. Como vocês querem estimular o turismo por aqui deste jeito?
- Não sei senhor, não sou o Secretário do Turismo. Só sei que não servimos chimarrão aqui.
- Posso ajudar sir?
- Quem é esse gringo?
- Ele é o máitre , senhor, é da Inglaterra.
- Então diz a ele que eu quero um chimarrão.
- Nãum temos chimarron sir, i’m sorry!
- Deixe-me ver se entendi: vocês têm um máitre que mal fala português e este é um restaurante em Porto Alegre que não serve chimarrão... não sei mais o que vim fazer aqui. Ok. Me traga uma taça de café preto.

O garçom engasgou.

-Não temos, senhor, só refrigerante, cerveja ou destilados.

O freguês parou. Ficou um minuto quieto, olhando fixamente o garçom.

-Você quer me dizer que estamos no Brasil e não tem café?



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(Texto extraído do livro DEVANEIOS LITERÁRIOS, 1ª Edição, Ed. Bookess, 2010, disponível em http://www.bookess.com/read/5947-devaneios-literarios/)








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Créditos da imagem:
CHIMARRÃO!, por Magdala Brasil

2 comentários:

  1. Quer dizer que, se eu for a Porto Alegre, não poderei experimentar o chimarrão em um restaurante? rsrsrs. Adorei seu texto, Mariana. Muito bem engendrado, linguagel impecável! Adorei mesmo. Beijos

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  2. Pior, Carol... Mas sempre haverá um pra ti lá em casa! :))

    E obrigada!

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