Sexo e amor
Conto, por Valentina Silva Ferreira
Ela olhou duas vezes para o bocado de papel e confirmou a morada. Estava atrasada dez minutos e isso poderia traduzir-se no fim do que ainda nem começara. Ele fora bem explícito. 20h, nem um minuto a mais, nem um minuto a menos. Encontrou a rua e depois a porta.
Apertou o casaco ao corpo e entrou. Lá dentro cheirava a madeira velha e as escadas rangiam à medida que os passos avançavam no escuro. O coração bombardeava um sangue quente e louco. Chegou ao quarto, inspirou fundo e bateu. Não demorou para que abrisse, como se a esperasse atrás da porta. Estás atrasada. Eu sei, desculpa. Do nada, num contraste súbito entre a aspereza da voz e o golpe do seu abraço morno, encostou-a a si. Beijou-a sem avisos. Uma anestesia contra o frio do inverno, contra o desconhecido daquela cidade que a recebia pela primeira vez. Ela conhecera-o nesse mesmo dia e ele deixara bem claro que seria das poucas pessoas dispostas a ajudá-la. Não fora simpático, nem encantador. O sorriso não aparecera e os olhos, duros e penetrantes, não aqueciam. No entanto, ela soube que com aquele homem seria capaz de ir até ao inferno. Esperei tanto por ti. Ainda bem que apareci, então. E os beijos tornaram-se ferozes, como se travassem uma luta corporal. Era impossível saber que braço era o dele, que braço era o dela. Tinham o mesmo tom de pele, a mesma ausência de pêlos. Os cabelos navegavam por ambos os corpos, não havia o dele e o dela. As mãos atravessavam costas e barrigas. Conheciam-se, saboreavam-se, como se o amanhã pudesse não existir e era importante descobrir tudo. No ar, o cheiro a sexo, a saliva, a suor. Na cama, lençóis que se iam desfazendo. No chão, o soutien, a saia e a blusa. O casaco ficara à porta. Ela ainda envergava as cuecas e, por cima, umas meias quase transparentes. Ele não tinha nada. És linda. Tu também não estás nada mal. O amor surgia assim. Sem a primeira simpatia, sem o primeiro sorriso. O amor começava no sexo. Começava, permaneceria e, provavelmente, acabaria no sexo. As meias foram rasgadas, as cuecas caíram sobre o resto da roupa e ela gemeu, ele gemeu, o quarto deixou-se ficar quieto, a lua baixou o brilho, dando a intimidade que eles precisavam e os orgasmos vieram minutos, horas, dias, anos, décadas depois.
*
Sobe a autora:
Nascida a 17 de Dezembro de 1988 no Funchal, Ilha da Madeira. Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, está matriculada no Mestrado em Direito Penal. Terá, em breve, duas antologias de contos publicadas em que participa, juntamente com outros autores: Cursed City (Editora Estronho) e Lugares Distantes (Editora Infinitum Littera). É colaboradora da revista on-line Magazon.
Apertou o casaco ao corpo e entrou. Lá dentro cheirava a madeira velha e as escadas rangiam à medida que os passos avançavam no escuro. O coração bombardeava um sangue quente e louco. Chegou ao quarto, inspirou fundo e bateu. Não demorou para que abrisse, como se a esperasse atrás da porta. Estás atrasada. Eu sei, desculpa. Do nada, num contraste súbito entre a aspereza da voz e o golpe do seu abraço morno, encostou-a a si. Beijou-a sem avisos. Uma anestesia contra o frio do inverno, contra o desconhecido daquela cidade que a recebia pela primeira vez. Ela conhecera-o nesse mesmo dia e ele deixara bem claro que seria das poucas pessoas dispostas a ajudá-la. Não fora simpático, nem encantador. O sorriso não aparecera e os olhos, duros e penetrantes, não aqueciam. No entanto, ela soube que com aquele homem seria capaz de ir até ao inferno. Esperei tanto por ti. Ainda bem que apareci, então. E os beijos tornaram-se ferozes, como se travassem uma luta corporal. Era impossível saber que braço era o dele, que braço era o dela. Tinham o mesmo tom de pele, a mesma ausência de pêlos. Os cabelos navegavam por ambos os corpos, não havia o dele e o dela. As mãos atravessavam costas e barrigas. Conheciam-se, saboreavam-se, como se o amanhã pudesse não existir e era importante descobrir tudo. No ar, o cheiro a sexo, a saliva, a suor. Na cama, lençóis que se iam desfazendo. No chão, o soutien, a saia e a blusa. O casaco ficara à porta. Ela ainda envergava as cuecas e, por cima, umas meias quase transparentes. Ele não tinha nada. És linda. Tu também não estás nada mal. O amor surgia assim. Sem a primeira simpatia, sem o primeiro sorriso. O amor começava no sexo. Começava, permaneceria e, provavelmente, acabaria no sexo. As meias foram rasgadas, as cuecas caíram sobre o resto da roupa e ela gemeu, ele gemeu, o quarto deixou-se ficar quieto, a lua baixou o brilho, dando a intimidade que eles precisavam e os orgasmos vieram minutos, horas, dias, anos, décadas depois.
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Sobe a autora:
Nascida a 17 de Dezembro de 1988 no Funchal, Ilha da Madeira. Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, está matriculada no Mestrado em Direito Penal. Terá, em breve, duas antologias de contos publicadas em que participa, juntamente com outros autores: Cursed City (Editora Estronho) e Lugares Distantes (Editora Infinitum Littera). É colaboradora da revista on-line Magazon.
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Créditos da imagem:
no chão. (in the ground), por Aline
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