Carta
Devaneios, por Mariana Collares.
Bento, noite de 06 de dezembro de 2004.
Tanto tempo passou...
Tanto tempo passou...
...e eu aqui. Ainda. Atormentada. Com os dias passando os dias. Uns projetos me fazem sentir viva. Uns sonhos sucedem outros que não deram certo. Dias há em que as esperanças somem. Tudo vazio. Aí a carta de um amigo me faz crer ser possível sonhar mais. Hoje tenho mais espaços que dores. Me resignei a viver comigo. Sou o público de meu espetáculo. Choro e rio com a mesma facilidade. Ainda ouso cantar só. Ainda escrevo às noites. Ainda leio Pessoa e me encanto. Ainda faço graça pra quem me ama. Hoje me visto para o espelho. E uso cremes porque os dias me roubam. Hoje tenho cabelos brancos. E evito estar só sem música. Hoje tenho discos a mais. Livros a mais. Roupas a mais. E mais nada. Hoje tenho a saúde de saber mais e pouco me importar com isto. Há uma sacada e nenhuma rede na sacada. As plantas não vieram ainda. Sei mais de pintura que outrora e me sinto impressionista. Tudo são cores e manchas. A tua não seca. A tua não some. A tua me escapa. A tua mancha. Hoje a cidade é rica e preconceituosa. Não há mais a liberdade do anonimato. E almejo chegar ao topo para me ver livre disto. De estar entre estes que aqui estão. Passando e passando e nada mais. Hoje quero restar. Em algum lugar, para alguém lembrar. Hoje quero a perpetuidade e a grande sabedoria de fazer filhos para o mundo. E colocar neles um pouco de cada coisa linda que vi e ouvi. E ensiná-los a gostar mais e melhor. E a chorar quando doer e quando não doer. E afagar seus sonhos e temores. E ver a chuva cair lá fora, e tão longe de nós. Hoje nada há de mais intenso que eu mesma. E minha paixão é intacta. Porque algo tem de ser. E eu a escolho. Hoje danço com intensidade de alma. Com nobreza de espírito. E amo melhor. E o melhor de mim é isto. Escrever sem pensar e viver sem pensar e não pensar para viver. Um dia bastarei ao mundo. E ele terá de mim uma lápide e toda a minha saudade. Porque vivi tão longamente, e tanto quanto pude e nada mais fiz que não tivesse tudo de mim. Alta e nua estarei porque irei me desfazer das amarras e de todas as culpas. Para me entregar à lua e aos sonhos alheios.
Por que lá vivem os anjos.
Por que lá vivem os anjos.
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Créditos da imagem: Olhares.com
escrevo..., por Marta Alexandra Ribeiro
Adorei, Mariana!
ResponderExcluirOlá Valentina! Fico feliz! :)
ResponderExcluirSuper beijo!
A literatura é um santo remédio para a vida.
ResponderExcluirRemédio: tornar mais suportável ou aceitável; atenuar, minorar (Houaiss)
É, amigo Well... Bem isso...
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