Dez anos
Conto, por Valentina Silva Ferreira
- Vou perder o avião - sussurrou, desconcentrada pelas mãos dele.
Estavam casados há dez anos. Há dez anos que se descobriam, que se aventuravam em uma nova busca de prazer, que desvendavam diferentes pontos do corpo. Há dez anos que consumavam um amor que muitos julgavam inexistente ou desaparecido ou esgotado. Dez anos. É muito tempo para um calor permanecer tão ardente. Contudo, ali estavam eles. Ela preparava-se para uma viagem de negócios e ele, como de todas as vezes, arrastava o tempo da despedida, permitindo-se a saborear um pouco mais da mulher que era sua há tanto tempo. Tanto tempo para nós porque para ele sabia a pouco. Queria mais dez, vinte, trinta anos. Queria e precisava. Para amá-la com a sabedoria que os anos conferem aos homens. Para acompanhá-la de forma mais presente. Até ali, atrevera-se a amá-la gulosamente como se no amanhã ela pudesse evaporar-se.
- Ajudas-me com o fecho? - pediu ela. Escorregou um vestido básico preto pelo corpo acima.
Não, não poderia ajudá-la. Queria-a agora, mesmo que com isso o avião fosse embora. Aproximou-se demasiado depressa, demasiado óbvio. Calma. A partir de hoje queria amá-la com calma. Respirou fundo e recolheu os cabelos dela, desnudando o pescoço. Era evidente que ela também queria. Conhecia aquela fêmea de dentro para fora. Soprou os cabelos soltos e ela endireitou-se. Um sinal de perigo. Aproximou a boca à orelha dela e disse, o mais devagar que conseguiu, que não a deixaria ir embora. Ela soltou uma gargalhada. De facto não acreditava que o marido fosse capaz de fazê-la perder o voo. Ele rodou-a sobre si com uma força que não doía, que não assustava. Uma força quase meiga, quase divina. Ela desfaleceu. Ele nunca a tomara assim nos braços. Beijaram-se como se da primeira vez se tratasse. Caíram na cama, sobre os lençóis novos. Ele observou-a como se não a conhecesse, como se a tivesse agarrado na primeira esquina e levado para casa. Céus, que delícia. Queria amá-la com calma, com a tranquilidade que a idade supostamente deveria trazer. Mas não conseguia. Aquela mulher, aquela sua mulher de há dez anos, era demasiado febril para ser domada com calma. Despiu-se. Ela bebeu-o com o olhar. E ele deitou-se. Sem calma, sem paciência, sem sabedoria. Que se lixassem essas coisas. Queria fazê-la sua de cada vez que a tivesse no corpo. E isso não era com calma, nem paciência nem sabedoria. Isso viria com a morte. De ali em diante, amá-la-ia como sempre o fizera. Sofregamente. Desesperadamente. Deleitosamente.
Estavam casados há dez anos. Há dez anos que se descobriam, que se aventuravam em uma nova busca de prazer, que desvendavam diferentes pontos do corpo. Há dez anos que consumavam um amor que muitos julgavam inexistente ou desaparecido ou esgotado. Dez anos. É muito tempo para um calor permanecer tão ardente. Contudo, ali estavam eles. Ela preparava-se para uma viagem de negócios e ele, como de todas as vezes, arrastava o tempo da despedida, permitindo-se a saborear um pouco mais da mulher que era sua há tanto tempo. Tanto tempo para nós porque para ele sabia a pouco. Queria mais dez, vinte, trinta anos. Queria e precisava. Para amá-la com a sabedoria que os anos conferem aos homens. Para acompanhá-la de forma mais presente. Até ali, atrevera-se a amá-la gulosamente como se no amanhã ela pudesse evaporar-se.
- Ajudas-me com o fecho? - pediu ela. Escorregou um vestido básico preto pelo corpo acima.
Não, não poderia ajudá-la. Queria-a agora, mesmo que com isso o avião fosse embora. Aproximou-se demasiado depressa, demasiado óbvio. Calma. A partir de hoje queria amá-la com calma. Respirou fundo e recolheu os cabelos dela, desnudando o pescoço. Era evidente que ela também queria. Conhecia aquela fêmea de dentro para fora. Soprou os cabelos soltos e ela endireitou-se. Um sinal de perigo. Aproximou a boca à orelha dela e disse, o mais devagar que conseguiu, que não a deixaria ir embora. Ela soltou uma gargalhada. De facto não acreditava que o marido fosse capaz de fazê-la perder o voo. Ele rodou-a sobre si com uma força que não doía, que não assustava. Uma força quase meiga, quase divina. Ela desfaleceu. Ele nunca a tomara assim nos braços. Beijaram-se como se da primeira vez se tratasse. Caíram na cama, sobre os lençóis novos. Ele observou-a como se não a conhecesse, como se a tivesse agarrado na primeira esquina e levado para casa. Céus, que delícia. Queria amá-la com calma, com a tranquilidade que a idade supostamente deveria trazer. Mas não conseguia. Aquela mulher, aquela sua mulher de há dez anos, era demasiado febril para ser domada com calma. Despiu-se. Ela bebeu-o com o olhar. E ele deitou-se. Sem calma, sem paciência, sem sabedoria. Que se lixassem essas coisas. Queria fazê-la sua de cada vez que a tivesse no corpo. E isso não era com calma, nem paciência nem sabedoria. Isso viria com a morte. De ali em diante, amá-la-ia como sempre o fizera. Sofregamente. Desesperadamente. Deleitosamente.
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Créditos da imagem:
em cama de luz, por Sónia Cristina Carvalho
Dez anos não são para um grande amor.Uma cumplicidade que se renova todos os dias faz-nos sentir como se estivéssemos começanco tudo de novo a cada vez. Belo conto, Valentina. Abraços. Paz e bem.
ResponderExcluirGostei, Valentina.
ResponderExcluirÀs vezes a vida pede atos tresloucados. E mesmo em uma cidade na qual já se esteve muitas vezes, sempre se pode descobrir um ponto turístico ainda não visitado.
Tenha um ótimo final de semana!
A equipe que escreve junto, é aplaudida junto tb. Clap, clap, clap! Gostei deste espaço, Cacá, parabéns a todos. Abrços.
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