Sete, quatro, três
Conto, por Gil Rosza.
É uma dor intensa que não deixa abrir os olhos direito, permite apenas sentir a claridade e o forte calor fazendo o suor escorrer pela testa. O barulho de instrumentos metálicos e o vulto de pessoas andando de um lado para o outro, me fazem pensar no setor de emergência de algum hospital público. O mais estranho é não sentir o resto do corpo, tentar esfregar os olhos e não sentir as mãos. Talvez uma grave lesão cervical depois de um acidente, um tiro talvez, depois de um assalto.
A dor no rosto está aumentando e aos poucos começo a me lembrar de algumas coisas. Era um domingo logo após o almoço quando sai para comprar cigarros. Eu descia à pé pela Consolação e um cara veio em minha direção fumando com tanto gosto que não pude resistir a pedir-lhe um cigarro. Não sei dizer se eu o conhecia, provavelmente não. Ele me deu o cigarro, mas parecia assustado, até pediu para que eu saísse logo de perto dele. assim que partiu apressado, chegaram outros dois caras e gritaram _Mãos na parede! Abre bem as pernas! O tapa na cara e o cigarro caindo longe. Só não me lembro muito bem da cara deles, apenas que vestiam paletós de tergal e sapatos bem engraxados. Um deles tinha um rayban com lente verde e o outro tinha o cabelo lambuzado de Brill Creame repartido do lado. As algemas machucando o pulso e a cabeça batendo ao ser empurrado dentro da Rural Willys sem placas.
Entre as muitas perguntas que eu não tinha resposta, nomes como CPC, Marighella, Molipo, "aparelho". Quando isso parou, o que ficou no lugar foi o calor escuro e quieto.
Agora que a dor nos olhos está diminuindo, começo perceber melhor o lugar, a movimentação intensa dos homens de branco. Um deles se aproxima e vira minha cabeça de um lado para o outro. Sinto um aroma agradável de algo refogado em azeite e alho. Outro homem de branco se aproxima e coloca minha cabeça numa posição que me permitiu ser tomado por uma lucidez mórbida diante do pouco tempo que soube naquele instante que já não tinha. Tempo insuficiente para desfiar perguntas, para lamentar ou ter medo, mas tempo bastante para saber que tão logo a lâmina do sous chef divida minha cabeça em dois pedaços, o que ainda me resta, finalmente retornará ao escuro profundo silencioso, onde eu residia em paz antes de ter sido dado à luz.
À Raulzito, in memoriam.
*
Imagem
Fotocolagem: Belkemigi
A dor no rosto está aumentando e aos poucos começo a me lembrar de algumas coisas. Era um domingo logo após o almoço quando sai para comprar cigarros. Eu descia à pé pela Consolação e um cara veio em minha direção fumando com tanto gosto que não pude resistir a pedir-lhe um cigarro. Não sei dizer se eu o conhecia, provavelmente não. Ele me deu o cigarro, mas parecia assustado, até pediu para que eu saísse logo de perto dele. assim que partiu apressado, chegaram outros dois caras e gritaram _Mãos na parede! Abre bem as pernas! O tapa na cara e o cigarro caindo longe. Só não me lembro muito bem da cara deles, apenas que vestiam paletós de tergal e sapatos bem engraxados. Um deles tinha um rayban com lente verde e o outro tinha o cabelo lambuzado de Brill Creame repartido do lado. As algemas machucando o pulso e a cabeça batendo ao ser empurrado dentro da Rural Willys sem placas.
Entre as muitas perguntas que eu não tinha resposta, nomes como CPC, Marighella, Molipo, "aparelho". Quando isso parou, o que ficou no lugar foi o calor escuro e quieto.
Agora que a dor nos olhos está diminuindo, começo perceber melhor o lugar, a movimentação intensa dos homens de branco. Um deles se aproxima e vira minha cabeça de um lado para o outro. Sinto um aroma agradável de algo refogado em azeite e alho. Outro homem de branco se aproxima e coloca minha cabeça numa posição que me permitiu ser tomado por uma lucidez mórbida diante do pouco tempo que soube naquele instante que já não tinha. Tempo insuficiente para desfiar perguntas, para lamentar ou ter medo, mas tempo bastante para saber que tão logo a lâmina do sous chef divida minha cabeça em dois pedaços, o que ainda me resta, finalmente retornará ao escuro profundo silencioso, onde eu residia em paz antes de ter sido dado à luz.
À Raulzito, in memoriam.
*
Imagem
Fotocolagem: Belkemigi
Nenhum comentário