O timing
Crônica, por Mariana Collares.
O que dizer do tempo? As coisas têm um timing. Os atos têm um momento certo para ocorrer. E quando passa, aquilo que ficou não se amolda mais. Não se cola. Eu sei, estou evasiva... Vou explicar o que quero dizer com isso.
Ultimamente tenho me dado de cara com uma determinada situação bem conhecida de muitos de nós.
Na verdade, 99% dos meus amigos contam, muitas vezes às gargalhadas, outras com pesar, que depois de tempos e tempos de suplício e choro por alguém que quis ir embora (um namorado, marido, esposa, caso, rolo, como queiram...), depois que o tempo passou e a vida se ajeitou, e os espaços se completaram, e aquele vazio absurdo que toma conta do nosso corpo, do queixo ao baixo-ventre, se une novamente, muitas vezes depois de anos mesmo, volta à tona o ex-ser-amado (quisto, desejado...) dizendo querer reatar a relação.
Muitas vezes, a procura é tão interessante que, com ela, vem seguidamente uma declaração bombástica ao estilo de “eu sempre te amei” ou “eu nunca te esqueci” – o que é pior. Não, talvez isso nem seja pior. Talvez pior seja a constatação de que o encosto resolveu se desenterrar dos mortos pra dizer que tudo aquilo pelo qual a gente quase morreu pra ouvir, sempre esteve vívido dentro dele(a). Isso sim é ironia. Ou sarcasmo. Puro sarcasmo. Porque muitas vezes tudo o que quisemos por tanto e tanto tempo era que a figura voltasse logo, loguinho mesmo à partida, para dizer exatamente isso. Só que nunca veio.
E se você acha que não pode haver nada pior, eu digo que ainda pode. Normalmente isso acontece depois que muito, muito, muito tempo se passou. Tanto tempo, que você tem que revirar as agendas velhas (se por sorte você ainda as tiver) pra lembrar o numero do telefone da pessoa e não atender o celular quando ela ligar. Porque as figuras, além de desenterradas, resolvem como que por milagre virar o oposto daquela indiferença dos primeiros tempos: colam na gente. E de um jeito deveras insistente.
Alguns perdem o senso do ridículo e passam a nos perseguir em todos os lugares pra tentar, talvez, nos fazer entender (????) o quanto elas se importam conosco. O quanto nos amam e só agora é que percebem isso.
Legal. Aí você chega a ficar com raiva mesmo da criatura, porque na verdade você se dá conta de que ela/ele está de novo pensando em si mesmo (e na própria felicidade), não na sua. A sua ela jogou fora no dia em que disse que não lhe amava e se foi.
O lado bom disso tudo, pelo menos, é que depois de tanto tempo a situação passa rapidamente para o ridículo e rende umas longas cervejadas regadas a risos. Porque depois que passa (e passa...), a gente consegue rir daquilo que nos fez sofrer um dia.
O tempo se foi. O timing passou. O momento certo em que a pessoa poderia ter voltado e te atropelado com beijos de “me perdoe” soou há muito. E não voltou. E então tudo o mais que ela fizer depois disso é exagerado, fora de contexto, fora de sincronia.
E no amor, amigos, há que se ter sincronia. Sincronia de desejos, ou de sentimentos, ou mesmo de confusões amorosas. Porque o amor requer reciprocidade. Não é a estrada de um só.
O platonismo que me perdoe, mas amor bom, amor que interessa, é aquele que começa num olhar e termina no outro. É aquele em que duas respirações se unem no mesmo sufoco, em que os anseios se irmanam no mesmo gosto do voltar a ser.
Por isso o amor tem um timing. Não antes, não depois.
E aquele que não se deu conta em tempo do amor que tinha, perdeu o bonde. Porque o outro já se foi, já se restabeleceu, já varou dias e noites de experiências, já amadureceu e se distanciou daquele que ficou parado num tempo passado, num momento em que deveria ter dito e não disse, num minuto em que poderia ter pensado e não pensou.
Sincronia é a palavra. Às vezes ela está lá, mas um dos dois não percebe. Não sabe se ouvir. Não sabe se medir.
E então o tempo passa. O inexorável tempo que passa e nos leva consigo. A nós e a todos os momentos em que dissemos e que não dissemos. Que fizemos e que não fizemos.
O desamor não é um pecado. Pecado é amar e perder a oportunidade de dizer isto.
***
Texto extraído do livro DEVANEIOS LITERÁRIOS, Crônicas, de Mariana Collares, Ed. Bookess, 2010.
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Créditos da imagem: Site olharees - fotografia online
Murchando, por Armanda.
Ultimamente tenho me dado de cara com uma determinada situação bem conhecida de muitos de nós.
Na verdade, 99% dos meus amigos contam, muitas vezes às gargalhadas, outras com pesar, que depois de tempos e tempos de suplício e choro por alguém que quis ir embora (um namorado, marido, esposa, caso, rolo, como queiram...), depois que o tempo passou e a vida se ajeitou, e os espaços se completaram, e aquele vazio absurdo que toma conta do nosso corpo, do queixo ao baixo-ventre, se une novamente, muitas vezes depois de anos mesmo, volta à tona o ex-ser-amado (quisto, desejado...) dizendo querer reatar a relação.
Muitas vezes, a procura é tão interessante que, com ela, vem seguidamente uma declaração bombástica ao estilo de “eu sempre te amei” ou “eu nunca te esqueci” – o que é pior. Não, talvez isso nem seja pior. Talvez pior seja a constatação de que o encosto resolveu se desenterrar dos mortos pra dizer que tudo aquilo pelo qual a gente quase morreu pra ouvir, sempre esteve vívido dentro dele(a). Isso sim é ironia. Ou sarcasmo. Puro sarcasmo. Porque muitas vezes tudo o que quisemos por tanto e tanto tempo era que a figura voltasse logo, loguinho mesmo à partida, para dizer exatamente isso. Só que nunca veio.
E se você acha que não pode haver nada pior, eu digo que ainda pode. Normalmente isso acontece depois que muito, muito, muito tempo se passou. Tanto tempo, que você tem que revirar as agendas velhas (se por sorte você ainda as tiver) pra lembrar o numero do telefone da pessoa e não atender o celular quando ela ligar. Porque as figuras, além de desenterradas, resolvem como que por milagre virar o oposto daquela indiferença dos primeiros tempos: colam na gente. E de um jeito deveras insistente.
Alguns perdem o senso do ridículo e passam a nos perseguir em todos os lugares pra tentar, talvez, nos fazer entender (????) o quanto elas se importam conosco. O quanto nos amam e só agora é que percebem isso.
Legal. Aí você chega a ficar com raiva mesmo da criatura, porque na verdade você se dá conta de que ela/ele está de novo pensando em si mesmo (e na própria felicidade), não na sua. A sua ela jogou fora no dia em que disse que não lhe amava e se foi.
O lado bom disso tudo, pelo menos, é que depois de tanto tempo a situação passa rapidamente para o ridículo e rende umas longas cervejadas regadas a risos. Porque depois que passa (e passa...), a gente consegue rir daquilo que nos fez sofrer um dia.
O tempo se foi. O timing passou. O momento certo em que a pessoa poderia ter voltado e te atropelado com beijos de “me perdoe” soou há muito. E não voltou. E então tudo o mais que ela fizer depois disso é exagerado, fora de contexto, fora de sincronia.
E no amor, amigos, há que se ter sincronia. Sincronia de desejos, ou de sentimentos, ou mesmo de confusões amorosas. Porque o amor requer reciprocidade. Não é a estrada de um só.
O platonismo que me perdoe, mas amor bom, amor que interessa, é aquele que começa num olhar e termina no outro. É aquele em que duas respirações se unem no mesmo sufoco, em que os anseios se irmanam no mesmo gosto do voltar a ser.
Por isso o amor tem um timing. Não antes, não depois.
E aquele que não se deu conta em tempo do amor que tinha, perdeu o bonde. Porque o outro já se foi, já se restabeleceu, já varou dias e noites de experiências, já amadureceu e se distanciou daquele que ficou parado num tempo passado, num momento em que deveria ter dito e não disse, num minuto em que poderia ter pensado e não pensou.
Sincronia é a palavra. Às vezes ela está lá, mas um dos dois não percebe. Não sabe se ouvir. Não sabe se medir.
E então o tempo passa. O inexorável tempo que passa e nos leva consigo. A nós e a todos os momentos em que dissemos e que não dissemos. Que fizemos e que não fizemos.
O desamor não é um pecado. Pecado é amar e perder a oportunidade de dizer isto.
***
Texto extraído do livro DEVANEIOS LITERÁRIOS, Crônicas, de Mariana Collares, Ed. Bookess, 2010.
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Créditos da imagem: Site olharees - fotografia online
Murchando, por Armanda.
Muito bom, Mariana. Eu casei-me três vezes. Nas duas anteriores tive estas recaídas acreditando em tudo que foi dito (re-dito). Foram amargas experiências, sangramento de velhas feridas já quase cicatrizadas. Tem mesmo o tempo certo de o amor acontecer. Meu abraço. Paz e bem.
ResponderExcluirObrigada Cacá. Acho que todos já vivemos algo assim. Sempre um prazer ler teus comentários. Abraços!
ResponderExcluirExcelente texto Mariana, muito sábio tbm. A vida é uma marcha adiante a evolução, o amor é uma marcha em dupla. Quando um deles fica para trás o outro deve seguir em frente. Quem perde é o que fica, pq o outro evoluiu. Lindo texto! Bjs!
ResponderExcluirObrigada, Fadinha! Sempre bem-vinda! bjoooo.
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