I Concurso Literário Benfazeja

A prosa Poética de Thalita Yanahe




Café da manhã dos perdedores

Andava sem nome por corredores durante o dia e usava camisa de força durante a noite. Herança de sua mãe. Aliás, herdou mais do que isso. O mesmo jeito de movimentar as mãos quando falava. Para ele era uma forma de se lembrar do que foi. Se sentir em casa de novo. Dentro. E não fora jogado na lama da sarjeta. Pegou seu cigarro falsificado de barata paraguaia e não acendeu. Mas ficou olhando por tempo demais. Quantos braços afinal ele tinha? Aquele que ele podia sentir, mas não ver. Tentáculos desesperados nadando pelos ares. Leves como plumas. A camisa nunca era lavada. Tinha o suor incrustado de outras crises como estas. Tudo está em crise. Mas ali é um pedaço da loucura sólida e real. Não era ilusão, era verdade que era um louco. Encarava muros durante horas, e depois os pichava em nome da mesma loucura que o pusera em uma pousada na rua de trás. A loucura era sua arma de defesa contra os que o magoavam sem o saber. Achando que é força o que na verdade é fraqueza. Volta pra casa correndo, suas pernas imploravam por isso. Começou a sentir se livre a voar descendo a rua, avião de papel em vôo inaugural. Outras pernas te levantam do chão e outro assume a culpa. Vai pra casa. Lava o rosto. Refresca e volta pra camisa, onde deve ficar por muito tempo. Talvez até anos. Lembrando de como sua mãe o embalava em seu colo. Qual o sentido de tudo isso afinal? As portas do guarda-roupa e suas gavetas sempre abertas, caso as roupas queiram voltar sozinhas lá pra dentro no meio da noite.



As meninas

Antes de atravessar o túnel a criança sentou e chorou até aprender a fechar as portas com combinações mágicas que somente alguns decifrariam.

À porta do túnel viu o córrego correr solto beirando a rua. Então colocou as mãos pequenas na sarjeta e sentiu um gelado metálico da chuva da tarde que acabou de noite. E essas luzes aqui, acesas pra ninguém ver, velando o sonho. Os mesmos personagens do passado retornam ao presente, mas você já está diferente.

Faz uma fogueira menina, sentir falta sozinha atrai quem sente falta também e assim solitários e juntos seguimos. A criança brinca de quebrar cada luzinha com as mãos. Parece gostar do rasgar da pele fina e corajosa.

Quer ver o vermelho correr já que nunca teve tinta pra pintar. Sua mãe estava fora de órbita ou era ela mesma a mãe e a avó num rito tribal da miséria e da dignidade? A menina segura a luz que agora pisca entre os dedos. Reacende o milagre de voltar a acreditar que vale a pena procurar e encontrar em palavras pessoas amigas.

A menina ouve o túnel chamar, como um farol de trem ela foge trilho a fora.

As mãos sangram dores e cicatrizam logo, no fim só há labirinto de espelhos distorcidos e alguma fé, algum perdoar. Faz um desejo e respira fundo. Vai dar tudo certo do lado de lá.

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Thalita Yanahe é atriz e professora, se dedica à escrita como a necessidade do vento mover um moinho.

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Créditos da imagem: Site olharees - fotografia online
Túnel de sonhos, por Mariana Bravo.

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