Conversas LIterárias: Ana Luisa Amaral
Conversas Literárias, por Iracy de Souza.
Conversas literárias, desse mês de novembro, apresenta a poeta Portuguesa Ana Luisa Amaral. Através de dois ensaios que traduzem sua obra de forma geral, o primeiro de autoria de Maria Irene Ramalho: Versos Inversos: A Poesia Quase Toda de Ana Luísa Amaral ,e o segundo por Osvaldo Silvestre, Recordações da casa amarela: A Poesia de Ana Luísa Amaral.
Ana Luísa Amaral abriu um percurso estranho e reconhecível, que conduz ao interior menos visitado do homem e, ao mesmo tempo, às formas de comunicação com o cotidiano, pelo aprofundar os vínculos que nos unem a nosso próprio corpo. Em sua poesia há um lirismo, muitas vezes composto pelo uso reiterado de metáforas, que faz com que uma sensação de desconforto nos invada. Sendo o corpo a fonte de irradiação de todos os sentidos e de todas as demandas, conduz-nos ao nosso próprio interior e, ao mesmo tempo, interage com o cotidiano, aprofundando os vínculos. É a partir dos recônditos do corpo que a poesia se organiza. Nesse espaço de poiésis, o poema é a representação do eu profundo do sujeito poético. É a partir dos labirintos do corpo e das fendas da memória que a poeta organiza, de forma sistemática e meticulosa, todo um espaço poético coerente. Sua temática e sua estilística são resultantes de um aprofundamento no inconsciente que vaza em palavras. Por isso é pertinente falar, na poesia de Ana Luisa Amaral, de um fato poético que aqui denominaremos como “elipse verbal”, posto que se constitua em um entendimento dos laços que buscam a interligação do eu com o mundo ao qual pertence.
PSICANÁLISE DA ESCRITA
Mesmo que fale de sol e de montanhas,
Mesmo que cante os ínfimos espaços
Ou as grandes verdades,
Todo o poema
É sobre aquele
Que ele escreve
Quando os traços de si
parecem excluir-se das palavras,
mesmo assim é a si que se descreve
aos escrever-se no texto
que é excisão de si
Todo o poema
é um estado de paixão
cortejando o reflexo
daquele que o criou
Todo o poema
é sobre aquele
que sobre ele escreve
e assim se ama de forma desmedida,
à medida do verso onde a si se contempla
e em vertigem
se afoga
Qualquer coisa de intermédio
Se eu fosse o outro,
o do chapéu macio e do bigode
eternizado em cúbico arremedo,
angústia dividida em tantas partes
e óculos redondos,
podia-te contar eu guardador e sonhos
Se eu fosse o outro,
o delicado e bêbedo génio de nós todos,
o que amou estranho e sabia dizer
coisas enormes numa pequena língua
e fraco império,
se eu fosse aquele inteiro
ditado de exageros e exclusões,
falava-te de tudo em ingleses versos
E mesmo se não foi ele quem disse
( e podia até ser, que eram amigos
e o século a nascer arrepiava como já não
o fim) há razão nessa história do pilar
e do tédio a escorrer de um
para o outro
Quase de nada místico
Não, não deve ser nada este pulsar
de dentro: só um lento desejo
de dançar. E nem deve ter grande
significado este vapor dourado,
e invisível a olhares alheios:
só um pólen a meio, como de abelha
à espera de voar. E não é com certeza
relevante este brilhante aqui:
poeira de diamante que encontrei
pelo verso e por acaso, poema
muito breve e muito raso,
que (aproveitando) trago para ti.
Ana Luísa Amaral abriu um percurso estranho e reconhecível, que conduz ao interior menos visitado do homem e, ao mesmo tempo, às formas de comunicação com o cotidiano, pelo aprofundar os vínculos que nos unem a nosso próprio corpo. Em sua poesia há um lirismo, muitas vezes composto pelo uso reiterado de metáforas, que faz com que uma sensação de desconforto nos invada. Sendo o corpo a fonte de irradiação de todos os sentidos e de todas as demandas, conduz-nos ao nosso próprio interior e, ao mesmo tempo, interage com o cotidiano, aprofundando os vínculos. É a partir dos recônditos do corpo que a poesia se organiza. Nesse espaço de poiésis, o poema é a representação do eu profundo do sujeito poético. É a partir dos labirintos do corpo e das fendas da memória que a poeta organiza, de forma sistemática e meticulosa, todo um espaço poético coerente. Sua temática e sua estilística são resultantes de um aprofundamento no inconsciente que vaza em palavras. Por isso é pertinente falar, na poesia de Ana Luisa Amaral, de um fato poético que aqui denominaremos como “elipse verbal”, posto que se constitua em um entendimento dos laços que buscam a interligação do eu com o mundo ao qual pertence.
PSICANÁLISE DA ESCRITA
Mesmo que fale de sol e de montanhas,
Mesmo que cante os ínfimos espaços
Ou as grandes verdades,
Todo o poema
É sobre aquele
Que ele escreve
Quando os traços de si
parecem excluir-se das palavras,
mesmo assim é a si que se descreve
aos escrever-se no texto
que é excisão de si
Todo o poema
é um estado de paixão
cortejando o reflexo
daquele que o criou
Todo o poema
é sobre aquele
que sobre ele escreve
e assim se ama de forma desmedida,
à medida do verso onde a si se contempla
e em vertigem
se afoga
Qualquer coisa de intermédio
Eu não sou um nem outro:
Sou qualquer coisa de intermédio
- M. de Sá-Carneiro
Sou qualquer coisa de intermédio
- M. de Sá-Carneiro
Se eu fosse o outro,
o do chapéu macio e do bigode
eternizado em cúbico arremedo,
angústia dividida em tantas partes
e óculos redondos,
podia-te contar eu guardador e sonhos
Se eu fosse o outro,
o delicado e bêbedo génio de nós todos,
o que amou estranho e sabia dizer
coisas enormes numa pequena língua
e fraco império,
se eu fosse aquele inteiro
ditado de exageros e exclusões,
falava-te de tudo em ingleses versos
E mesmo se não foi ele quem disse
( e podia até ser, que eram amigos
e o século a nascer arrepiava como já não
o fim) há razão nessa história do pilar
e do tédio a escorrer de um
para o outro
Fernando Pessoa e Sá Carneiro são interlocutores do sujeito poético
Ana Luísa Amaral, Minha Senhora de Quê
Ana Luísa Amaral, Minha Senhora de Quê
Quase de nada místico
Não, não deve ser nada este pulsar
de dentro: só um lento desejo
de dançar. E nem deve ter grande
significado este vapor dourado,
e invisível a olhares alheios:
só um pólen a meio, como de abelha
à espera de voar. E não é com certeza
relevante este brilhante aqui:
poeira de diamante que encontrei
pelo verso e por acaso, poema
muito breve e muito raso,
que (aproveitando) trago para ti.
de Às Vezes o Paraíso. Ana Luísa Amaral , Anos 90 e agora - Uma Antologia da Nova Poesia Portuguesa, edições quase.
Feliz me deixa constatar que há gente que busca saltar o Atlântico que nos bordeja e, visitando a terra lusa, aí garimpa os versos novos que por lá vicejam. Parabéns Iracy, por seguir sulcando tal oceano.
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