O que dizer
Crônica, por Giovana Damaceno.
Quando descobri que gostava de escrever crônicas, fui automaticamente movida pela profissão. Jornalista conhece e observa o cotidiano com acuidade. É-lhe ensinada tecnicamente a arte da observação, a que enxerga longe ou mais fundo do que o resto do mundo vê. E o que chama a atenção do cronista é a rua, as pessoas, os fatos rotineiros, a natureza. Consegue extrair textos de meros detalhes, desde um papel de bala atirado ao chão até a cor da sombra nos olhos da mulher que passa. Tem licença literária para tratar do corriqueiro como se fosse a última boa notícia, assim como também nos alivia o choque ao tratar de forma leve um fato grave.
Rubem Braga já dedicou linhas e linhas a uma borboleta que flanava pelo centro do Rio de Janeiro. Escreveu sobre seu caderninho de endereços, que sumira, deixando-o desesperado. Contou sobre o abuso da empregada que serviu um chá para as amigas enquanto ele estava fora de casa. Falou de pescaria, de viagens, de mulheres, de noites em mesas de bar, de tempos duros sem grana no bolso.
Quando tive a oportunidade de fazer uma oficina com dois grandes cronistas da cena carioca, os jornalistas Joaquim Ferreira dos Santos e Arthur Dapiève, aprendi que escrever crônica é mudar de assunto. O tema deve sempre passar ao largo do que está em todas as páginas, telas, estações de rádio e bocas de Matildes. O pai jogou a filha da janela do prédio? Divague sobre a letra da nova música de Roberto Carlos. Mais um ministro caiu? Tente escrever sobre a orquídea em floração no seu jardim. Osama Bin Laden foi morto? Seu texto pode valorizar a atitude da operadora do caixa do supermercado, sempre simpática e bem humorada. Explodiu um avião com dezenas de passageiros a bordo? Pense em dizer algo sobre a harmonia das cores.
Absorvi a lição com 100% de mérito. Até porque é muito prazeroso sair da linha, deixar o trem passar e ficar solta, apenas curtindo a paisagem. Assim me sinto ao cruzar o bombardeio das notícias do dia a dia sem nenhum arranhão, garantindo a prosa leve e apaziguadora da boa crônica.
Mas, - e sempre tem um mas - há ocasiões em que fugir do comum é quase impossível. Todos os anos, por exemplo, critico o tipo de ‘comemoração’ que geralmente é feito no Dia Internacional da Mulher. É dia de luta, de reflexão; não há nada a comemorar, ainda. Muito menos valorizar dotes femininos para deleite dos homens. E, cansada de tudo isso, certa vez decidi que não escreveria mais nada a respeito. Porém, a cobrança foi tanta, que voltei atrás e lá fui traçar algumas linhas, para satisfazer os que comungam da mesma opinião que eu.
E ao longo dos doze meses do nosso calendário há datas e mais datas que poderiam ser assunto para muita crônica. Tento me furtar, no entanto nem sempre é possível. Este ano não faltou texto sobre o Dia das Mães, dos Namorados e outros que nem me recordo. E agora, em meio à loucura que nos envolve o mês de dezembro, gostaria de passar longe de qualquer comentário sobre Natal, Papai Noel, presentes, fim disso, começo daquilo, planos, projetos. Sem contar os aniversários de filho, marido e o próprio, tudo por estes dias.
Mas não dá. Até porque esta época remete a muitos sentimentos contraditórios que acabam por exigir o desabafo pela escrita. E nada melhor para quem escreve que poder esvaziar o HD das emoções com papel e caneta ou digitando nestas pequenas teclas de um notebook. Em poucos minutos estou leve, quase pronta para desfrutar da sensação de recomeço que o momento nos proporciona. Disse quase, claro, porque nada é perfeito. Nem eu, nem o que sinto, nem a literatura, nem minha crônica, nem você que me lê. Quem sabe não melhoramos um poquito nos próximos 366 dias?
Rubem Braga já dedicou linhas e linhas a uma borboleta que flanava pelo centro do Rio de Janeiro. Escreveu sobre seu caderninho de endereços, que sumira, deixando-o desesperado. Contou sobre o abuso da empregada que serviu um chá para as amigas enquanto ele estava fora de casa. Falou de pescaria, de viagens, de mulheres, de noites em mesas de bar, de tempos duros sem grana no bolso.
Quando tive a oportunidade de fazer uma oficina com dois grandes cronistas da cena carioca, os jornalistas Joaquim Ferreira dos Santos e Arthur Dapiève, aprendi que escrever crônica é mudar de assunto. O tema deve sempre passar ao largo do que está em todas as páginas, telas, estações de rádio e bocas de Matildes. O pai jogou a filha da janela do prédio? Divague sobre a letra da nova música de Roberto Carlos. Mais um ministro caiu? Tente escrever sobre a orquídea em floração no seu jardim. Osama Bin Laden foi morto? Seu texto pode valorizar a atitude da operadora do caixa do supermercado, sempre simpática e bem humorada. Explodiu um avião com dezenas de passageiros a bordo? Pense em dizer algo sobre a harmonia das cores.
Absorvi a lição com 100% de mérito. Até porque é muito prazeroso sair da linha, deixar o trem passar e ficar solta, apenas curtindo a paisagem. Assim me sinto ao cruzar o bombardeio das notícias do dia a dia sem nenhum arranhão, garantindo a prosa leve e apaziguadora da boa crônica.
Mas, - e sempre tem um mas - há ocasiões em que fugir do comum é quase impossível. Todos os anos, por exemplo, critico o tipo de ‘comemoração’ que geralmente é feito no Dia Internacional da Mulher. É dia de luta, de reflexão; não há nada a comemorar, ainda. Muito menos valorizar dotes femininos para deleite dos homens. E, cansada de tudo isso, certa vez decidi que não escreveria mais nada a respeito. Porém, a cobrança foi tanta, que voltei atrás e lá fui traçar algumas linhas, para satisfazer os que comungam da mesma opinião que eu.
E ao longo dos doze meses do nosso calendário há datas e mais datas que poderiam ser assunto para muita crônica. Tento me furtar, no entanto nem sempre é possível. Este ano não faltou texto sobre o Dia das Mães, dos Namorados e outros que nem me recordo. E agora, em meio à loucura que nos envolve o mês de dezembro, gostaria de passar longe de qualquer comentário sobre Natal, Papai Noel, presentes, fim disso, começo daquilo, planos, projetos. Sem contar os aniversários de filho, marido e o próprio, tudo por estes dias.
Mas não dá. Até porque esta época remete a muitos sentimentos contraditórios que acabam por exigir o desabafo pela escrita. E nada melhor para quem escreve que poder esvaziar o HD das emoções com papel e caneta ou digitando nestas pequenas teclas de um notebook. Em poucos minutos estou leve, quase pronta para desfrutar da sensação de recomeço que o momento nos proporciona. Disse quase, claro, porque nada é perfeito. Nem eu, nem o que sinto, nem a literatura, nem minha crônica, nem você que me lê. Quem sabe não melhoramos um poquito nos próximos 366 dias?
*
Créditos da imagem: Site olhares - fotografia online
Marinheiros, por Rui Ferreira.
Quanto mais leio pessoas talentosas, mais reflito que escrever vai além de dom. Escrever qualquer um é capaz, porém escrever bem é para poucos.
ResponderExcluirParabéns, pelo texto e pelas brilhantes 'escrivinhanças' que oferece aos nossos olhos e ao nosso banco de conteúdo e conhecimentos.
Para fortalecer minha ideia, trago aqui um trecho do seu texto que me encantei: "Até porque é muito prazeroso sair da linha, deixar o trem passar e ficar solta, apenas curtindo a paisagem. Assim me sinto ao cruzar o bombardeio das notícias do dia a dia sem nenhum arranhão, garantindo a prosa leve e apaziguadora da boa crônica."