O terno
Crônica, por José Cláudio (Cacá)
Tudo mudou tanto nesse mundo nos últimos séculos... e o ser humano vai se adaptando. Eu gosto de falar que as coisas mudaram, não o homem. Se pegarmos história e literatura dos últimos quinhentos anos, vamos constatar que o homem mudou muito pouco. Então vamos falar de progresso material, tecnologia e valores simbólicos. As muralhas que protegiam as cidades medievais caíram ou viraram atração turística. Do aríete evoluímos para o canhão e dele para os bombardeiros aéreos foi um pulo, ou melhor, um vôo. Tantas profissões foram criadas... A última das últimas novidades é o tal de emprego verde. Não, minha gente, não se trata de plantadores nem de um retorno do homem para o campo. É o tal emprego em atividade sustentável - provavelmente para homens sem terno. Se esse negócio não é mais um lance de marketing, só vamos saber se continuarmos sustentados mais algum tempo aqui nesse mundo assolado.
E no meio disso tudo, o terno está aí, firme, já caminhando para o quarto século de seu reinado absoluto. Desde que o homem abandonou a roupa de guerreiro e criou as máquinas de combate para substituí-lo nas frentes de batalha, a roupa do poder simbólico ficou sendo o terno e dele não mais se abriu mão. Isso vem desde a revolução industrial. Portanto não se trata de moda, como alguns insistem em dizer, por exemplo que a moda feminina vive se modificando e a masculina, não. Na verdade o terno não é uma moda. Quem o veste está entrando dentro de um status não de um enfeite. Em alguns cai tão bem que o poder de sedução manifesta-se, mesmo que o cara não tenha poder nenhum. São os poderosos mais transitórios Alguns radicais já tentaram derrubá-lo. Deve ser algum esquerdista da moda, algum adepto do Joãosinho Trinta.
No Rio de Janeiro, por exemplo, onde o calorão é incompatível com a roupa já houve movimentos rebeldes que se reuniam em hotéis cinco estrelas e com ar condicionado para tramar a sua eliminação pelo menos no verão. O movimento só não ganhou as ruas por causa do insistente calor que faz lá fora.. Mas como abolir se quem manda nas coisas lá também anda de terno? Pergunte a eles se querem que o cara vá de bermuda e camiseta para o trabalho? Só se for vendedor de produtos de praia.
É o contrário: o movimento, em vez de ganhar adeptos da abolição, ganha mais e mais uso. Crianças fashion usam ternos. Para o bem das aparências e respeito, porteiros e vigilantes, seguranças. Até ladrões de terno impõem menos medo (ou mais respeito, dependendo do ponto de vista de quem está sendo assaltado). Uma coisa pelo menos já virou consenso: quando os assaltantes estão de terno, as vítimas não costumam sofrer grandes traumas físicos. Eles não costumam atirar, no máximo uma coronhada em alguém que não acredita que o sujeito de terno esteja fazendo aquilo e vai tirar satisfações na hora que estão sendo feitos reféns.
Tem também os colarinhos brancos, mas isso é uma outra história. Mulher que tem poder exibe-o de tailleur. É um dos resultados da sua luta de anos e anos a fio, a linha, a chuleado e a caseado para se igualar ao poder masculino. Com isso, aumentou seu poder de barganha e também de sedução: uma belezura o traje!
Já tentei argumentar aqui em casa, sem sucesso, que quando eu morrer não precisam me enterrar de terno. Eu tenho apenas dois, comprados em muitas prestações, usados raramente, então no meu senso de sustentabilidade pensei que poderiam servir para vestir alguém depois de minha partida. Mas já fui vencido e, mesmo que não fosse a última palavra não vai ser minha mesmo! Nem o mau exemplo que eu contei para a minha família convenceu: é que outro dia eu ouvi num velório um cara se aproximar do morto, verificar bem a indumentária e comentar baixinho: “mas precisava enterrar com um Armani?”
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Créditos da imagem: Site olharees - fotografia online
Tie colour, por CS-AYR.
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