I Concurso Literário Benfazeja

Picles



Crônica de Mariana Collares.

Parece que o dia hoje não está propício para a divagação literária. Pudera. Esqueci o caderno em casa e só me dei por conta sentada a um café, no meio de um idílico cappuccino, e não havia livraria à volta para que pudesse comprar outro. Pra piorar, andei por tudo e quase acabei com meus pés para encontrar um pedaço de papel – hoje eu REALMENTE queria escrever.

Para acabar, e após ter comprado mais um caderno e me certificar de que a caneta estava realmente dentro da bolsa, escolhi por acaso um Café um tanto obscuro, que mais parecia barzinho de fim-de-semana, onde vejo de tudo – cerveja, barulho, agitação de fim-de-tarde – menos aquele clima nostálgico e absolutamente propício ao devaneio, que tanto me agrada.

Não é o fim.

Acabou de encenar um “parabéns a você” na mesa ao lado com a participação de uns cinqüenta convivas. Não preciso dizer que meu mau-humor foi às alturas...

Bom, como não pretendo verdadeiramente perder a noite e a inspiração, resolvo pedir um prato para preparar o espírito para observar o lugar e os passantes. Abro o cardápio e meu português dá um giro de 360 graus ao redor do próprio eixo. Não consigo entender “lhufas” do que está escrito. Não, não sou uma completa analfabeta em língua estrangeira, menos ainda no inglês, mas por mais que me esforce não consigo compreender esse amontoado de gírias texanas ou de algum lugar em que bois e vacas sejam o maior índice de densidade populacional. Consigo perceber que o cardápio revela uma variedade de carnes e molhos picantes pelas fotos ilustrativas de alguns pratos. Chamo o garçom e aponto alguma coisa no menu:

- Tem disso pequeno?

- Não, infelizmente.

- Tem algo pequeno para comer?

- Não senhora. Os pratos são bem-servidos.

Respiro fundo. Penso. Olho para o lado. O homem aguarda.

- Ok, me traga um desses do tamanho que tem que ser.

O homem sai.

Dois minutos depois ele retorna com meu refrigerante servido em uma enorme banheira de ofurô com um canudo. Fiquei olhando para aquilo e pensando se eu conseguiria levantar o copo. Cinco minutos depois vem o meu jantar. Sim, meu café vespertino virou um jantar americano, cheio de picles e molhos picantes. Me sinto a própria irmã do Fred Flintston quando verifico que meu prato mais parece um dinossauro abatido em algum período pré-jurássico.

Ah, já ia me esquecendo. Morri de rir quando retirei um par de talheres de dentro de um saquinho de papel. A faca parece uma adaga ou um facão que os Neandertais usavam para estripar a caça e o garfo (desculpem-me os religiosos) mais parece um tridente do coisa-ruim.

Acabei de entrar no desenho da Hannah Barbera e aguardo o Dino de sobremesa. Sinceramente, estou com medo de pedir a desert...

Não posso me esquecer de passar em uma farmácia ao sair daqui para comprar uma caixa inteira de sal de frutas – isso para conseguir digerir um terço da comida.

Há uma coisa verde acompanhando o prato quente, não sei se uma alga marinha ou coisa que o valha, mas eu não vou pagar pra descobrir. Vou deixá-la aí, me olhando e adornando o prato. Quem sabe isso seja para dar uma impressão ecológica ou saudável em toda a carnificina ou então foi colocada aí para que eu me sentisse mais magra.

Comi o primeiro pedaço de carne e acabei de descobrir o porquê do caneco-de-copa-do-mundo cheio de refrigerante: pimenta. Muita, muita pimenta. Quase morri de tossir e a mesa ao lado parou para me olhar. Se eu sobreviver à noite e à janta vou acender uma vela para algum Santo das Refeições Exageradas. Será que houve algum Santo glutão? Bem sei que a gula é um pecado mortal, mas deve haver alguém no céu que me entenda e possa me ajudar. Se meu fígado resistir à refeição será um milagre. Nunca comi tanta pimenta na vida. E o efeito é completamente contrário do café – que normalmente me acalenta e torna a minha atividade de escrever lenta e confortante. A pimenta transformou minha mão numa máquina de taquigrafia. Se eu conseguir compreender meus hieróglifos será outro milagre. Tenho que me lembrar de acender duas velas, não uma... Se eu contar que não estou nem na metade do prato e já quase sequei a banheira de refri...

Garanto, a expressão Jesus, me abana tem uma aplicação perfeita nesse momento. Bom, acho melhor terminar esse texto enquanto meu esôfago não pega fogo, até porque preciso estar pronta caso precise chamar o caminhão de bombeiros.


P.S: o garçom, sem que eu pedisse, acabou de me trazer outra ofurô cheia de refrigerante. É, eles devem estar acostumados...

*
Crédito da imagem: Olhares.pt
Para dar Fome!, por Ramon Gonzalez

Nenhum comentário