Ela vai ao supermercado
Crônica, por Mariana Collares
Não dá mais para postergar: a geladeira está vazia, os gatos reclamam mantimentos, os produtos de limpeza acabaram e a faxineira já esboça duas folhas de caderno inteiras com aquilo que falta na despensa. E então ela pega o carro e se dirige penosamente ao supermercado: local amado por mais da metade da população mundial e que nesta terra em que vive assume proporções gigantescas, dada à necessidade que todos aqui possuem de encontrar tudo no mesmo espaço geográfico. Mas ela detesta. Nem deveria dizer isso, logo ela que está acostumada a arranjar-se sozinha e nem lembra mais quando teve a sorte de poder delegar a tarefa. Ela detesta.
Pega o carrinho junto à porta da entrada, pára diante das senhoras gordas com crianças, deixa-as passar, entra. Um frio percorre-lhe a pele e pensa que esqueceu o casaco no carro. “É sempre tão frio aqui”... E então começa a andar pelos corredores largos, abarrotados de coisas necessárias, desde frios a eletrodomésticos, passando por carnes, pães, massas e biscoitos, além de todo o tipo de quinquilharia de jardinagem, comida para cães, utensílios, e ela lembra que precisa urgentemente de mais algumas caixas de plástico para colocar ao lado das 347 caixas de plástico que há no apartamento pequeno. Mas seguramente não foi isso o que veio buscar. Na verdade, a lista que a faxineira fizera na véspera ficou em algum lugar entre a mesa do escritório e a geladeira, e agora precisa lembrar de tudo o que realmente falta. Mas ela está acostumada. Normalmente compra muito mais do que devia e umas cem vezes se dá conta de que trouxe tudo, menos o que necessitava. Por isso odeia – não foi feita para isso. É um lugar muito pragmático para toda a sua poesia. Começa pelo corredor de bebidas e frios, passa pelos sorvetes e lembra que ainda tem um em casa, lá dos idos de “milnovecentosenoventaealgumacoisa”, e então pensa que seria a hora de levar outro, para quando o mundo terminar, em dezembro, ter algo de bom para levar para o outro lado... Então desiste e começa a rir das próprias bobagens. Acha que é essa mania de divagar acordada que a faz assim -meio lerda, meio estranha ou diferente - então começa a sorrir olhando para o setor de laticínios e fica pensando que graça teria o setor de laticínios, mas acha graça e continua rindo sozinha. Algumas pessoas olham para ela, que sorri mais ainda. “Deve ser louca, a pobre”... Talvez seja mesmo. E então sai empurrando o carrinho pela mercearia e quase bate no carrinho de um pai com um filho pequeno, que olha para ela e aponta-lhe o dedo. O pai a olha, sério, ela faz cara de quem não entendeu nada, pede desculpas e sai sorrindo. Agora está no setor de higiene pessoal imaginando porque os cremes dentais estão com os preços tão altos, e procura aquele da propaganda, aquele que previne a gengivite, e então fica imaginando se todos não são iguais e todos previnem a gengivite, e então pensa que nem tem gengivite mas é sempre bom prevenir...
Sorri de novo olhando para 456 tipos de cremes dentais que previnem a gengivite e as cáries e têm flúor e combatem as placas e se dá conta que já se passaram 15 minutos e continua olhando para isso. Então pega o primeiro que olha para ela e sai. Passa no setor de comida para gatos, e isso ela entende bem: comida para gatos - aquela que era a barata e os gatos gostavam, mas nem era tanto porque a mais barata dizem que não é boa; e olha para o pacote e o troço já subiu de novo e não venham dizer a ela que não há inflação porque é nessas horas que se lembra de olhar para os gatos e lhes dizer: “Na encarnação que vem, vocês vêm pessoas, eu venho gato”! Acha que já os ameaçou umas 26 vezes desde que passou a dividir o apartamento com eles, e eles continuam a se fazer de desentendidos mas tudo ok, sabe que já está anotado lá no caderno de São Pedro: “próxima encarnação, Mariana - gato, Nicole e Gael- pessoas, pais de Mariana”. Sai do setor e percorre os utensílios de limpeza e se lembra da droga da lista que não está com ela. Pega o sabão em pó, o alvejante sem cloro, o amaciante, o detergente líquido e reza para que não tenha esquecido de nada porque caso contrário encontrará outra lista no dia seguinte e não quer ter que pensar em voltar ao supermercado por pelo menos um mês. Obviamente se perde no setor de doces, e algo tem que ser legal em ir ao supermercado, então por favor... Muitos pacotes de salgadinhos depois, dirige-se diligentemente ao caixa para passar todas as compras e acondicioná-las nas não politicamente corretas sacolinhas plásticas, que servirão de sacos de lixo, e leva o carrinho até o carro, organiza as compras, paga o estacionamento, sai e depois de 25 percursos do carro ao apartamento, carregando as pesadas sacolas, tanto quanto lhe permita a lombalgia crônica, fecha a porta da entrada, larga a bolsa, tira os sapatos, olha para as mãos sujas de tanto carregar coisas, senta e vê, no bolso da calça, a lista do supermercado saindo para fora, abre e lê: “Mariana, só não esquece do sabonete. Beijo, Rô”.
Crédito da imagem: olhares.com
Supermercado, por Ricardo S. Figueira
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