galado
Conto de Renato Essenfelder.
A menina regurgitou de um fôlego o amontoado de cacos de toda uma vida.
O ventre fecundado estava frágil; pronto havia muito tempo.
As troças na faculdade, a solidão dos bailes, as farpas nas roupas as roucas vozes que cochichavam, irrepresáveis como o conteúdo de seu estômago amargo. O pai desencantado. A mãe frustrada. O Ano Novo solitário. Sozinha, de novo, e: cacos de vidro afiados, cacos escondidos em pedaços de comida, bilhetes, cartas, ancestrais fotografias.
Regurgitou raivosa sobre o retrato, incontrolável. Tinha então quinze anos, forjando pacientemente um sorriso branco por sobre o fundo galado em que projetava suas natimortas, sabemortas, antemortas possibilidades].
Créditos da imagem: Olhares.com
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