jeito de corpo, amor e desejo
Conto de Rogério Fernandes
1 - missa do galo / dia de ano bom/
começa assim: "Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta. Era noite de Natal."
o menino vinha do interior estudar "preparatórios", como companhia, alguns livros, poucas relações, alguns passeios. na casa, a presença de meneses e sua esposa, dona conceição. "boa conceição [...] tudo nela era atenuado e passivo. [...] não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar."
acontece que meneses traía conceição com uma senhora separada, e dormia uma vez por semana fora de casa, tudo no mais confortável ambiente doméstico. conceição, " a santa", aceitava passiva...até que, na noite da missa do galo, acompanhou o jovem rapaz em uma conversa sobre romances. dona conceição despertara antes da meia noite, conversaram, e nessa conversa, de amenidades, um mundo de coisas ainda a decifrar se colocaram diante do rapaz.
o menino vinha do interior estudar "preparatórios", como companhia, alguns livros, poucas relações, alguns passeios. na casa, a presença de meneses e sua esposa, dona conceição. "boa conceição [...] tudo nela era atenuado e passivo. [...] não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar."
acontece que meneses traía conceição com uma senhora separada, e dormia uma vez por semana fora de casa, tudo no mais confortável ambiente doméstico. conceição, " a santa", aceitava passiva...até que, na noite da missa do galo, acompanhou o jovem rapaz em uma conversa sobre romances. dona conceição despertara antes da meia noite, conversaram, e nessa conversa, de amenidades, um mundo de coisas ainda a decifrar se colocaram diante do rapaz.
"Há impressões dessa noite, que me aparecem truncadas ou confusas. Contradigo-me, atrapalho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que, em certa ocasião, ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima. Estava de pé, os braços cruzados; eu, em respeito a ela, quis levantar-me; não consentiu, pôs uma das mãos no meu ombro, e obrigou-me a estar sentado."
vejam só, o diálogo fez-se por lacunas e subtendidos,é assim que são as coisas comigo, acho que com o universo inteiro. eu nunca vou entender as lacunas, os olhares, o volteio do braço e a gentileza obscurecida pelas segundas, terceiras intenções. sempre serei aquele que espera a missa do galo, ou não sabe que a missa tem suas outras horas e a vida a dois depende desses códigos para se fazer viva. o silêncio é o entendimento de quem se quer.
"A conversa ia morrendo. Na rua, o silêncio era completo.
vejam só, o diálogo fez-se por lacunas e subtendidos,é assim que são as coisas comigo, acho que com o universo inteiro. eu nunca vou entender as lacunas, os olhares, o volteio do braço e a gentileza obscurecida pelas segundas, terceiras intenções. sempre serei aquele que espera a missa do galo, ou não sabe que a missa tem suas outras horas e a vida a dois depende desses códigos para se fazer viva. o silêncio é o entendimento de quem se quer.
"A conversa ia morrendo. Na rua, o silêncio era completo.
Chegamos a ficar por algum tempo, - não posso dizer quanto, - inteiramente calados. "
o jovem reconstruiu este episódio anos depois, já adulto, e aquele silêncio cheio de significado parece ter calado fundo. enfim, cousas.
leio na folha de 08/01/2013 que um filósofo inglês, Simon May, defende a revisão dos conceitos do amor romântico, que, segundo ele, chega a ocupar o lugar da religião no mundo ocidental. não discordo do moço, há de se rever o amor romântico pois como toda a idealização ele é inalcançável. no entanto, não creio que seja caso de uma religião burguesa. o grande deus do ocidente é o desejo de consumir e a expectativa que o objeto lance sobre o portador uma luz próxima do divino. consumir e repor o objeto de consumo, me parece, é o grande deus burguês. estendo isso para o amor. assim como há a necessidade, pautada pelas leis de mercado e pelos departamentos de marketing, de se possuir sempre o mais novo objeto tecnológico e suas anuais reposições, sem as quais o mercado supostamente não sobreviveria e o individuo não teria seus status de "exclusividade", o desejo exige a reposição de parceiros oriundos das mais diversas formas e dos mais e interesses. em busca daquele prazer primeiro, próprio da descoberta. o desejo consumiu o amor. e, acho, que o amor morreu. a perenidade das relações, me parece, ter a ver com isso. um certo desejo que precisa ser saciado constantemente em nome da liberdade de se procurar ;ad eternum; aquela sensação, aquele bojo de delicias do primeiro beijo. o mesmo desejo de um consumidor de carros, ou, melhor ainda, um viciado em tecnologias, que sempre precisa da última máquina lançada pela apple, ou o mais recente telefone multifunção, sobre o risco de não ter o seu desejo saciado.
assim, o esvaziamento das relações se dá sob a sombra das lógicas de mercado. o amor foi substituído pelo desejo, que, segundo uma amiga minha, tem validade de dois anos. acredito que o amor e o desejo pode andar juntos, mas sempre haverá uma razão mesquinha por detrás, o que opera os sentidos é um fetiche louco que não permite o envolvimento (aventura) com o outro a ponto de ambos se fazerem conhecer. se é bom ou ruim, não sei, vejo a avenida da janela do quarto e penso em drummond ;"A tarde talvez fosse azul não houvesse tantos desejos".
2 - é bem, e o resto?
machado talvez tivesse razão. começo de ano é saudado com expectativas boas, a janela cumprimenta o sol e o futuro parece promissor, "tudo parece melhor e mais belo, - fruto da nossa ilusão, - e alegres com vermos o ano que desponta, não reparamos que ele é também um passo para a morte."
Créditos da imagem: Olhares.pt
depois do café, o jornal., por Rita
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