Muros
Crônica de Leila kruger
Engraçado como o mundo não parou.
Continua aqui, com seus prédios de concreto impassíveis e progressistas, quase tocando as plácidas nuvens, e com suas calçadas lotadas de gente que sempre está indo a algum lugar distante; o mundo continua com suas gaivotas, seus motores, suas compras e vendas, suas conversas de boteco, suas ameaças de chuva à tardinha, suas faltas de guarda-chuvas, seus vestidos coloridos e suas gravatas sérias. Amanhã ou depois teremos nossos compromissos, e a limpeza do quarto não pode esperar. E os relógios não param de gritar.
Engraçado como nada parou.
Enquanto eu andava com o coração se despedaçando por entre rostos de pedra como os rostos da Ilha de Páscoa, que jamais poderiam me salvar. A salvação só poderia estar em minha velha solidão, essa senhora que me acompanha silenciosa e intangível.
Eu chorava lágrimas invisíveis, daquele tipo que é como ácido. Eu ia sem nem saber para onde, procurando-te nas vitrines que ostentam sonhos e nos balões azuis que eu não via no céu. Eu andava escoltada por memórias vestidas de preto, e todas com teu sorriso triste de despedida que me despedia de mim também.
Eu andava sem coração, sem caminhos, sem certezas. Porque – pensei – é assim que a gente às vezes tem de prosseguir na vida. Deus, o mundo não fez o favor de parar! E eu não recebi nenhum abraço na alma, nenhuma palavra para nela descansar.
Eu estou aqui te procurando, nas vitrines e nos balões, nos futuros que se desenham inocentemente em cenários clichês. Como se houvesse futuro. Como se fosse haver alegria, arrependimento e, como disse Anaïs Nin, “nenhum muro mais”. Mas há muros, e o mundo inteiro na verdade hoje é um muro.
Não consigo atravessá-lo. Não consigo atravessar-me, e atravessar-te, e atravessar tudo o que não se vê.
Lembra que eu te procuro. Lembra que eu não te acho. E não te achando eu não me sou...
Créditos da imagem: olhares.pt
Prédio, reflexos Tóquio, por Ioiok
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