I Concurso Literário Benfazeja

A bicicleta



Crônica, por Mariana Collares.

E então, num sábado lusco-fusco com jeito de “me deixa quieto” ela resolveu sair de casa com Pança (a avó septuagenária) para ir às compras. Queria uma bicicleta. Porque andava cheia de dores nas costas e no pé, porque tinha que fazer exercícios, porque fazia tempo demais desde a última calói e porque morar na zona sul faz dessas coisas: a gente começa a querer ir pra rua sem carro.

Bom, de qualquer forma, foi o que fez. Convidou a avó-fiel-escudeira e foram para o shopping. Tarde lusco-fusco igual a shopping lotado. Ok, tudo pelo social, ou pela saúde.

Estacionaram o carro e se meteram a olhar tênis (sem salto, não-sapatênis, não-fashion, como ela costumava comprar). Um tênis de verdade. Horroroso e confortável. Com gel (que acreditou servir para algo além de encarecer o sapato).

Demorada uma hora até a compra do horripilante modelito-astronauta-azul-bebê, carésimo, saíram em busca da bicicleta. Muito legal. Mas nenhuma loja tinha isso. Num shopping-monstro, somente uma possuía a indefectível magrela.

A loja de departamentos foi o destino, então (ela que odiava entrar lá, onde se demora mais para pagar do que para pegar o item na prateleira - naquela loja enorme e lotada de gente ansiosa por comprar, comprar, comprar de tudo: desde parafuso até pneu de carro, passando por comida, eletro-eletrônico e roupas).

Demoraram uns 7 minutos até acharem o setor de bicicletas. Todas elas dispostas, penduradas pelas rodas num lugar muito alto e sem qualquer possibilidade de escada por perto.

Olharam ao redor e nada de atendentes. Como saber qual, daquelas bicicletas penduradas em lugares inacessíveis, seria a melhor, mais interessante, mais propícia? Pior – sabendo isso, como fazer para retirá-la dali?

Umas moças de patins passaram e pediram ajuda por rádio. Um atendente passou depois e disse não ser do setor. Outros dois passaram e disseram não terem nada com isso: “aqui é pegar e pagar” - disseram. Pegar como? Como se pega uma bicicleta do teto e se coloca em cima do caixa?

Ela pensou em começar a jogar itens pelo chão até que alguém viesse atendê-la ou a colocassem dentro de um camburão... “Melhor não” – pensou. Ia ficar sem a bicicleta e comprá-la era algo que já estava decidido. Desde a manhã daquele dia, quando acordou e pensou que talvez fosse interessante comprar uma bicicleta – fácil assim... as coisas eram fáceis para ela. Ela quer, ela vai atrás, ela pega e leva pra casa. E com a bicicleta seria assim, nem que tivesse que esperar uma hora até que o atendente do setor flutuante de bicicletas viesse em seu auxílio. “Tomara que ele tenha asas” – pensou.

Nada. Quinze minutos, vinte e nada de atendentes. Foi até o caixa, falou com um gerente, falou com dois e mais dez minutos depois apareceu a atendente do setor de bicicletas, que não tinha asas, mas sorria muito.

Duas perguntas depois e viu-se que de bicicleta a moça não entendia nada. Para saber como funcionavam as marchas ela se viu obrigada a sair e voltar duas vezes com duas informações dissonantes.

A compradora então resolveu desistir de saber. Que comprasse a bicicleta e entendesse depois como funcionava o troço. “Não pode ser muito difícil” – pensou – “qualquer idiota anda de bicicleta e ela poderia ser uma idiota a andar também”.

Visto que a atendente não sabia nada da coisa mas era absolutamente necessária para pegar a magrela e conduzi-la ao caixa, ficaram ali, a olhar para todas elas, cores e modelos, todos muito parecidos, e então resolveu-se por uma bonitinha com cestinha na frente. “Cestinha pra quê”? – perguntou a avó, que ria mais do que ajudava. Para carregar a bolsa fashion é que não seria, mas achou interessante ter uma. “Vai saber se um dia não serve para alguma coisa” – arrematou a compradora. Serviu, logo de início, para colocar dentro a bolsa fashion e conduzir a bike para o caixa.

Como foi retirada do teto? Fácil. A moça trouxe uma escada e dois ajudantes depois, retiraram a tal magrela escolhida do lugar muito alto em que estava. Torceu sinceramente para não errar no modelo, porque esperar tudo aquilo para retirar outra do suspensório flutuante é que não ia querer.

Empurraram a tal até o caixa, então, passando pelo meio dos outros departamentos e pessoas que as olhavam, sérias. “Tão olhando o quê”? – pensou. “Nunca viram uma mulher e sua avó empurrando uma bicicleta”?

Agradeceu não ter escolhido comprar o modelo ergométrico – isso sim seria um desastre numa loja self service.

No caixa não foi tão difícil quanto imaginou. Foi só retirar o código de barras e passar na máquina. Depois tiveram ainda que pegar a garantia num lugar, liberar a nota em outro e andar entre os passantes até a porta de entrada pra tentar colocar o objeto no carro – adivinhem: não havia frete. Além de self service, era self-leva-pra-casa-como-dá.

Tudo seria muito tranqüilo se ela e a avó tivessem idade e saúde pra carregar o troço e enfiar dentro de um carro pequeno. Fizeram isso por mais ou menos 30 minutos sob o olhar atento de vários compradores sem nada para fazer e que não ajudaram, pelo contrário.

Uma nova torção na coluna depois e muito suor da avó-escudeira e conseguiram enfiar a coisa no carro e até fechar o porta-malas. Não perguntem como retiraram depois a geringonça de lá. Hoje ela repousa, solitária e esbelta, na sala de jantar sob o olhar atento de dois gatos que a olham de soslaio. Talvez pensando que ela é um novo brinquedo para eles.

Não, ela ainda não a usou. Óbvio: nessa jornada de levar a bicicleta pra casa, colocar e retirar do carro, tanto ela quanto a avó conseguiram a proeza de terminar com a saúde do que restava de coluna. Agora dê-lhe fisioterapia até que possa subir na magrela e ganhar a cidade. Quem sabe um dia...

*

Créditos da imagem: Olhares.com
Bicicleta, por Daniel Filipe Portela Figueiredo

Nenhum comentário