Cá, comigo

Crônica de Giovana Damaceno
Se fosse hoje avaliada pelo senso comum talvez dissessem que sou uma pessoa insuportável, antipática ou outros qualificativos desta via.
Na verdade a vida me empurrou para a seleção natural. Fui deixando alguns hábitos, adquirindo outros, e muito do que prefiro hoje está completamente fora do que a maioria curte. Tornei-me, então, na opinião dos que (penso) não emitem sua opinião diretamente a mim, uma chata.
Sou exigente com o que como: proteínas animais, somente de voantes e nadantes; como muito vegetal, integrais, nada de comida mergulhada em molhos gordurosos, nem fritura; sal, quase nenhum; gosto dos doces, mas troco as sobremesas pelas frutas, sem dor. Prefiro os alimentos naturais aos industrializados. Não abro mão de uma cerveja no fim de semana, mas não mergulho na garrafa, nem encaro as churrascadas. Não gosto nem do cheiro da fumaça.
No dia a dia de trabalho gosto de almoçar sozinha. Quase a ponto de fazer como Schopenhauer, que pagava dois pratos do refeitório da universidade para que ninguém sentasse ao lado dele. Dependendo das condições internas de temperatura e pressão, penso que seria capaz de fazer o mesmo. Porém, ainda não precisei lançar mão deste recurso. Saio mais tarde para o almoço, no restaurante quase já não há movimento, e me sento tranquila para comer em silêncio. Garanto o meu sossego, eu comigo, sem ninguém falando e ainda me obrigando a falar, sem ter que mastigar e engolir rápido para responder às perguntas de um interlocutor.
Dias atrás, na fila da churrasqueira, no restaurante, enquanto aguardava a vez de pedir meu frango, o rapaz à frente disse ao atendente: “O que você tem com mais gordura?”. Engoli em seco, argh.
Não gosto de conversar em ônibus. Nem com conhecidos, muito menos com estranhos. Entro, sento, coloco os fones nos ouvidos, ligo o som, fecho os olhos e assim viajo.
Não vejo mais TV, não assisto a novelas, não gosto de programas de auditório, detesto programa de humor, qualquer um. Já fui aficionada por telejornal e hoje perdi a paciência. O excesso de produção detonou até mesmo o senso de realidade de jornalistas, o que me faz manter a TV desligada sem o menor pesar. Substituo por livro, revista, estudo ou uma boa conversa. Sempre há algo muito interessante a falar/ouvir em lugar de ver televisão. Sinto prazer nestas alternativas, enorme prazer.
Recentemente disse a um amigo que já havia passado da fase de gostar de programas como o de Luciano Huck e ele se ofendeu: “O que quer dizer com isso?”. Sinceramente, não disse o que gostaria de ter dito; apenas que já não disponho mais de tempo, que passo minhas tardes de sábado colocando a leitura em dia. Em parte, verdade.
Confesso que às vezes me sinto tão inadequada que me vejo em outro planeta, por tão discordante de tudo que parece normal. Paro, reviso meu jeito de ser, cá com minhas idiossincrasias, e sempre concluo que estou bem assim. Muito, muito bem.
Foto: corbisimages.com
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