A visita
Conto, por Mariana Collares.
-Ei, acorda!
-Quem é?
-Sou eu.
-Eu, quem? Quem é você?
-O cara que manda em você. Acorda e vamos trabalhar.
-Como assim? Quem é você? Trabalhar onde?
-No computador. Levanta, rápido!
-Só se você me disser quem, diabos, você é.
-Eu sou o cara que dita os livros, vamos!
-O quê? Dita os livros? EU escrevo meus livros!
-Você é muito inocente, como todo mundo, levanta!
-Você nao pode falar assim comigo!
-Posso sim! Você está perdendo tempo...
-Eu sei o horário em que vou escrever! Você não manda em mim.
-Não. Esse é o problema. Eu conto com o indigesto livre arbítrio. No caso, o seu.
-O que você quer dizer com isso?
-Que eu inspiro e depois espero que você faça algo com isso.
-Isso é um absurdo! Você não é o autor dos meus livros!
-Não só eu. Mas desse último sou.
-Ei, porque você não enche outro? Não vai procurar outro para inspirar?
-Gostei de você.
-Não posso dizer o mesmo.
-Não morri por isso, vamos!
-Então você está morto? Você é um fantasma ou o quê?
-Tipo assim.
-Porque você não escreveu seus livros quando vivo, então?
-Vai ver porque eu era ignorante demais. E tive preguiça. Exatamente como você agora. Deixa pra lá, estou tratando isso na terapia. Vamos levantar e tomar café. Preciso de você com saúde.
-Você não acha mesmo que vai mandar em meu livro, acha?
-Claro que sim!, Porque, sabido?, Quem você pensa que é?
- Eu sou o narrador.
-Não, o narrador sou eu.
-É?
-É.
-Então tá, dita aí.
-Ok, deixe-me ver, “Quando nasci na cidade de Reims”.
-Reims? Eu sou do Brasil! Por que diabos vou falar em Reims?
-Porque é assim que eu quero!, Segue, meu filho!
-Não, eu quero falar de Juazeiro do Norte.
-Filho, todo mundo já falou de Juazeiro do Norte!
-Não é verdade! O que você entende de literatura brasileira?
-O bastante para saber que todo mundo já escreveu sobre isso.
-Então digo a você que todo mundo já escreveu sobre a França.
-É, talvez você tenha razão. Vamos começar de novo, escreve aí: “Quando nasci na cidade de Mendoza, no ano de 1935...”
-Olha, amigo, eu não sei quem você é, mas sinceramente acho que você deveria se preocupar em nascer de novo para escrever seus próprios livros!
-Você está sendo injusto, sabichão. Quem você acha que escreveu o seu último?
-Já disse. Eu, obviamente.
-Não, babe. Fui eu.
-Olha, eu não acredito em espíritos.
-E quem disse que eu sou um?, Sou uma inspiração.
-Então você deveria ser mulher!
-Você acha?
-Sim.
-Por que?
-Porque as musas são femininas.
-Isso porque você não entende nada de musas, por isso precisa de mim.
-Olha, quer saber?, Eu vou voltar a dormir!
-Não, por favor!
-Enchi, cansei, chega. Arranja outro para atrapalhar a vida.
-Ok. Você é quem sabe. Adeus!
..
- Alô, Dr. Paulo? Aqui é o Renato. Acho que vou precisar de uns comprimidos... É, eu ando com problemas de atenção, ando distraído, acho que é outra daquelas crises criativas, tenho dormido demais...
*
Créditos da imagem: http://www.flickr.com/
silver swans, por tombstonesucker
Nenhum comentário