Memórias da Pele. - última parte
Conto de Alex Azevedo Dias.
Pâmela voltou para o apartamento que dividia com a amiga. Apesar da insistência de Rômulo para que novamente morassem juntos, as feridas que ainda não cicatrizaram a impediram de ceder. Ela foi sincera com ele. Disse que ficou muito tocada com sua declaração de amor, mas não poderia retornar.
Uma lágrima contida deixou-se notar, de viés, bailando na pálpebra inferior. Do fundo do seu coração, Pâmela abominava a ideia de sair da casa de Rômulo. Mas estava com uma nova vida em construção, num lugar longe dali. Também temia que as mágoas se repetissem. Não acreditava que seu amado não fosse mais inventar outro incômodo para motivar o rompimento da relação. Da primeira vez, alegando inconformismo pelo excesso de amizade e decréscimo da paixão, comportou-se estranhamente, culminando na saída de Pâmela. Rômulo quase não a percebia mais pela casa. Tornou-se indiferente, insensível.
Depois de tanto tolerar seu afastamento emocional, Pâmela chegou ao limite do suportável. Numa noite, ao voltar do trabalho, Rômulo teve uma surpresa: Todos os pertences dela foram empacotados. Bagagens e malas arrumadas no canto da sala. Ele tentou impedi-la de sair. Já era tarde. Pâmela preparou tudo com antecedência. Até um emprego tinha conseguido em outro estado. As coisas estavam ajeitadas, inclusive já havia combinado com uma amiga para dividir o apartamento.
Rômulo ficou estatelado perto da porta ao se deparar com Pâmela de saída. A transportadora estava à sua espera. Dois homens entraram para pegar as coisas e levá-las ao pequeno caminhão que os aguardava. Rômulo ainda tentou segurá-la pelo braço. Pâmela se virou, apenas o olhou e disse: "Que fique bem claro que você me abandonou antes. Eu só estou saindo de sua casa porque você já tinha ido embora há muito tempo. Só o que restou foi seu corpo. Já sua alma, não estava mais aqui comigo.". E seguiu até o caminhão, sem mais olhar para trás nem permitir que Rômulo dissesse uma única palavra de despedida.
Aos trancos e barrancos, eles seguiram suas vidas. Apesar da falta que sentia, Pâmela conseguiu se adaptar aos novos ares sem maiores problemas. Rômulo manteve a mesma vidinha de sempre. Mesmo tendo esfriado com ela, desinteressando-se do calor da cama, com a ausência da mulher sua tristeza só denunciou o amor que ele acabou desprezando.
Após o reencontro, a despedida de Pâmela já não foi tão traumática. Os dois não se separaram. Ela apenas não quis voltar a morar com Rômulo. Eles combinaram se rever semanalmente. Mas Pâmela não pôde voltar tão cedo a visitar Rômulo por causa de trabalho. Já ele, foi duas ou mais vezes ao outro estado visitar a amada. Ele ficava hospedado num hotelzinho próximo. Não se instalava na casa dela por conta da privacidade da amiga.
Um período de três meses passou sem que um não tivesse notícia do outro. Rômulo também ficou preso por excesso de trabalho. Pâmela apenas disse que sua saúde estava um pouco abalada e, por isso, não viajaria. Ele, preocupado, mas também impedido de viajar, telefonou diversas vezes, sem receber nenhuma resposta. Sempre que ligava, a amiga atendia. Ele perguntava sobre a saúde da amada, e apenas ouvia a recomendação para que não se preocupasse, que estava tudo sob controle.
Os problemas de saúde se agravaram. Náuseas insistentes, tonturas, vertigens e vômitos recorrentes. O diagnóstico foi fechado, mas ela não o admitiu. Um misto de alegria e tristeza dominou a mente e o ambiente ao redor de Pâmela. Embora não quisesse acreditar, tinha que se cuidar. Apesar de amá-lo, não queria voltar a morar com Rômulo, não queria se iludir e se magoar novamente. Uma angústia a consumiu. Sua condição não lhe permitia muitas escolhas.
Descobriu seu estado um mês depois da última vez que estiveram juntos. Pâmela demorou dois meses para tomar a iniciativa de contar a Rômulo. Ela sentou-se com cuidado numa cadeirinha de balanço, olhou para o seu ventre e se perguntou: "E agora?". Afagou sua barriga ainda sem o formato da gravidez, sorriu, inclinou a cabeça para trás até encostá-la na parede, fechou os olhos e adormeceu.
(...)
- Alô... Rômulo?
- Pâmela, meu Deus! Por que não atendeu meus telefonemas? Sua amiga só me dizia para que eu não me preocupasse e nada mais.
Alguns segundos se passaram sem que ela nem ele dissessem uma única palavra. Rômulo, que esperava resposta, sem obtê-la, cortou o silêncio, prosseguindo:
- Mas me conte... Por que voltou a me ligar? Você sabe que eu não pude ir aí por causa do volume de tarefas que tive que cumprir no trabalho. Mas já estava aflito por não mais falar com você. Até a sua casa não é uma viagem rápida. Não deu pra me afastar daqui. Planejo ir até aí no início do mês que vem.
Angustiada, mas sem querer revelar o real motivo de tal sensação, Pâmela tentou amainar o tom desesperado que Rômulo imprimia à conversa:
- Me desculpe, meu querido. Não foi por mal. Estive meio adoentada. Quase não saía da cama. O trabalho em excesso me sacrificou muito. Estava sem forças.
- Eu soube que você estava doente. Perguntava para sua amiga sobre sua saúde, mas, como já disse, ela só dizia para eu não me preocupar, que tudo corria bem e tal. Mas como você está? Melhorou? O que foi que a deixou tão mal?
Pâmela novamente emudeceu. Resistia em revelar a verdadeira causa de seu afastamento e o motivo daquela ligação depois de três meses distante. Antes de contar tudo a Rômulo, quis sondar se ele ainda a amava o suficiente para tê-la outra vez ao seu lado, ou se o desejo de viver de novo com ela não era apenas fogo de palha:
- Estou bem agora. Andei pensando muito sobre nós dois. Você ainda quer que eu volte a morar com você?
- Claro que sim! É o que mais quero! Você vem quando? Quer que eu vá buscá-la? Conheço um profissional daí do seu estado que pode trazer todos os seus pertences para cá. É de confiança.
- Sei que eu o amo muito... E agora o amo muito mais.
- Eu também te amo! Me desculpe por ter sido grosseiro com você em outras épocas. Posso garantir que isso jamais se repetirá.
- Rômulo... Eu não vou sozinha. Tem alguém aqui que vai junto comigo...
- Como assim?
Pâmela respirou fundo, concentrou-se e finalmente falou com a voz meio embargada:
- Tem uma pessoinha aqui comigo, na minha barriga. Alguém muito importante. É o seu filho, meu querido.
Rômulo estremeceu. Não esperava tal notícia. Nunca se imaginou como pai. Como seria criar um filho? Um leve arrepio dissolveu suas referências por alguns instantes. Perdeu o chão. Quase desfaleceu. Uma explosão de alegria reprimida o fez responder à futura mãe do seu filho de forma rude:
- Você desaparece, rejeita voltar a morar comigo e só me procura porque engravidou e quer alguém para te ajudar a criar seu filho e sustentá-la. Que absurdo!
Pâmela, diante de tais palavras amargas, inesperadas, empalideceu. Ficou perplexa, sem reação. Começou a soluçar nervosamente e acabou desabando num choro convulsivo.
Rômulo se arrependeu do que disse. Ficou ainda mais tenso, procurando uma maneira de acalmá-la, de convencê-la que seria um pai amoroso, e que só não a amava mais do que tudo porque teria um filho para amar ainda mais.
- Ai, Pâmela... Me desculpe, por favor. Eu não quero te perder, jamais. Muito menos agora. Foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida: Ter um filho com a mulher que eu amo. Eu reagi de forma estúpida porque tive medo. Fiquei feliz, mas a falta que senti de você juntamente com a notícia de sua gravidez contada de modo tão repentino, tudo isso me assustou, me pegou desprevenido. Eu te amo e já amo muito o nosso filho!
Gradativamente, Pâmela recuperou a tranquilidade e parou de chorar. No instante em que Rômulo foi ríspido com ela, quais bater o telefone na sua cara, responder com ódio, com uma mágoa acumulada, mas a maternidade que já dominava seu corpo a sensibilizara. A doçura com que ele se explicou, pediu seu perdão e se declarou para ela e para o filho, a fez compreender e esquecer o primeiro impacto, impressão negativa inicial.
- Agora somos uma família, meu amor! Somos uma família...
- Nunca mais vamos nos separar. Nunca mais... Somos um, somos três, somos o amor.
Uma semana e meia depois, Pâmela voltou a morar com Rômulo. Ele negociou a venda de sua casa com um corretor amigo seu e providenciou um lugar mais espaçoso, com mais quartos, um amplo quintal com árvores frutíferas e uma varanda aconchegante com borboletas, pássaros cantarolantes e um jardinzinho florido com petúnias e azaleias.
O casal não se desgrudou mais. O barrigão cada vez mais avantajado não a impedia de realizar as fantasias de Rômulo. Eles se divertiam muito pela única posição que Pâmela podia ocupar na cena sexual. Ele adorava aquele enlace selvagem que apelidava de "acasalamento feroz".
Nasceu uma menina que foi batizada de Helena, a luz brilhante que representava o sentimento dos seus pais, uma luz que nunca mais se apagou. Com o passar dos anos, Pâmela e Rômulo tiveram mais dois filhos, Igor e Inês. Eles não deixaram de ser amigos, bons amigos, como temia Rômulo, mas além disso, sempre grandes parceiros e eternamente apaixonados...
Fim.
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