I Concurso Literário Benfazeja

Homo Specialis





Estava saindo do trabalho e conversava com algumas colegas. Uma delas contava que, agora, e conforme um aviso colado à porta, um dos elevadores do prédio era destinado ao “público especial”, sem especificar quem seria este. Eu brinquei: "Opa, vou usar então!' Uma das colegas me olhou, estupefata: "Você se acha especial"? Respondi: "Lógico! Você não"?

Silêncio. Mais silêncio ainda. Não havia nada que denunciasse que "sim", envoltas num pensamento proposto por mim, elas talvez se achassem especiais. Ao contrário, todas elas ostentavam contra mim um olhar ameaçador de quem se entende como participando de um grupo disforme de massas carbônicas sem qualquer individualidade e eu seria o indivíduo (como ouso?) pensando que sou algo particular.

De acordo com o dicionário Caldas Aulete, "especial" é adjetivo de dois gêneros e significa "aquilo que não é geral, mas específico, particular".

Não sei exatamente se em função de um sentimento humano natural de inserção social ou se em virtude de um movimento histórico (aliado ao mecanicismo das atividas laborativas, que passou a colocar os indivíduos em um processo de fabricação fordista, hoje sistematizado em todas as atividades, desde as mais básicas até as mais sofisticadas), considerar-se um indivíduo e exercer esta particularidade ousando encarar este fato como insólito torna-se algo digno de desprezo.

O fato é que achar-se especial talvez seja crime para uma sociedade que, embora tão ligada aos sentimentos mais individualistas (e egoístas), não é capaz de ver no indivíduo um valor intrínseco.

E é disso que falo. "Indivíduo" e "individualismo" são conceitos distintos. Pensar que somos o resultado de um universo infinito de probabilidades e que estamos vivos e auto-pensando-se nessa existência improvável deveria nos fazer sentir, ao menos, o resultado feliz de uma incerta hipótese.

Eu me sinto especial por estar viva. Estou cercada de meu mundo e de pessoas nesse mundo, o que me faz ter relevância enquanto espécie geral - e obviamente me insiro num mundo tendo noção de minha responsabilidade social-, mas nem por isso me acho desimportante enquanto ser. E é disso o que trata essa perplexidade em forma de texto.

Então me surpreende que dar-se o valor seja tão pouco para a maioria das pessoas. E talvez devamos pensar, como sociedade, se o nosso atual estágio de barbárie não vem exatamente daí: deste sentimento que nos é vendido da desimportância do indivíduo, da vida, do outro. Vamos pensar nisso?







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