I Concurso Literário Benfazeja

Das histórias que escrevemos




Às vezes, uma história começa assim:

Era uma vez um príncipe, desencantado, de coração endurecido e sufocado, que vivia entre uma aventura e outra, tentando deixar de ser dor. Enquanto perseguia corações vazios, sua vida se desfazia na solidão de quem não se ajusta ao outro e parte em uma direção qualquer, conduzido pelo desejo de chegar a lugar nenhum, além de si mesmo. O príncipe aprendeu a ser só, por isso, nunca ficava.

Do outro lado, em uma provável fronteira de impossibilidade, vivia uma moça sem jeito para ser da realeza, muito desiludida e perdida, que tendo a alma consumida por romances frustrados, corria pela vida com os pés descalços segurando nas mãos o seu coração amedrontado e partido, desejando no silêncio das suas estratégias de fuga (sempre falhas), entregá-lo a qualquer um que soubesse o que fazer com ele. Da sua imprudência, nasceria talvez uma esperança miúda, capaz de alinhar o sentido de alguém tão perdido que se desgoverna sozinho, enquanto tenta a duras penas sobreviver a uma indesejada desilusão. A moça não sabia ser só, por isso, nunca ficava.

Parênteses: Uma reflexão...

Das contradições nascem grandes histórias, mesmo quando confrontam a realidade ou as nossas escolhas. Portanto, existe certo ou errado para as coisas abstratas que o coração cultiva? Saber ser só é uma verdade imposta ou uma consequência? Não saber ser só é uma condenação ou um livramento?

Pois é. Cada um a seu modo não ficava. Mas ardia no peito uma necessidade de pertencimento. Pertencer era a meta, uma espécie de direcionamento. Contudo, pertencer, fazer parte de algo ou da vida de alguém, é um caminho que se abre a partir de uma tentativa. Eles tentavam, todos os dias. E na enésima tentativa, um encontro inesperado em um jardim qualquer (de flores artificiais), que inspirou conversas longas e despretensiosas, em horas incertas, desencontradas dos ponteiros do relógio do tempo. E da tentativa, uma vontade compassiva de estar no outro, fazendo florescer no coração das duas almas inglórias o sentimento abrasador e ao mesmo tempo tranquilizante, conhecido como amor. Um amor desajeitado entre os dois desajustados, que doíam por todos os lados, que não sabiam distinguir o prazer da companhia do prazer da solidão. E depois de tanto desencontro, o príncipe desencantado e a moça sem jeito para ser da realeza se encontraram, unidos pela fé que move os que vivem a suspirar pelos cantos, sem perder a fome de viver uma história, enquanto se refazem e esperam por dias melhores. Foi assim, apesar das tentativas frustradas e dos desacertos; apesar de todos os pesares que moravam nas entrelinhas dessas duas vidas, que a história teve enredo. E teve enredo porque é da vontade que nasce a oportunidade. E o amor, também.

E você, caro leitor, no auge da sua expectativa por uma grande história, deve estar se perguntando por que escrever algo tão fora de contexto e pouco verossímil. Eu, sem grandes ideias, mas com alguns ideais, respondo que não sei. O que sei é que há histórias que nascem sem intenção alguma. Outras nascem da impossibilidade. Outras ainda da força que mora no empenho. Há histórias que contrariam circunstâncias, unindo pessoas improváveis. Histórias que se desenvolvem a partir de tropeços individuais e que, na tentativa de cura, transformam-se em um grande tropeço em dose dupla. Há histórias que não evoluem, porque se tornam surreais demais para a falta de imaginação da realidade. O que sei é que nunca começamos uma história sabendo onde queremos chegar. Começamos, apenas. E se isso é uma promessa de dias melhores, somente o tempo será capaz de nos dizer...

O que sei é que uma história de amor é a expectativa da maioria. Mas sobre o amor especificamente, eu sei pouco. Porém, compreendo que a sua natureza é outra, bem diferente da minha, bem diferente da nossa. Somos rasos demais para compreender a sua profundidade. Confusos demais para compreender a sua simplicidade. A essência do amor é o sublime, propriedade das coisas que transcendem. E a sua grandeza, inalcançável para a nossa razão prática e imediatista. Mas sei que o amor pode ser, sem dúvida alguma, uma escolha consciente, nascida da vontade de se ter uma vida menos superficial e fragmentada. Amar alguém é uma escolha, e isto eu sei.

O que sei é que qualquer um de nós pode se encaixar no perfil desses personagens inventados. E sei, porque carregamos no peito uma vontade latente de viver uma grande história que, às vezes, por razões diversas, não realizamos. Rabiscamos histórias incompletas, desencontradas dos nossos sonhos mais secretos, mas, compomos uma história, a nossa história. E são as histórias pessoais que atribuem verdade à realidade, ainda que sejam histórias desconhecidas ou invisíveis; ainda que sejam histórias improváveis; ainda que sejam histórias sem grandes vitórias. O que sei é que há possibilidade, mesmo quando lidamos com essa incerteza que dá o tom ao ato de viver. Sei que das contradições nascem alguns afetos. Sei que não há tempo certo sem o contratempo; acerto sem o desacerto; entendimento sem a intervenção da dúvida. Sei que não existe a consciência de que estamos no lugar certo, sem conhecermos alguns lugares errados. Que não desdobramos uma esperança esquecida no fundo da gaveta, sem nos dobrarmos às incertezas da vida. E que não há felicidade possível, sem descobrirmos a identidade da tristeza. É assim que escrevemos uma história e o que somos é o resultado daquilo que aprendemos com a própria vida.



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Créditos da imagem: (pode deixar que eu preencho isso)

para o AMOR, por Benjamim Vieira

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