I Concurso Literário Benfazeja

Jack e Brigitte, um amor que não se conta*




{Mentir}
É dizer e querer engolir o que foi dito quando se entende que é necessário dizer algo só para a pessoa pensar que aquilo em questão é o que se pensa e sente Essa coisa desse jeito Essa coisa que perturba a alma ao mesmo tempo em que acalma o indivíduo Dizer mesmo que isso não seja exatamente o que se pensa e sente Como se em pensar e sentir existisse
exatamente
Dizer algo como se isso fosse disfarçar o que não pode ser dito
(Apenas sinta.
Permita-se.)
Queria apagar aquela última mentira que eu disse Aquela que dizia não querer quando o que não podia mas queria ser dito por razões que os leitores agora descobrirão era outra coisa
Coisa muito mais positiva afirmativa incisiva
Sentimento


Meu nome é Brigitte, mas não sou Bardot.
Há algum tempo esperava a vinda de Jack, que não é Daniel’s.
Jack chegou.
Mas trouxe uma enorme bagagem; não dá pra ele ficar. Não cabe. Jack precisa ir embora e depois,
voltar
sozinho.
Por isso, continuo a esperar.

{Esperar}
Esperar é uma arte.
Eu sou artista.

Sou uma pessoa deste mundo. Jack também.
“We skipped the light fandango…”
Sei lá o que vem depois na letra — só sei que tem muito a ver com a gente essa tal coisa de pular o “light fandango”. Nunca entendi. Não entendo direito o que essas pessoas cantam. Eu queria mesmo era que Jack me cantasse.
Sabe como?
Queria coisa do tipo “vem cá minha preta”. Não. Essa coisa de “me joga na parede e me chama de lagartixa” eu não quero porque tenho o maior nojo desse bicho e acho que mulher não é pra ser jogada na parede. No máximo na cama. No sofá…
Então quero que ele me chame de “minha preta”.
“Minha preta, vem cá que vou te dar um cheiro.” E depois, pode dizer: “Gostosa!”
Ah! Um cheiro... Adoro o cheiro de Jack. Putz!
Você me entende?

Aconteceu. Foi assim, sem querer.
Saí. E lá estava ele. Ele e sua pele morena, seu sorriso, seu olhar.
Na verdade, eu já o conhecia havia muito tempo, porque há muito tempo o procurava e o destino escreveu que havíamos de nos encontrar naquele lugar e agora tenho que vazar meu coração porque mil torneiras se abriram e se não drená-las, as palavras me afogarão.
Palavras de Dostoiévski.
Amém.

Então aqui vai:
{A drenagem}
O sorriso dele me tocou primeiro, naquele dia quente de inverno tropical. Depois vieram a fala, o toque amigável e o cheiro.
Descobrimos coincidências e então veio o grande momento: O abraço acompanhado de uma declaração. Inusitada. No restaurante. Ele — a dizer — como quem quer nada. Eu — a ouvir — como quem espera nada.
A vontade de estar junto juntou-se foi com minha dúvida. Estaria ele com a mesma intenção? Poderia eu esperar?
Desconfiei.
A bagagem.
Senti que ali, naquele peito, havia algo além de o que eu esperava. Pior: Havia algo que não era para mim; havia um amor. Cheguei a perguntar:
— Você tem alguém?
— Não.
Não acreditei.
Seguiram-se noites, encontros, conversas. O desejo a aumentar. Mas aquele amor ainda estava lá, no peito dele— algumas vezes se escondeu atrás de um delicioso “estou doido pra te ver”. Outras vezes foi disfarçado por um “adoro esse…”
Ah, Jack! Vem sussurrar mais no meu ouvido. Vem conversar comigo. Vem me chamar de “minha preta!”. Vem?
Quero deixar para trás o momento em que aquele amor se expôs cruel, impiedoso, a me partir o coração.
E tudo isso, Jack, porque eu sei que há algo escrito. Mas, sobretudo, sei que ainda vamos escrever, compor, recompor. Porque amor não tem essa coisa de ser O primeiro, grande, amor, que vem, antes, do segundo, do terceiro…
Amor é único e, portanto, sempre primeiro. E por ser bom, jamais impedirá outros de serem escritos.

Como sou artista, resolvi esperar para escrever
esta história
sobre/com
você.
{o amor que não se conta}

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You're so fucking special, Jack!
Eu te espero.

Um beijo,
Sua preta, a Brigitte que não é Bardot.

*Vive-se.

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