I Concurso Literário Benfazeja

Alguns passeios pelos bosques da ficção, de Umberto Eco (parte 2)


Teoria literária, por Rosane Tesch.

“todo texto é uma máquina preguiçosa pedindo ao leitor que faça parte de seu trabalho”



Assim como o autor muitas vezes pode não ser “absoluto” em sua obra, este pode estar fora dela, o leitor (receptor) pode não estar inserido no contexto a que se destina a obra, o que geraria um choque de resultado não satisfatório. Muitas vezes deve-se partir do pressuposto de que cada obra tem uma pretensão e é a partir dela que devemos atuar. Umberto Eco cita Ítalo Calvino e parte da dualidade rapidez e demora numa narrativa, aos quais eu substituiria por narrativa sintética ou analítica, sendo para tanto necessário desconsiderar o significado gramatical (português) de ambas; sintético seria o excesso de lacunas e analítico o excesso de explicações, às vezes, desnecessárias. Em ambos os casos, o papel de complementar ou interpretar as mensagens compete ao leitor: “todo texto é uma máquina preguiçosa pedindo ao leitor que faça parte de seu trabalho”. É então que Eco equipara o leitor a um lobo (de preferência o das fábulas) mas o aproxima mesmo é do bicho papão.

Será que se tentássemos não afastar o autor de seu papel, omitindo-o ou considerando-o como “aquele que conduz a mensagem”, uniríamos as pontas do triângulo?

Talvez assim seja possível explicar, ou melhor, especular, a que fenômeno se atribui a transcendência de determinadas obras e autores, considerando o espaço-tempo de sua origem e permanência.

Citarei como exemplo o livro bíblico (Torá) e a atribuição a um autor supremo (Deus) cujos autores reais teriam sido “inspirados”, consolidando uma obra de cunho universal. Segundo os estudos cabalísticos (cabala – ensinamento místico do judaísmo) existem quatro níveis de interpretação possíveis para a Bíblia. Qualquer pessoa que já tenha lido algum trecho, percebe a simbologia contida nas escrituras e a abundância de metáforas que pode levar a inúmeras interpretações, mas que são sempre conduzidas a um núcleo: Deus. Assim, a evidência está sempre no autor, muito embora se até hoje os ensinamentos litúrgicos são conduzidos é porque os receptores estão perpetuando a obra. 

A constatação da importância do destinatário ao se conceber uma obra é o que faz do autor um elo entre obra e público. E é o tipo de receptor que se pretende alcançar que determina a forma com que se vai apresentar a obra. O próprio Eco utiliza o termo “bosque” como parte do título (“tolo”, segundo o autor) que necessita ser interpretado. Mas, e se ele não tivesse a chance de explicar? (ou) O que acontece com aqueles que não tiveram acesso a sua explicação? Pressupõe-se que o público a que se destina sua obra pode compreender a metáfora sem distorcê-la. E se não puderem? O que o levou a escolher “The name of the rose” como título para um romance que trata de religião e poder, morte e literatura? Sabendo da complexidade em que o romance é apresentado, podemos supor a quem ou a que público se destina. Pensando sobre a entrada no bosque... Se, às vezes, o narrador quer nos deixar livres para imaginarmos a continuação da história, devemos (leitores) seguir o “modelo” proposto para assim entrarmos num caminho de compreensão das ideias, ou então nos perderemos no ‘bosque”, como acontece com David Livingstone.

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Um comentário:

  1. Redação Inquieta, de Gustavo Bernardo e Seis propostas para o novo Milênio , de Ítalo Calvíno são dois livros que tratam de forma bem aprofundada acerca dessas questões. Além de discorrerem sobre formas e conteúdo. Quanto à análise e interpretação, as subjetividades entrecruzadas autor/leitor, são um imbróglio no meu entender, já que depende muito do conhecimento , especialmente do leitor. Não há, creio, necessidade de ele "entender" o que o autor quis dizer, mas saber posicionar-se diante de um tema, mesmo que sua interprretação vá de encontro ao próprio tema. Isso é um debate interno que se trava com a leitura. Positivo, portanto. Gostei muito dessa abordagem. Abraços. Paz e bem.

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