Introspectus - Parte 1
Conto para a seção Fantásticos, por Cláudia Banegas.
"Minha memória devia ainda estar comprometida..."
Às vezes minha memória me trai, mas não pelo fato de que eu não me lembre de algo ou de alguém em especial, mas sim porque me obriga a lembrar de coisas que eu quero esquecer.
Tudo começou a mudar num dia cinzento, chuvoso e triste...
Era inverno e eu me sentia terrivelmente só. Um grande vazio inundava o meu peito causando em mim uma contradição. Como poderia estar meu interior tão oco se estava tão cheio de vazio?
O vazio entrara na minha vida não fazia muito tempo; na verdade, ele foi bem rápido em entrincheirar-se, enraizando-se, tomando forma, dominando o máximo que podia, sempre em curto prazo.
Conheci outros como eu, muitos outros... eles ainda estão por aí, espalhados pelo mundo afora, arrastando-se numa vida escrava, sentindo-se impotentes diante de uma força que não compreendem.
Olhei pela janela e vi que a chuva forte parecia querer entrar no meu quarto. Em meio aos lençóis, estava agasalhada e protegida. Ainda havia o calor de uma imponente lareira. O tempo parecia não existir enquanto minha mente trabalhava vagarosamente, entorpecida por um resíduo de dor. Verifiquei meu braço e notei uma pequena marca roxa que parecia ter sido causada por uma agulha. Suspirei fundo sem ter idéia do que ainda me aguardava.
Estava cansada de sempre me perguntar como fugir de algo do qual não posso me esconder, afinal o vazio estava em toda parte e parecia que o ar estava impregnado por ele; é como uma doença com a qual se é obrigado a conviver. Quando somos alcançados por ele, nos envolve totalmente, nos tornamos infectados.
No momento, eu não via cura para o meu mal; não no meu caso. Quem sabe alguém, em algum lugar, tenha alcançado a liberdade? Um fio tênue de esperança teimava em sobreviver dentro de mim, apesar de nunca ter ouvido falar que tal situação tivesse acontecido.
Meus devaneios foram interrompidos quando a porta do quarto se abriu. Uma mulher de aspecto franzino surgiu. Estava muito bem vestida e dirigiu-se a mim sentando-se à beira da cama:
_ Sente-se melhor? Ainda confusa?
Antes que eu pudesse formular uma resposta, ela se apresentou:
_ Meu nome é Lyria e a partir de hoje sou responsável por você. Ao sair do hospital, você nos foi trazida por pessoas especiais, que se preocuparam com seu estado e querem que melhore.
Minha memória devia ainda estar comprometida, porque eu não conseguia lembrar de nada; minha mente estava vazia.
_ Desculpe, eu não entendo...
_ Não se preocupe com nada, sua memória voltará com o passar to tempo. Saiba que estará muito bem entre nós e há um futuro promissor à sua espera.
_Mas... como eu fui parar em um hospital? E quem são as pessoas que me trouxeram para cá? Que tipo de lugar é esse, afinal?
_Vejo que tem muitas perguntas...ótimo, é curiosa, isso é bom...! Bom, vejamos...você foi desenganada pelos médicos porque tentou o suicídio, ao que parece. Ingeriu muitos tranqüilizantes, acho que foram várias cartelas. Você ficou muito mal chegando à beira da morte, mas naquele hospital temos várias pessoas que trabalham para nós, que pertencem à nossa Ordem e uma delas - uma enfermeira - viu que você tinha um potencial espiritual muito grande e falou conosco a seu respeito. Eu pessoalmente fui ver seu estado e constatei que realmente sua condição não era nada boa, mas minhas ordens eram para que tirasse você do coma e restaurasse suas condições. Foi o que fiz. No dia seguinte trouxemos você para cá, portanto esta casa agora é o seu novo lar. Você experimentará algo que nunca imaginou e verá como é bom ser... digamos, diferente!
_ Agradeço muito o que fizeram por mim, especialmente você... mas eu realmente não tenho como pagar tudo isso. Não vou poder ficar...
_ Não se preocupe, sua fidelidade à nossa causa será o nosso pagamento; sua dedicação e esforço serão suficientes. Agora, levante-se e vá se vestir, não podemos nos atrasar. Belthar nos aguarda. – disse Lyria levantando-se.
Sobre a cama vi uma túnica comprida, preta, com mangas largas e ao lado dela, uma corda branca, parecida com um cinto, com borlas nas extremidades.
_ Quem é Belthar?
_ Ele mesmo se apresentará a você. Vamos, não se demore...- disse, me dando a entender que a conversa tinha terminado.
Saí da cama lentamente, ainda sem entender exatamente tudo o que estava acontecendo comigo. Notei que o quarto onde eu estava era bem espaçoso e ao lado da cama havia um grande tapete vermelho com detalhes em negro e dourado, assim como toda a decoração. Procurei evitar meu reflexo no espelho, pois sabia que minha aparência não estava muito agradável.
Arrumei-me da melhor forma possível, colocando a túnica e amarrando a corda na cintura. Observei que por dentro da veste havia um forro de cor púrpura, acetinado. Estava confusa e não conseguia pensar com muita rapidez, talvez ainda afetada pelo que quer que tenham injetado em mim, o que não ousei perguntar.
Lyria me aguardava do lado de fora e me olhou da cabeça aos pés, quando saí, me analisando. Eu ainda não sabia, mas ali, naquele lugar, qualquer deslize meu não seria propriamente meu, mas o dela, pois era sua responsabilidade agradar ao Mestre, deixando os iniciados à margem da perfeição e isso, com certeza, não era tarefa das mais fáceis.
Seguimos por um grande corredor e dos dois lados haviam quadros enormes pintados a óleo, bem antigos. Não reconhecia nenhuma daquelas figuras por mais que as observasse. Pareciam querer penetrar em minha alma, com seus olhos escuros e frios, mas seria demais da minha parte esperar um olhar acolhedor por parte de uma simples pintura.
Naquela casa os corredores eram diferentes e havia uma corrente de ar que incomodava, e era quase gélida, percorrendo todo o lugar.
“Atravessar corredores, definitivamente, não é meu passatempo preferido.” – pensei.
(continua...)
Tudo começou a mudar num dia cinzento, chuvoso e triste...
Era inverno e eu me sentia terrivelmente só. Um grande vazio inundava o meu peito causando em mim uma contradição. Como poderia estar meu interior tão oco se estava tão cheio de vazio?
O vazio entrara na minha vida não fazia muito tempo; na verdade, ele foi bem rápido em entrincheirar-se, enraizando-se, tomando forma, dominando o máximo que podia, sempre em curto prazo.
Conheci outros como eu, muitos outros... eles ainda estão por aí, espalhados pelo mundo afora, arrastando-se numa vida escrava, sentindo-se impotentes diante de uma força que não compreendem.
Olhei pela janela e vi que a chuva forte parecia querer entrar no meu quarto. Em meio aos lençóis, estava agasalhada e protegida. Ainda havia o calor de uma imponente lareira. O tempo parecia não existir enquanto minha mente trabalhava vagarosamente, entorpecida por um resíduo de dor. Verifiquei meu braço e notei uma pequena marca roxa que parecia ter sido causada por uma agulha. Suspirei fundo sem ter idéia do que ainda me aguardava.
Estava cansada de sempre me perguntar como fugir de algo do qual não posso me esconder, afinal o vazio estava em toda parte e parecia que o ar estava impregnado por ele; é como uma doença com a qual se é obrigado a conviver. Quando somos alcançados por ele, nos envolve totalmente, nos tornamos infectados.
No momento, eu não via cura para o meu mal; não no meu caso. Quem sabe alguém, em algum lugar, tenha alcançado a liberdade? Um fio tênue de esperança teimava em sobreviver dentro de mim, apesar de nunca ter ouvido falar que tal situação tivesse acontecido.
Meus devaneios foram interrompidos quando a porta do quarto se abriu. Uma mulher de aspecto franzino surgiu. Estava muito bem vestida e dirigiu-se a mim sentando-se à beira da cama:
_ Sente-se melhor? Ainda confusa?
Antes que eu pudesse formular uma resposta, ela se apresentou:
_ Meu nome é Lyria e a partir de hoje sou responsável por você. Ao sair do hospital, você nos foi trazida por pessoas especiais, que se preocuparam com seu estado e querem que melhore.
Minha memória devia ainda estar comprometida, porque eu não conseguia lembrar de nada; minha mente estava vazia.
_ Desculpe, eu não entendo...
_ Não se preocupe com nada, sua memória voltará com o passar to tempo. Saiba que estará muito bem entre nós e há um futuro promissor à sua espera.
_Mas... como eu fui parar em um hospital? E quem são as pessoas que me trouxeram para cá? Que tipo de lugar é esse, afinal?
_Vejo que tem muitas perguntas...ótimo, é curiosa, isso é bom...! Bom, vejamos...você foi desenganada pelos médicos porque tentou o suicídio, ao que parece. Ingeriu muitos tranqüilizantes, acho que foram várias cartelas. Você ficou muito mal chegando à beira da morte, mas naquele hospital temos várias pessoas que trabalham para nós, que pertencem à nossa Ordem e uma delas - uma enfermeira - viu que você tinha um potencial espiritual muito grande e falou conosco a seu respeito. Eu pessoalmente fui ver seu estado e constatei que realmente sua condição não era nada boa, mas minhas ordens eram para que tirasse você do coma e restaurasse suas condições. Foi o que fiz. No dia seguinte trouxemos você para cá, portanto esta casa agora é o seu novo lar. Você experimentará algo que nunca imaginou e verá como é bom ser... digamos, diferente!
_ Agradeço muito o que fizeram por mim, especialmente você... mas eu realmente não tenho como pagar tudo isso. Não vou poder ficar...
_ Não se preocupe, sua fidelidade à nossa causa será o nosso pagamento; sua dedicação e esforço serão suficientes. Agora, levante-se e vá se vestir, não podemos nos atrasar. Belthar nos aguarda. – disse Lyria levantando-se.
Sobre a cama vi uma túnica comprida, preta, com mangas largas e ao lado dela, uma corda branca, parecida com um cinto, com borlas nas extremidades.
_ Quem é Belthar?
_ Ele mesmo se apresentará a você. Vamos, não se demore...- disse, me dando a entender que a conversa tinha terminado.
Saí da cama lentamente, ainda sem entender exatamente tudo o que estava acontecendo comigo. Notei que o quarto onde eu estava era bem espaçoso e ao lado da cama havia um grande tapete vermelho com detalhes em negro e dourado, assim como toda a decoração. Procurei evitar meu reflexo no espelho, pois sabia que minha aparência não estava muito agradável.
Arrumei-me da melhor forma possível, colocando a túnica e amarrando a corda na cintura. Observei que por dentro da veste havia um forro de cor púrpura, acetinado. Estava confusa e não conseguia pensar com muita rapidez, talvez ainda afetada pelo que quer que tenham injetado em mim, o que não ousei perguntar.
Lyria me aguardava do lado de fora e me olhou da cabeça aos pés, quando saí, me analisando. Eu ainda não sabia, mas ali, naquele lugar, qualquer deslize meu não seria propriamente meu, mas o dela, pois era sua responsabilidade agradar ao Mestre, deixando os iniciados à margem da perfeição e isso, com certeza, não era tarefa das mais fáceis.
Seguimos por um grande corredor e dos dois lados haviam quadros enormes pintados a óleo, bem antigos. Não reconhecia nenhuma daquelas figuras por mais que as observasse. Pareciam querer penetrar em minha alma, com seus olhos escuros e frios, mas seria demais da minha parte esperar um olhar acolhedor por parte de uma simples pintura.
Naquela casa os corredores eram diferentes e havia uma corrente de ar que incomodava, e era quase gélida, percorrendo todo o lugar.
“Atravessar corredores, definitivamente, não é meu passatempo preferido.” – pensei.
(continua...)
*
Para ler mais contos da autora, clique aqui
Créditos da imagem:
(Sem título), por Virginia Sanderson
Nenhum comentário