O chicletinho
Crônica, por Mariana Collares.
Tudo bem. Ele não me quer mais.
Depois de tudo o que fiz pelo cretino, depois de tanto tempo investindo na relação, depois que veio a celulite e meu corpinho de gazela já beira ao declive....
Depois que os anos e minha juventude se foram com ele, o bonito resolve não saber mais o que sente. Quer um tempo – ele diz.
Choro, velas, nada resolve. Nessas horas, gritar é mais que necessário. O desconsolo é, deveras, absurdo se pensar que ele deve estar com uma “talzinha” imberbe, num fim de tarde, com amigos novos, tomando chopp após o futebol.
Mas tudo bem. Eu agüento.
E na terça-feira, na folga do almoço, saí ás ruas com aquele ar de quem tem um monstro aprisionado e que precisa consumir. O que fazer para me sentir mais humana, mais amada, de volta ao mercado do amor?
A boutique cara é cara demais e nenhuma fossa é capaz de enfrentar o saldo negativo no fim do mês. Já pensou? Mal amada e dura!
Não!
Vamos olhar as liquidações na loja de departamentos.
Camisolas, cintas, espartihos... de jeito nenhum. Ainda mais para quem sabe que vai dormir sozinha uns tempos (e o desgraçado está dormindo num berço... e deve estar bem acompanhado. Bandido!).
Calma.
Tudo vai dar certo... nem tudo está perdido... a vida dá voltas... o mundo gira... o tempo é o melhor amigo... eu me amo... como é que é mesmo??? Já esgotei meu repertório de livros de auto-ajuda e nada de melhorar o astral. Não sinceramente.
Ok. O setor de CDs. Não! Não pretendo ouvir nada romântico, muito menos um som axé alto astral para me deixar irada e de mau-humor. Toda aquela alegria na minha frente... Deus me livre!
Segundo andar. Roupa masculina. Te odeio! Te odeio!
Terceiro. Seção infantil. E ele dizia que queria filhos comigo. Te odeio! Te odeio!
Ah, não... um casal de namorados. Odeio namorados, principalmente quando estão com aquele ar imbecil na face... Onde estão os bons costumes? Como permitem essa gente pela loja, dando beijinhos e risadas entre os cabides??? Ódio.
Perfumes... não.
Moda praia. Não.
O quê? O quê?
Sapatos?
Sapatos....
Sapatos!!!!
Chinelinhos, sandalinhas, scarpins, estamos perto...
Ops... O que é aquilo no fundo da loja?
AH!!!... UMA BOTA NEGRA SALTO AGULHA CANO ALTO TODA DE CORDINHAS DE AMARRAR ATÉ O JOELHO SAINDO DE UM FILME PORNÔ SADO-MASÔ INCRIVELMENTE IRRESISTÍVEL E COM UM PRECINHO... impossível.
Tudo bem. Não vou me privar. Sou filha de Deus...preciso ser feliz...me amo... sou mais eu... serei tudo com esta bota... ela tem que ser minha... ai meu Deus o que faço com o saldo da conta... cheques.
Pré-datados, endividados, até perder de vista, mas tudo por estes pés de cinderela sacana que nenhum príncipe resiste.
Deus, me ajude! Ela tem que ser minha!
Ainda mais agora que ficou fantástica nos pés e a perna ficou linda e o salto me faz parecer Sofia Loren num tubinho negro com fenda lateral.
Ah, se ele me visse agora... O mundo ficou menor daqui de cima. Até me vejo mais corada no espelho e não é que eu ainda estou bem conservada? Meu cabelo, uma chapinha básica, um batom vermelho, o perfume certo e nenhum babaca meia-idade resistirá aos meus encantos.
Quem sabe eu ligue para uma amiga e marque aquela saída básica na night... qual será a boa de hoje à noite?
Chega de dores de cabeça, chega de pizzas que engordam e filmes de vídeo que se sucedem nos fins-de-semana, entre a pipoca e o guaraná.
Apelidei a bota de chicletinho. Já me sinto feliz e completa. Meu pé foi feito para a sua fôrma.
Juntas somos, não mil, mas uma única, imperdível.
Por que chicletinho? Porque chicletinho é um homenzinho tão pequeninho, tão pequeninho, que te vê andando na rua e gruda no cantinho do salto agulha e, a um leve tapinha de dedo minguinho... ele vai embora.
E gruda no chão.
...
Não é o máximo?
***
Depois de tudo o que fiz pelo cretino, depois de tanto tempo investindo na relação, depois que veio a celulite e meu corpinho de gazela já beira ao declive....
Depois que os anos e minha juventude se foram com ele, o bonito resolve não saber mais o que sente. Quer um tempo – ele diz.
Choro, velas, nada resolve. Nessas horas, gritar é mais que necessário. O desconsolo é, deveras, absurdo se pensar que ele deve estar com uma “talzinha” imberbe, num fim de tarde, com amigos novos, tomando chopp após o futebol.
Mas tudo bem. Eu agüento.
E na terça-feira, na folga do almoço, saí ás ruas com aquele ar de quem tem um monstro aprisionado e que precisa consumir. O que fazer para me sentir mais humana, mais amada, de volta ao mercado do amor?
A boutique cara é cara demais e nenhuma fossa é capaz de enfrentar o saldo negativo no fim do mês. Já pensou? Mal amada e dura!
Não!
Vamos olhar as liquidações na loja de departamentos.
Camisolas, cintas, espartihos... de jeito nenhum. Ainda mais para quem sabe que vai dormir sozinha uns tempos (e o desgraçado está dormindo num berço... e deve estar bem acompanhado. Bandido!).
Calma.
Tudo vai dar certo... nem tudo está perdido... a vida dá voltas... o mundo gira... o tempo é o melhor amigo... eu me amo... como é que é mesmo??? Já esgotei meu repertório de livros de auto-ajuda e nada de melhorar o astral. Não sinceramente.
Ok. O setor de CDs. Não! Não pretendo ouvir nada romântico, muito menos um som axé alto astral para me deixar irada e de mau-humor. Toda aquela alegria na minha frente... Deus me livre!
Segundo andar. Roupa masculina. Te odeio! Te odeio!
Terceiro. Seção infantil. E ele dizia que queria filhos comigo. Te odeio! Te odeio!
Ah, não... um casal de namorados. Odeio namorados, principalmente quando estão com aquele ar imbecil na face... Onde estão os bons costumes? Como permitem essa gente pela loja, dando beijinhos e risadas entre os cabides??? Ódio.
Perfumes... não.
Moda praia. Não.
O quê? O quê?
Sapatos?
Sapatos....
Sapatos!!!!
Chinelinhos, sandalinhas, scarpins, estamos perto...
Ops... O que é aquilo no fundo da loja?
AH!!!... UMA BOTA NEGRA SALTO AGULHA CANO ALTO TODA DE CORDINHAS DE AMARRAR ATÉ O JOELHO SAINDO DE UM FILME PORNÔ SADO-MASÔ INCRIVELMENTE IRRESISTÍVEL E COM UM PRECINHO... impossível.
Tudo bem. Não vou me privar. Sou filha de Deus...preciso ser feliz...me amo... sou mais eu... serei tudo com esta bota... ela tem que ser minha... ai meu Deus o que faço com o saldo da conta... cheques.
Pré-datados, endividados, até perder de vista, mas tudo por estes pés de cinderela sacana que nenhum príncipe resiste.
Deus, me ajude! Ela tem que ser minha!
Ainda mais agora que ficou fantástica nos pés e a perna ficou linda e o salto me faz parecer Sofia Loren num tubinho negro com fenda lateral.
Ah, se ele me visse agora... O mundo ficou menor daqui de cima. Até me vejo mais corada no espelho e não é que eu ainda estou bem conservada? Meu cabelo, uma chapinha básica, um batom vermelho, o perfume certo e nenhum babaca meia-idade resistirá aos meus encantos.
Quem sabe eu ligue para uma amiga e marque aquela saída básica na night... qual será a boa de hoje à noite?
Chega de dores de cabeça, chega de pizzas que engordam e filmes de vídeo que se sucedem nos fins-de-semana, entre a pipoca e o guaraná.
Apelidei a bota de chicletinho. Já me sinto feliz e completa. Meu pé foi feito para a sua fôrma.
Juntas somos, não mil, mas uma única, imperdível.
Por que chicletinho? Porque chicletinho é um homenzinho tão pequeninho, tão pequeninho, que te vê andando na rua e gruda no cantinho do salto agulha e, a um leve tapinha de dedo minguinho... ele vai embora.
E gruda no chão.
...
Não é o máximo?
***
(Texto extraído do livro DEVANEIOS LITERÁRIOS, 1ª Edição, Ed. Bookess, 2010, disponível em http://www.bookess.com/read/5947-devaneios-literarios/)
Blog Pessoal: www.devaneiosliterarios.blogspot.com
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Créditos da imagem:
Bota Sexy, por Thadeu Martins
Concordo com o Rommel! O fluxo de consciência na personagem, interferindo em suas ações, cria uma imagem bem viva da situação. O uso desse recurso tornou o leitor um chicletinho da personangem! Parabéns, Mariana, você manda bem nesse gênero! Beijos
ResponderExcluirRespondendo no reply, respondendo na caixa embaixo ou eu-sei-la que o Well inventou por aqui, o fato é que agradeço, de coração, por todos os comentários. Super beijo em todos! Sucesso pra nós! ;)
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