Marca a página e fecha o livro
Conto, por Wellington Souza
"Queria olhar o sol da tarde quente, mas ele está sobre as nuvens."
Senta-se e abre o livro.
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Marca a página e fecha o livro.
Sai do quarto, atravessa a sala até a cozinha, enche um copo com água da torneira. Agora pouco importam as impurezas e precipitados. Na mesa de centro da sala havia ainda quinze, dos vinte Diazepans da cartela. Leva mais um à boca, seguido de um gole de água; mais um e outro gole, mais um e outro gole, mais um e outro gole, mais um e outro gole, por fim o derradeiro e devolve o copo à mesinha. Conta 3:23 horas no relógio de ponteiro.Volta à escrivaninha, senta e coloca café, que está forte, sem açúcar e não mais quente, na caneca de louça. Bebe de uma só vez. Escreve: “Já no avião/ sem volta e aflito/ olha para os lados/e seus colegas pularam/ e agora é a sua vez./ Pula./ é mágico o vôo liberto/ o forte vento é mágico/ o mundo, enfim sob ele/ é mágico./ Puxa a corda do pára-quedas:/ Da sua mochila saem panelas/ talheres/ conchas/ toalha de mesa/ cesta de piquenique/ um botijão de gás pequeno./ Atônito,/ele olha para o desenhista!”. Sente uma tontura, de onde sai o título: “Morte animada”.
Deixa de lado o rascunho. Abre o livro, não consegue focar as palavras com clareza. Mesmo assim segue lendo.
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Suas pestanas estão pesadas. Não agüenta mais o sono, para não dizer o efeito da droga. Marca a página e fecha o livro. Tenta levantar-se. Apóia na escrivaninha, mas seus braços logo cedem ao peso do corpo. O direito se flexiona batendo o cotovelo e desliza, deixando o rascunho, canetas e lapiseira caírem no chão. Bate a testa na madeira, mas o impacto é leve. Volta a sentar, já sem forças no corpo, inerte. Tenta respirar, mas encontra dificuldades. Abre a boca e um filete de baba mancha o livro. Está ofegante, como que se afogando no ar.
Pensa em tomar a última dose para remediar o fim da tortura. Levanta abruptamente e cambaleia até a cama, onde o tronco e os membros superiores conseguem chegar, mas os inferiores não. Desmaia, então, com metade do corpo na cama e um braço, o resto está ou suspenso ou no chão.
Sem animação, passará nessa posição quase dois dias.
Acorda numa tarde que não reconhece, com dúvidas sobre sua identidade e seu meio. Forte dor de cabeça e de barriga. Deita na cama e olha para o teto. Nada lhe vem à cabeça. Calcula se conseguirá andar, mexendo a perna. Senta-se e vê uma mancha de saliva na cama. Levanta escorando nas paredes e escorado chega até a cozinha. Prepara um copo de água com sal e segue, assim, até o banheiro. Bebe a água e vomita uma bile amarela, seguido de muitas tentativas que só fazem barulho, mas nada evacuam. Olha o espelho e encara uns outros olhos fúnebres.
Com o pulso bate no espelho, mas sua estrutura está fraca como seu espírito sempre foi. Concentra-se. Inclina o corpo para trás e bate com mais força. Quebra. O machucado no pulso é superficial. Ao arrancar um caco do espelho quebrado fere o dedo. Pega a lasca de espelho e corta um pulso, troca a lasca de mão e faz um corte mais profundo no outro. Perfura novamente o primeiro, já com dificuldades. O sangue tinge parte do banheiro.
Caminha cambaleando até a janela da sala, onde ajoelha e se apóia, deixando os braços para fora. Repousa a cabeça no parapeito. O sangue escorre pelas mãos, pinga lá em baixo onde formará uma pequena poça.
Queria olhar o sol da tarde quente, mas ele está sobre as nuvens.
Inspira. Enfim, não sente mais medo da vida.
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Marca a página e fecha o livro.
Sai do quarto, atravessa a sala até a cozinha, enche um copo com água da torneira. Agora pouco importam as impurezas e precipitados. Na mesa de centro da sala havia ainda quinze, dos vinte Diazepans da cartela. Leva mais um à boca, seguido de um gole de água; mais um e outro gole, mais um e outro gole, mais um e outro gole, mais um e outro gole, por fim o derradeiro e devolve o copo à mesinha. Conta 3:23 horas no relógio de ponteiro.Volta à escrivaninha, senta e coloca café, que está forte, sem açúcar e não mais quente, na caneca de louça. Bebe de uma só vez. Escreve: “Já no avião/ sem volta e aflito/ olha para os lados/e seus colegas pularam/ e agora é a sua vez./ Pula./ é mágico o vôo liberto/ o forte vento é mágico/ o mundo, enfim sob ele/ é mágico./ Puxa a corda do pára-quedas:/ Da sua mochila saem panelas/ talheres/ conchas/ toalha de mesa/ cesta de piquenique/ um botijão de gás pequeno./ Atônito,/ele olha para o desenhista!”. Sente uma tontura, de onde sai o título: “Morte animada”.
Deixa de lado o rascunho. Abre o livro, não consegue focar as palavras com clareza. Mesmo assim segue lendo.
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Suas pestanas estão pesadas. Não agüenta mais o sono, para não dizer o efeito da droga. Marca a página e fecha o livro. Tenta levantar-se. Apóia na escrivaninha, mas seus braços logo cedem ao peso do corpo. O direito se flexiona batendo o cotovelo e desliza, deixando o rascunho, canetas e lapiseira caírem no chão. Bate a testa na madeira, mas o impacto é leve. Volta a sentar, já sem forças no corpo, inerte. Tenta respirar, mas encontra dificuldades. Abre a boca e um filete de baba mancha o livro. Está ofegante, como que se afogando no ar.
Pensa em tomar a última dose para remediar o fim da tortura. Levanta abruptamente e cambaleia até a cama, onde o tronco e os membros superiores conseguem chegar, mas os inferiores não. Desmaia, então, com metade do corpo na cama e um braço, o resto está ou suspenso ou no chão.
Sem animação, passará nessa posição quase dois dias.
Acorda numa tarde que não reconhece, com dúvidas sobre sua identidade e seu meio. Forte dor de cabeça e de barriga. Deita na cama e olha para o teto. Nada lhe vem à cabeça. Calcula se conseguirá andar, mexendo a perna. Senta-se e vê uma mancha de saliva na cama. Levanta escorando nas paredes e escorado chega até a cozinha. Prepara um copo de água com sal e segue, assim, até o banheiro. Bebe a água e vomita uma bile amarela, seguido de muitas tentativas que só fazem barulho, mas nada evacuam. Olha o espelho e encara uns outros olhos fúnebres.
Com o pulso bate no espelho, mas sua estrutura está fraca como seu espírito sempre foi. Concentra-se. Inclina o corpo para trás e bate com mais força. Quebra. O machucado no pulso é superficial. Ao arrancar um caco do espelho quebrado fere o dedo. Pega a lasca de espelho e corta um pulso, troca a lasca de mão e faz um corte mais profundo no outro. Perfura novamente o primeiro, já com dificuldades. O sangue tinge parte do banheiro.
Caminha cambaleando até a janela da sala, onde ajoelha e se apóia, deixando os braços para fora. Repousa a cabeça no parapeito. O sangue escorre pelas mãos, pinga lá em baixo onde formará uma pequena poça.
Queria olhar o sol da tarde quente, mas ele está sobre as nuvens.
Inspira. Enfim, não sente mais medo da vida.
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Créditos da imagem:
dos livros, por Mona Lisa Locks
Excelente, Well. Estrutura narrativa, suspense, descrição, linguagem... impecável! Não há nenhum problema com o final triste, desde que seja verossímil com o desenrolar do enredo. E o seu final é bem verossímil, pois já se anunciava um suicídio antes. Fiquei pensando apenas que o momento em que o personagem acorda com dúvidas sobre a sua identidade e seu meio é bastante sugestivo e daria um bom outro final... (um jogo com a vida e a morte. Estaria vivo ou morto?) Excelente o recurso dos pontos para indicar a leitura (semelhante ao Tristan Shandy e ao Memórias Póstumas do Machado). Gostei muito também do trecho escrito pelo personagem. Parabéns! Abraços
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