I Concurso Literário Benfazeja

O tempo das coisas


Crônica, por Mariana Collares.

"... é preciso entender que as coisas que foram, já deram certo."



O ser humano tem mesmo problemas em compreender a sua condição passageira. Vejo amigos que se separam, depois de anos de relacionamento, dizerem que as “coisas não deram certo”, ou “o relacionamento não deu certo”, ou “pensei que fosse durar pra sempre”.



Primeiro, é preciso entender que as coisas que foram, já deram certo. Mesmo que tenham durado um ano, dez ou vinte. Cada coisa tem um tempo e nesse tempo deu certo e pronto. Se não está mais, ou se modificou a ponto de querer virar outra coisa, isso faz parte, entendam, da vida, que é constituída de dias finitos e fases também finitas. Já o “pra sempre” é algo que não existe nessa vida corpórea e mutável em que vivemos. Como pode algo durar pra sempre se a vida mesmo não dura?

O problema que vejo, então, é essa mania nossa de querermos transformar tudo em “conto de fada”, onde príncipe e princesa sempre “vivem felizes para sempre”. Mas ninguém nos ensinou que depois vêm os filhos, ou kit-família, ou mesmo dívidas, trabalho, viagens, monotonia, tédio mesmo e outras coisas a transformá-los em seres diferentes. Mudança, então, faz parte do nosso existir. A dor, no entanto, é sempre ínsita a cada final de fase. Uma separação, mesmo amigável, dói porque é uma separação. E separar é estranho. Muda tudo. Voltamos a ter a impressão de que estamos sós (quando sempre estivemos, mesmo acompanhados...).

Toda a mudança, então, dá medo porque sempre vem escoltada pelas incertezas. E ninguém gosta de pisar em algo não palpável. Mas isso, vejo, também é questão de ótica porque de palpável a vida não tem nada. Basta um minuto seguinte e um caminhão nos atropela e fim. Nada é certo. Nada é pra sempre. E a vida, depois que passa, sempre foi vivida. Então sempre deu certo.

Sabe, fico pensando que devíamos procurar manter conosco aquela inocência da infância que ensina a começar outra brincadeira quando enjoamos da anterior. A largar um brinquedo e pegar outro, porque o outro é o brinquedo certo que vai nos ensinar a desenvolver o que precisamos naquele exato momento. Mas não. A vida adulta nos transforma em seres paranóicos, tentando segurar a eternidade em nossos relógios de pulso. Aí dá nisso. Relacionamentos findos e seres “derrotados” por acharem que todo o esforço e tempo juntos não serviram pra nada. Ledo engano. Se terminou, é porque já serviu. E agora vem o próprio deus-tempo, em pessoa, nos dizendo pra “recomeçar”.


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Créditos da imagem:
...tempo para pensar..., por Fidalgo Pedrosa

3 comentários:

  1. Interessante seu texto, reflexivo e também furtivo. Julgaria seu pensamento perfeito se não pelo último parágrafo. Não podemos considerar as pessoas como brinquedos que largamos e pegamos quando enjoamos, quando somos criança, agimos como crianças, pensamos como crianças, mas quando se é adulto, deve-se considerar o sentimento alheio, muito embora acredite que o amor gera liberdade e não prisão, se existe amor, existe espaço e respeito mútuo, mesmo que isto seja dar liberdade do outro ir embora.

    Daí, recomeçar é preciso sim. Mas não deixe de pensar em recomeçar com a mesma pessoa.

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  2. Rodrigo, obrigada! É interessante teres feito essa leitura (a do brinquedo) porque absolutamente não foi o que disse. Jamais pensei, ou penso, sejam as pessoas meros brinquedos. Entretanto, também sei que cada texto diz o que cada ser entende. Então respeito tua compreensão dele.
    Falava em verdade da inocência da infância, em que ela (inocência )" ...ensina a começar outra brincadeira quando enjoamos da anterior". Falava em aceitação do tempo que passa e que ensina que cada pessoa que vai, foi porque era a hora. E cada qual que vier, virá porque é a hora. Só. :))

    Muitos beijos e obrigada novamente pelo comentário e pela leitura!

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  3. Compreendi sua intenção... Mas esta 'inocência' não existe mais. Portanto, a poesia assim como a vida não se explica, quando tenta-se explicar estraga. Fiquemos com nossos devaneios literários.

    Cometi o sacrilégio de não lhe dar os parabéns pelo texto.
    Parabéns!
    Kisses...

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