I Concurso Literário Benfazeja

Poemas, por Flá Perez




Flá Perez

Leminski

Lia em seu leito
poesia de Paulo.



Sem perceber que sonhava,
paulatinamente
combinava fonemas

Paulo e Lia
fazendo poemas:
ele ditava,
ela deitada, dormia.

O dia chegou:
- Acorda Lia! Bom dia!

No lençol branco da cama
nem uma linha.




Evolu(vel)ção

Sou um animal
extremamente irracional
e eficiente.

Instinto, efeito hormonal,
que seja:
escolhi macho saudável, novo, belo
com gens à flor da pele
e produzi a prole forte
pra perpetuar a espécie.

Carma, Darwin, Deus, whatever!,
devem estar contentes.

Sou animal que morde e cospe
a compreensão das linhas tortas.

Isso já não me importa tanto
( foi uma boa troca).

Enquanto me livrar das frases fáceis,
da morte chata e da vida certa,
ainda tenho sorte.



Penumbra

Não sou eu, é a outra,
essa que você vê forçando entrada
em todo tipo de sarau.

Ela me causa nojo,
e ainda me deixa em casa.

Sou eu que morro
- cada dia um tanto -
pra que ela vingue
pouco mais que um rosto
na coluna social.


Aceitação da Loucura


Não vou à igreja
pedir perdão por ser desigual
– prefiro a ciência
e a hóstia rosa da Roche –


Em minha demência
cetim-lexotan
cai bem a nudez e a vodka
manchando o lençol on the rocks.

Ai, esqueci por sua causa
o que ia dizer!
( talvez fosse a ver
com sua não aceitação
da minha cuca torta,
sacaneada )


Fique com seus acertos, suas mortas,
filhas-das-patas chocas
e me deixe

– choque! –

Posso até ser errada,
mas o problema é seu
(e dê graças a Deus),
se não entende nada.



Concretismo

Meu gato sim, é marginal:
v
o
m
i
t
o
u
u m L e m i n s k i
nesse poema sem sal.




Rasante

Ontem estive só. Logo eu, tão povoada!
Meu só é imaginado, desejado com tanta força que quando alcanço já estou cansada
e quero amor
(sinto-me tão idiota falando de amor quanto um ateu dando graças a deus:blasfêmia ás avessas).

É, sinto falta de amor.
Aquele amor-instinto de perpetuar espécie, darwiniano, não o amor fingido das putas e esposas vitorianas pra criar bem os filhos.

Amor verdadeiro é o de tigreza no cio. Tigreza com z é mais selvagem, já disse.
Pensa bem, e responde sem hipócrisia...Eu disse sem hiporisia!

Acordei pedindo uma nova paixão.
Sem essa de promessa de ninho. Ninho é coisa de passarinho bobo.
Quero queimar ninhos e voar, percorrer savanas.

Só não me deixe esquecer isso.



Exilada de Nêmesis ou E.L.E.

Ela tem uns olhos desbocados,
onde nadam peixes de outras eras.
Traz neles os medos cambrianos
e a ambição desenfreada das moneras.

Esse abismo recoberto de folhagens,
quando abre em armadilha
para o tempo, os bandolins, as aves,
num silêncio precedente de desastres.

Essa força incontrolável,
quando encontra um alvo
a gente logo sente o vórtice,
anticiclone fundo e sem barulho.

É como um deus imenso
tomando fôlego antes do mergulho.




Velhas Palavras

Não tem mais graça
esse infinito
pois logo ali acaba

e arranje outro termo
pro eterno
quando ele se gasta.

Não acredite em denso
que é muito pouco,
nem em bastante
se já não basta.

Se por hora
a sombra é muito clara
e deus não causa assombro
prefira o fogo e o inferno.

Insistir,
não há mais como,
em sexo, nexo, plexo.
Em cada esquina tem um morto
(morre ao ficar desconexo).

Ósculo bem sabe ser ridículo,
mas o beijo, coitado!
cansou de rimar desejo.

Tanto usaram amor
com dor
que ele fugiu assustado,
precisam dizer algo maior...

Tigresa com s
não soa
bastante selvagem,
bruxas são muito boas
e as fadas, cansei delas,
mas, por segurança,
embrulha uma pra viagem.

Que o dicionário
enfie a viola no saco,
a gramática exploda
como supernova,
o lugar comum
que se foda!

Eia entrelinhas!
Evoé metáfora!
Longa vida aos palavrões
palimpsestos,
e a coisa insinuada!



Minibiografia


Flá Perez é carioca , morando em Campinas, SP. Publicou o livro Leoa ou Gazela, Todo Dia é Dia Dela em 2009 e lançará o livro Poesia se escreve com T em fevereiro de 2011, pela Editora Multifoco. Participou da Antologia do Bar do Escritor em 2009 e na Antologia Bar do Escritor edição Brand em 2010. Primeiro lugar no XII Prêmio Cidadão de Poesia. Menção Honrosa no concurso Silvestre Mônaco 2008 e no XI Prêmio Cidadão de Poesia. Teve poemas escolhidos para publicação no Concurso Nacional Cassiano Nunes, promovido pela Biblioteca Central da Universidade de Brasília e no Projeto Pão e Poesia 2009.

Créditos da imagem:
Bem-me-quer, por Caroline Buranelli

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