I Concurso Literário Benfazeja

Vem Do Líbano, Ó Poesia...




Artigo de Rommel Werneck


A graça da literatura está em retomar o mesmo tema ao longo da História e na diversidade de espaços. Há temas que não só resistem ao caráter corrosivo do tempo como também são universais. O amor é sempre atual e presente em todas as culturas, por isto, está tão ligado ao mundo das artes. Sendo um tema tão sublime e comum, o escritor deve inovar sempre quando se tocar nele e reafirmar o esplendor estético da poesia.



Os textos abaixo são provas de que o amor não deve vir com imagens bregas de gifs e gliters (muitas vezes, até obscenos). O que deve revolver o amor na poesia são as figuras de linguagem, os recursos, formas etc, uma literatura sem linguagem é uma literatura analfabeta.

Texto 1- Cântico dos Cânticos, de Salomão

“Que ele me beije
ela
2 Que ele me beije com os beijos de sua boca! São melhores que o vinho teus amores,
3 como a fragrância dos teus refinados perfumes. Como perfume derramado é o teu nome,por isso as adolescentes enamoram-se de ti.
4 Leva-me atrás de ti. Corramos! Que o rei me introduza nos seus aposentos: exultemos e alegremos-nos contigo, celebrando teus amores, melhores que o vinho. Com razão elas te amam.”


A comparação do amor com vinho e perfumes produz uma associação de sentidos quase sinestésica, em seguida, valoriza-se mais ainda o aspecto fragrante e, ao citar as concorrentes, a noiva coloca o amado acima dela numa atitude reverente. Já no versículo 4, o vinho é retomado no amor e, novamente, há a exaltação do amado. Leituras literárias e investigativas da Bíblia são sempre bem vindas. Vale também lembrar a importância de ler um texto no seu original.


Texto 2- Se se morre de amor, de Gonçalves Dias

“Se se morre de amor! – Não, não se morre,
Quando é fascinação que nos surpreende
De ruidoso sarau entre os festejos;
Quando luzes, calor, orquestra e flores
Assomos de prazer nos raiam n’alma,
Que embelezada e solta em tal ambiente
No que ouve e no que vê prazer alcança!”.


O ato de amar aqui está associado ao ato de morrer, segundo o eu-lírico, não se morre de amor se se morre de amor! Enfim, uma confusão lógica! Mas isto, é um recurso expressivo, a oposição favorece a confusão do amor evidenciada também pelos elementos posteriores: sarau, festejos, luzes, calor, orquestra etc. Voltando ao assunto amor/ morte, somos convidados a voltar para a Antiguidade Hebraica onde amor e morte são associados justamente no texto anterior: o Cântico dos Cânticos!

8,6 “Põe-me como um selo sobre o teu coração, como um selo sobre os teus braços; porque o amor é forte como a morte, a paixão é violenta como o cheol. Suas centelhas são centelhas de fogo, uma chama divina.”

No auge de sua sabedoria, Salomão reservou esta parte esplêndida para o último capítulo de seu livro. Aqui o amor atinge o ponto alto na comparação com a morte reforçada pela violência infernal. Em seguida, há “chama divina”, isto pode ser uma ambigüidade, chamas do inferno? Ou luz divina? Mais uma vez observamos os artifícios que o poeta utiliza para mostrar ao público sua proposta.


Texto 3 – Lídia, de Felipe Cavalcante


Deitados sob a copa de uma árvore,
descansando nas horas de sol alto
enquanto pasta o rebanho,

Peguei em tua mão, e tu sorriste,
linda como uma ninfa. E eu soube, Lídia,
quanto vale estar contigo.



Os tercetos do poeta maranhense contemporâneo revelam o amor de um modo muito sutil. A primeira estrofe descreve o lugar e a situação pastoril. Já no segundo terceto, o gesto das mãos unidas, a comparação da amada com uma ninfa e o gosto por estarem juntos descrevem também um ato de amor mesmo que de modo simples.

Diante de todas estas manifestações sublimes, resta-nos apenas contemplar, sentir a mensagem e investigar os textos. Para os que mandam em massa as terríveis mensagens de “auto” ajuda se passando por poemas, fica este texto como um pouco de elegância quando tratar de amor. Amor sem beleza, esplendor, poesia não é amor!

Para os muitos poetas contemporâneos que julgam o amor um tema ultrapassado, coturnos da humildade! A questão é como tratar o tema sem banalizá-lo. Tanto se clamou por liberdade de expressão no Modernismo, mas liberdade sem modéstia é não ter inteligência para distinguir textos panfletários do tipo “Eu te amo/ Eu te amo/ Eu te amo, meu amo” de manifestações lírico-amorosas como a de Salomão, Gonçalves Dias e do adolescente de 18 anos lido no fim.


Publicado originalmente no jornal culturalista O Piagüí em dezembro de 2010


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Créditos da imagem:
Degustação, por Sutra

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