Talvez
Conto, por Valentina Silva Ferreira
O telemóvel tocava insistentemente. Na cabeça dela, o som fazia parte do sonho mas ao abrir os olhos cansados apercebeu-se que estava, de facto, a receber uma chamada. Que horas seriam? Atendeu, com a voz melosa, sem prestar atenção ao nome no visor.
- Estou?
- Estás em Coimbra? - um timbre rouco perguntou.
Ela sentiu um baque profundo no coração e mastigou o silêncio.
- Estás em Coimbra, não estás?
- Sim... - respondeu, sentindo um nó na garganta, seco e doloroso.
- Estou a caminho. Preciso ver-te.
O vento uivou lá fora, enquanto a chuva batia, furiosa, na janela fechada.
- Não penses que me vou levantar e sair com o tempo assim - respingou.
- Peço-te, por favor - mendigou num sussurro ansioso.
A rapariga sacudiu os lençóis de cima e sentou-se na beira da cama. Uma dor de cabeça começava a castigá-la por aquela interrupção no sono.
- Quanto tempo? - perguntou, por fim, vencida pelo coração.
Ele sorriu do outro lado. - Em menos de uma hora estou aí.
- Olha... - suspirou, tentando esconder a felicidade que brotava como uma flor. - Vem com cuidado.
- Não te preocupes. Até já.
Foi até à casa de banho e encarou-se ao espelho. Não estava mal mas, também, não estava no seu melhor momento. Escovou o cabelo, lavou a cara e os dentes, esbateu as olheiras com o corrector e trocou o pijama para umas calças de ganga e uma camisola de manga comprida. Deu uma vista de olhos pelo apartamento, ajeitou a roupa da cama e sentou-se no sofá, às escuras. Deixou-se ficar na melancolia da noite, à espera do seu príncipe encantado, remoendo o nervoso da barriga. A mensagem não demorou a chegar. Praça da República, dizia. Suspirou. Vestiu o casaco, agarrou o guarda-chuva e saiu. A rua estava deserta. Apenas os carros e as chuvas a habitavam. Apertou a roupa contra si, abrigou-se o melhor possível e correu. O carro estava lá. Entrou e nem olhou para ele.
- Vira à direita. São aqueles apartamentos.
Ele obedeceu. Sentia a sua respiração acelerada e, era capaz de jurar, o batimento louco do seu coração. Ele estacionou o carro e voaram para dentro.
- Bonita casa - disse, prestando mais atenção à rapariga que ao resto.
Ela bateu com os olhos nele. O rapaz sacudia os pingos do casaco que acabara de tirar e abanava os cabelos pretos. Era a visão mais perfeita que alguma vez presenciara. A camisa colava-se ao corpo, deslindando tentações.
- Precisas secar-te.
- Tu também. Não estás muito melhor que eu - sorriu.
Realmente não estava. O cabelo escorria uma água fria que deslizava pelo pescoço. Ela sorriu e jogou-lhe uma toalha. Ele aproximou-se, com o olhar cheio de segundas intenções e as mãos prontas para agarrar.
- Não querias conversar? - perguntou ela, quebrando o clima quase erótico que os corpos molhados proporcionavam.
- Talvez... Depois - admitiu, apertando-a no seu peito.
O corpo dela amoleceu. As pernas tornaram-se pesadas. A boca entreabriu num pedido quase suplicado de um beijo.
- Desculpa - disse ele, sem saber ao certo a que se referia.
- Deixaste de falar comigo sem qualquer motivo - lembrou-lhe ela.
- O único motivo foi o de tentar esquecer-te - confessou, afastando os longos cabelos molhados da rapariga que tremia.
- E agora estás aqui...
- Porque não te tirei da cabeça por um só segundo. E quando soube que estavas cá... - calou-se, beijando-a.
As línguas cumprimentaram-se, estranharam-se, conheceram-se. Tornaram-se loucas, dançarinas de um bailado qualquer. As respirações acompanhavam o ritmo alucinado da cantiga e os dedos dedilhavam as cordas de um corpo querendo ser tocado. Ela puxou-o mais para si, conduziu-o até à cama e deitou-se. Ele despiu a camisa molhada e mordeu os lábios. A sua visão estava turva. Talvez pelo cansaço, talvez pelas gotas que o cabelo continuava a pingar, talvez pela excitação de tê-la pela primeira vez, talvez por ter a certeza de que a amava. Ela despiu-se e colocou o corpo à disposição dele. Ele sentiu o que nunca sentira. Talvez por estar louco. Talvez por estar uma noite estranha. Talvez por amá-la. Encaixavam-se como peças de um puzzle simples. Sabiam, sem saber como, o que o outro gostava, o que o outro queria. Talvez por estarem destinados, talvez por acertarem ao acaso, talvez por serem iguais. Trocaram as posições da dança, elaboraram passos arriscados, aventuraram-se pelo misterioso. Talvez por gostarem do desconhecido. Talvez por gostarem um do outro. Talvez por só quererem experimentar.
- Amo-te - ela disse.
Os corpos pararam. Ele, por cima dela, olhou-a demoradamente. Um sorriso sincero cresceu na sua boca.
- Eu também te amo.
E a dança continuou. Sem o talvez de antes. Alienada, autêntica, imperial. Carnes em uníssono. Peles que se eriçavam. Suores que se misturavam. Bocas que se provavam. Sexos que se amavam. E a dança continuou. Talvez por serem um do outro. Talvez...
- Estou?
- Estás em Coimbra? - um timbre rouco perguntou.
Ela sentiu um baque profundo no coração e mastigou o silêncio.
- Estás em Coimbra, não estás?
- Sim... - respondeu, sentindo um nó na garganta, seco e doloroso.
- Estou a caminho. Preciso ver-te.
O vento uivou lá fora, enquanto a chuva batia, furiosa, na janela fechada.
- Não penses que me vou levantar e sair com o tempo assim - respingou.
- Peço-te, por favor - mendigou num sussurro ansioso.
A rapariga sacudiu os lençóis de cima e sentou-se na beira da cama. Uma dor de cabeça começava a castigá-la por aquela interrupção no sono.
- Quanto tempo? - perguntou, por fim, vencida pelo coração.
Ele sorriu do outro lado. - Em menos de uma hora estou aí.
- Olha... - suspirou, tentando esconder a felicidade que brotava como uma flor. - Vem com cuidado.
- Não te preocupes. Até já.
Foi até à casa de banho e encarou-se ao espelho. Não estava mal mas, também, não estava no seu melhor momento. Escovou o cabelo, lavou a cara e os dentes, esbateu as olheiras com o corrector e trocou o pijama para umas calças de ganga e uma camisola de manga comprida. Deu uma vista de olhos pelo apartamento, ajeitou a roupa da cama e sentou-se no sofá, às escuras. Deixou-se ficar na melancolia da noite, à espera do seu príncipe encantado, remoendo o nervoso da barriga. A mensagem não demorou a chegar. Praça da República, dizia. Suspirou. Vestiu o casaco, agarrou o guarda-chuva e saiu. A rua estava deserta. Apenas os carros e as chuvas a habitavam. Apertou a roupa contra si, abrigou-se o melhor possível e correu. O carro estava lá. Entrou e nem olhou para ele.
- Vira à direita. São aqueles apartamentos.
Ele obedeceu. Sentia a sua respiração acelerada e, era capaz de jurar, o batimento louco do seu coração. Ele estacionou o carro e voaram para dentro.
- Bonita casa - disse, prestando mais atenção à rapariga que ao resto.
Ela bateu com os olhos nele. O rapaz sacudia os pingos do casaco que acabara de tirar e abanava os cabelos pretos. Era a visão mais perfeita que alguma vez presenciara. A camisa colava-se ao corpo, deslindando tentações.
- Precisas secar-te.
- Tu também. Não estás muito melhor que eu - sorriu.
Realmente não estava. O cabelo escorria uma água fria que deslizava pelo pescoço. Ela sorriu e jogou-lhe uma toalha. Ele aproximou-se, com o olhar cheio de segundas intenções e as mãos prontas para agarrar.
- Não querias conversar? - perguntou ela, quebrando o clima quase erótico que os corpos molhados proporcionavam.
- Talvez... Depois - admitiu, apertando-a no seu peito.
O corpo dela amoleceu. As pernas tornaram-se pesadas. A boca entreabriu num pedido quase suplicado de um beijo.
- Desculpa - disse ele, sem saber ao certo a que se referia.
- Deixaste de falar comigo sem qualquer motivo - lembrou-lhe ela.
- O único motivo foi o de tentar esquecer-te - confessou, afastando os longos cabelos molhados da rapariga que tremia.
- E agora estás aqui...
- Porque não te tirei da cabeça por um só segundo. E quando soube que estavas cá... - calou-se, beijando-a.
As línguas cumprimentaram-se, estranharam-se, conheceram-se. Tornaram-se loucas, dançarinas de um bailado qualquer. As respirações acompanhavam o ritmo alucinado da cantiga e os dedos dedilhavam as cordas de um corpo querendo ser tocado. Ela puxou-o mais para si, conduziu-o até à cama e deitou-se. Ele despiu a camisa molhada e mordeu os lábios. A sua visão estava turva. Talvez pelo cansaço, talvez pelas gotas que o cabelo continuava a pingar, talvez pela excitação de tê-la pela primeira vez, talvez por ter a certeza de que a amava. Ela despiu-se e colocou o corpo à disposição dele. Ele sentiu o que nunca sentira. Talvez por estar louco. Talvez por estar uma noite estranha. Talvez por amá-la. Encaixavam-se como peças de um puzzle simples. Sabiam, sem saber como, o que o outro gostava, o que o outro queria. Talvez por estarem destinados, talvez por acertarem ao acaso, talvez por serem iguais. Trocaram as posições da dança, elaboraram passos arriscados, aventuraram-se pelo misterioso. Talvez por gostarem do desconhecido. Talvez por gostarem um do outro. Talvez por só quererem experimentar.
- Amo-te - ela disse.
Os corpos pararam. Ele, por cima dela, olhou-a demoradamente. Um sorriso sincero cresceu na sua boca.
- Eu também te amo.
E a dança continuou. Sem o talvez de antes. Alienada, autêntica, imperial. Carnes em uníssono. Peles que se eriçavam. Suores que se misturavam. Bocas que se provavam. Sexos que se amavam. E a dança continuou. Talvez por serem um do outro. Talvez...
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Créditos da imagem:
'How does it feel in my arms?', por Marco Niemi
Excelente, envolvente, Valentina. Meu abraço. Paz e bem.
ResponderExcluirQue delícia de conto! O avanço da narrativa vai contextualizando o leitor. Percebo um fino fio de tensão que parece quebrado, mas que reaparece no fim, com a palavra "talvez".
ResponderExcluirGostei muito de reconhecer a denominação a objetos utilizados na rotina como telemóvel, quarto de banho, rapariga... uma maravilha!
Maurício Rosa, muito obrigada!
ResponderExcluirClaudio Augusto, agradeço.
Cacá, ainda bem que gostou. Cumprimentos.
Joana Cabral, agradeço as palavras carinhosas.