Marcio Rufino, Poemas
Poemas, por Márcio Rufino.
Amor Anormal
Sentir o proibido não é nada
Pior é aceitar o proibido
Num rumo qualquer de estrada
Ou na dolorosa manha da libido.
O outro não quer minha atormentada insônia
Muito menos que eu mude meu misterioso hábito
Só quer sentir o sufoco e o cheiro de sua agonia
Dentro do denso aroma que sai de dentro do meu hálito.
Não é nada atender o desejo do outro
Pior é fazer com que esse desejo seja também seu
E ver dentro da lama do outro o ouro
Acreditando que o calvário é um doce himeneu.
Entregar-se à perversão passiva
É muito difícil como cômoda intolerância
Que revertida em condição da vida
Brota em nosso peito uma vacância.
Da janela da minha casa
O vento me beija numa linha retílinia
Mas vejam: estou sem graça.
Lembrei-me que esta casa não é minha.
Olhe só toda a beleza
Que a morte desta tarde nos oferece
E preste atenção em toda destreza
De me encantar com seus olhos de quem não me conhece.
O futuro me assusta muito
Com a ajuda do tempo me agride
Com ameaças de sérios infortúnios
Onde o chão sob meus pés resiste.
O outro também quer me dominar
Como o futuro e o tempo ele também é assim
Com frieza e crueldade quer me usar
Sem saber que também será vilipendiado por mim.
Com seu cinismo ele comanda a brisa louca
Transforma nosso encontro num fato casual
Ele quer sentir o odor de seu sêmen em minha boca
Mas isso são sonhos imundos que povoam minha cama de casal.
Em seu feitiço ele busca uma corda de banjo
Em seu silêncio ele busca um bocal de clarineta
Pares de asas vermelhas de anjo
Pares de chifres brancos de capeta.
O outro sou eu num idílio híbrido
o outro somos nós num dilacerado momento.
Que desenha o amor anormal e ilícito
Num papel invisível rasgado pelo vento.
Esse amor que por se ousar existir
Subvive a margem do planeta
Prestes a se deixar cair
E ser amparado por um rabo de cometa.
Não sei o porquê de todo esse desprezo
Se tudo que aí está é amor
Queria falar de todo o meu desejo
Sem causar deboche nem horror.
Pois o outro me reconhece como um mero conhecido
Me cumprimenta como um qualquer que por acaso me vê
Conversa comigo como um velho e intímo amigo
E pede meus carinhos com a carência e dengo de um bebê.
Dedico esse texto a memória de Clarice
E continuo sufocando a minha agressividade
Pois a anormalidade me disse
Que o amor e a arte é que salvarão a humanidade.
Marcio Rufino
Louco Currículo
Quando o mundo foi feito
eu era anjo mandado para cá
para ajudar na arrumação das coisas.
Depois virei cliente mesopotâmico.
Depois virei escravo egípcio.
Depois virei efebo ateniense.
Depois virei cortesã romana.
Depois virei serva feudal.
Depois virei comerciante renascentista.
Depois virei escravo jeje nagô industrial.
Hoje sou tudo isso ainda querendo ser artista.
Sem casa, sem dinheiro.
Só a vontade, só o sonho,
só o devaneio, só a loucura.
Mas nesse circo neoliberal
que faz de mim palhaço,
eu navego em mares cansados.
Cansados de serem navegados.
Mas nesse picadeiro aquecidamente globalizado,
eu não quero me cubrir em bandeiras;
me esconder em ideologias;
me enganar em filosofias,
pois eu sei que só digo coisas que já foram ditas
e só escrevo coisas que já foram escritas.
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