I Concurso Literário Benfazeja

Encruzilhadas da Escrita Criativa






Artigo para a seção Escrita Criativa, Carolina Bernardes.




Esta coluna sobre Escrita Criativa tem procurado oferecer a novos e velhos autores, assim como a leitores, algumas ferramentas de apoio ao longo processo de “descoberta” da escrita. Se pensar sobre a ação de escrever já não é tarefa fácil, muito mais árduo é o esforço criativo. Inúmeras podem ser as dúvidas: que tema explorar? Qual a medida certa da linguagem – mais livre e coloquial ou mais rebuscada? Deve-se escrever pensando no interesse do leitor ou baseando-se em preferências pessoais? Escreve-se para o mercado ou para um círculo de leitores críticos? Deve-se escrever conforme as características do momento cultural ou seguir a antiqüíssima tradição literária? Deve-se eleger um autor canônico como mestre ou romper com todas as normas e diálogos na tentativa de fundar uma nova literatura?

Mais do que responder a essas intricadas questões, é preciso afirmar: no processo de esforço criativo está incluída a incansável reflexão. Não basta escrever. Não basta ler bons autores. Não basta se deleitar com os comentários de leitores. Importa também refletir continuamente. E tomar decisões, pois a literatura sempre nos leva a encruzilhadas. Nos leva a escolhas que exigem a análise consciente. É como se todo autor precisasse formular sua poética, um ensaio em que define os fundamentos de sua criação, como e porque escreve. T. S. Eliot escreveu um importante ensaio intitulado “Tradição e Talento Individual”; Edgar Allan Poe a “Filosofia da Composição”; Fernando Pessoa elaborou uma gênese de seus heterônimos em carta a Adolfo Casais Monteiro. Apenas para exemplificar três grandes autores que pensaram sobre os fundamentos da criação poética, cada um a seu modo, evidentemente.

Ainda que não seja por meio de um ensaio bem elaborado e digno de publicação, é interessante e saudável pensar com respeito e seriedade sobre as encruzilhadas da criação. São opções a serem feitas que definem a autoria e o estilo literário. Mais do que isso: decidir seguir por um dos lados das bifurcações, entregando-se às novidades do novo itinerário, é uma conduta de vida. Não disse Mario Quintana que “escrever é uma maneira de ser”? As bases de nossa escrita, que são formadas pelas respostas às questões iniciais, se coadunam com nossas opções de vida, uma correspondência íntima com a maneira como vivemos.

Um exame de consciência deliberado e franco; o que eu quero: muitos leitores? Talvez seja necessário esquecer Drummond, Pessoa, Machado de Assis e conhecer mais a fundo o que faz um livro despontar nas listas de mais vendidos. Não há mal em escrever uma saga vampiresca, uma história de amor que vira filme ou deturpar os clássicos como os mashups. Apenas uma opção de mercado, de tipo de leitores que se espera, de como se quer viver. Talvez esta seja a primeira difícil decisão do labirinto literário: para quem escrever? Porque, se o estudo franco e consciente o levar ao caminho contrário, o labor criativo será outro: menos leitores (não necessariamente, mas é a tendência do mercado), menos exemplares vendidos; maior esforço produtivo, menos certezas literárias, responsabilidade crítica, que implica em receio do leitor e exigência pessoal. Mas, por outro lado, o prazer imenso de escavar a palavra certa, a linguagem perfeita para a história que se quer contar, o efeito de sentido que as palavras tomam quando se encontram, a força de vida que os personagens adquirem, a plena harmonia entre forma e conteúdo. Escolher ser um escritor literário, com poucos leitores, remuneração suada e muito trabalho, realmente é uma atitude corajosa, ousada e perigosa, mas o que é a vida senão a aventura de se arriscar?

O bem-amado Guimarães Rosa nos legou a sentença: “Viver é muito perigoso... Porque aprender a viver é que é o viver mesmo... Travessia perigosa, mas é a vida. Sertão que se alteia e se abaixa... O mais difícil não é um ser bom e proceder honesto, dificultoso mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até o rabo da palavra”.

O dificultoso mesmo é saber o que se quer e ter o poder de ir ao fundo da palavra, escolhendo não um dos lados da encruzilhada, mas a terceira margem do rio.


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6 comentários:

  1. Adorei, Carol. Eu sinto que a melhor escrita é a que reflete o nosso interior.

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  2. Oi, Carolina. E por falar em escrever, é sempre um prazer ler o que você produz.

    Eu concordo com muita coisa mas a subjetividade fala mais alto do que qualquer outro interesse, no meu caso. Aprendi com Drummond "leia muito e esqueça tudo", aprendi com o Quintana que escrever é um modo de ser. Aprendi com o mercado que escrever para agradar e vendar é dinheiro certo e infelicidade idem. Enfim, vou procurando caminhos próprios que podem não me dar grana nenhuma, mas ela também por maior que fosse não substituiria a minha única (ou quase única liberdade absoluta: o livre pensamento e expressão). (se bem que o Millor disse que livre pensar é só pensar. rsrs)

    Obrigado sempre pelo seu estímulo. Paz e bem.

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  3. Oi, Cacá! achei muito interessante o seu depoimento! Os caminhos que estão te levando a constituir seu estilo de escrita... O processo é mesmo esse, uma fusão de muitas leituras, experiências, vivências. Nunca será idêntico ao do outro (mesmo que admiremos muito um determinado poeta). Será o nosso caminho, que reflete anseios muito pessoais e visões de mundo formadas pelo encontro com as múltiplas visões do outro. Que seja o livre pensar ou apenas pensar, esta é a sua opção na encruzilhada! Adorei! Grande abraço

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  4. Oi, Maurício!
    Concordo com você: a escrita reflete nosso interior; no entanto, vou mais além: ela reflete nosso interior em relação dinâmica com o exterior. O que acreditamos ser somente nosso, individual, normalmente é fruto dessa relação com o outro... Obrigada por prestigiar a coluna e toda a equipe Benfazeja! Grande abraço

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  5. Olá Carolina,

    Meus parabéns pela matéria!

    Como escritor me indentifico muito com o seu texto Sempre que escrevo um poema e posto em meu blog fico ansioso pelos comentários e as críticas dos leitores.
    Acredito que escrevendo com o coração você possa tornar qualquer sonho uma realidade.

    Abraços

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  6. Olá, Fábio!
    Estou muito feliz com seu comentário (um autor sempre espera a reação do leitor, não?)
    Essa discussão sobre a recepção do leitor é um tema que vale a pena ser desenvolvido em outro artigo. Com certeza, me dedicarei a escrevê-lo.
    Quanto à sua última frase: como você, acredito na força da criação!
    Obrigada por ler e comentar!
    Continue acompanhando a coluna, será sempre bem-vindo!
    Abraços

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