Rodach e a Casa Abandonada
Conto para a seção Fantásticos, por Fabio Barreiro D’O. L*
O dia começou como todos os outros: nublado e frio. Rodach se levantou de sua aconchegante cama e caminhou, com seu andar torto, até a janela.
— Hoje será mais um belo dia! – exclamou para si mesmo.
Fechou os olhos e ouviu as risadas das centenas de crianças que habitavam o jardim. Abriu-os e fitou as nuvens negras do céu. O sol forçava um pouco de sua luz sobre a terra, isto com muita dificuldade. Rodach se sentia relativamente bem, estava tonto e com náuseas, mas isso já era de costume.
Foi até a cozinha e tomou seu café da manhã. Comeu o que lhe pareceu ser uma refeição digna de um rei. Uma banana negra acompanhada com leite amarelo. Após a indigestão causada por aquela comida, Rodach pegou sua câmera fotográfica, sua pequena mochila e seus óculos escuros.
— Para proteger meus olhos contra a força do sol – disse olhando para um quadro. Nele, a pintura de uma linda mulher, sentada num banco, se destacava. – Mãe, já disse para não se preocupar comigo. Voltarei assim que a lua me sorrir.
Saiu de sua adorável casa e começou sua jornada. Atravessou o jardim, aproveitando para fotografar as lindas rosas cinzas que jaziam no canteiro de sua amada mãe. Aproveitou e desejou um feliz dia para as crianças que dançavam e brincavam pelas redondezas.
Não existiam casas por perto. Nenhuma. Rodach fez o mesmo caminho que fazia todas as manhãs, pegando a trilha que o levava à praia. Chegando lá, sentou-se numa pedra e observou o mar. Ele se lembrava de seu pai, um grande soldado. Um dia ele embarcou numa viagem naquele lugar. Iria lutar por ele, por sua mãe. Prometeu que um dia voltaria e desde então Rodach o esperava toda manhã.
O tempo passou e chegou a hora do almoço. Retirou de sua mochila um pedaço de pão. Mastigou com certa dificuldade, mas por fim saciou sua fome.
— Ele não veio hoje... – sussurrou, deixando escapar um soluço. – Não ligo. Amanhã eu volto.
Levantou-se e voltou pela trilha. Iria até o mercado, estava na hora de repor o estoque de alimentos. O caminho era longo, mas prazeroso, pois Rodach poderia tirar muitas fotos. Gravou, em seu filme, pássaros com a cor da noite, árvores carecas e construções caídas. Por fim, tirou uma foto dos grandes montes que portavam sua futura comida.
— Bom dia, Howard – disse quando passou pelo portão. – Não irei demorar hoje.
Entrou e escalou o primeiro monte que achou. Não achou nada de produtivo ali e logo passou para o segundo. No fim de duas horas, saiu com a mochila cheia. Havia sido encontrados ovos rachados, pequenos insetos brancos e muita fruta preta.
— Meu Deus, Howard, desculpe-me a demora. Enganei-me mais cedo. No entanto, valeu a pena. Sim, sim, estou muito satisfeito comigo mesmo. Deixe na minha conta, tudo bem? – falou ele, dando uma palmada no ombro esquelético de seu amigo.
Estava pronto para ir para casa, logo a lua iria aparecer e estava empolgado para mostrar as suas descobertas à sua mãe. Entretanto, no meio do caminho, algo chamou sua atenção.
— O que seria aquilo? – disse enquanto olhava para o horizonte.
Num morro, há alguns quilômetros de distância, Rodach viu algo que nunca havia notado antes: uma casa.
— Nossa, que achado. Devo registrá-lo em minha câmera.
Tirou várias fotos, mas a curiosidade continuava acessa. Hesitou um pouco, porém, deixou seu impulso ganhar. Desviou o caminho e seguiu em direção àquela casa. O cenário novo deixou Rodach empolgado. Não deixou a câmera descansar um minuto.
Com um sorriso no rosto, parou diante aquele monumento recém-descoberto. Clicou o botão de seu aparelho fotográfico diversas vezes, de todos os ângulos que seu corpo permitia. Mas não foi o bastante, ele queria mais.
— Que mal fará se eu entrar? Aliás, serei educado com seus moradores.
Parou diante a porta e bateu três vezes. O efeito produzido não foi o esperado – aquele pedaço podre de madeira caiu ao chão, assustando Rodach.
— Oh, que desastre. Devo me desculpar.
Entrou na casa e olhou ao redor. Ele ficou impressionado com a beleza dela. Entrou na cozinha e encantou-se mais ainda.
— Minha mãe adoraria este lugar! Perfeito! – exclamou enquanto tirava mais fotos.
Caminhou até a sala e encontrou a dona do imóvel.
— Senhora, devo-te desculpas – falou, postando-se diante o corpo que jazia sentado no sofá. – Derrubei a porta de entrada, mas prometo consertá-lo antes de ir embora. O quê? Ficar para o jantar? Não seria um incômodo, principalmente depois do que fiz? Se a senhora insiste.
Foi até a cozinha e, animadamente, armou a mesa para a linda refeição que teria.
— Como convidado, permita-me preparar a comida. Sim, sei cozinhar.
Retirou de sua mochila os ovos e insetos. Preparou-os e logo os serviu na mesa. O sol ainda forçava seus raios por entre as nuvens, estava na hora perfeita para o jantar.
— Venha, senhora, a refeição já está pronta! Ah... Precisa de ajuda para se sentar à mesa? Por que não disse antes?
Rodach ajudou a pobre senhora, que deixou uma de suas mãos ainda sobre o sofá.
— Que perfume é esse? Não gostei muito, parece antigo e estragado, aconselho-te a trocar de marca – comentou ao sentar em seu lugar.
Alimentou-se muito bem. Acabado a refeição, puxou conversa com a dona da casa.
— Há quanto tempo mora aqui? Sério? Isso tudo? Nossa, nunca havia visto você pelas redondezas.
Rodach passou a mão pela faca, mas foi descuidado e cortou seu dedo indicador.
— Ah, não! – exclamou enquanto levava o dedo à boca. Encarou aquele corpo inerte por alguns segundo e continuou. – Está rindo do quê? De mim? Mas que falta de educação. Por qual motivo alguém riria de uma pessoa machucada!?
Sentiu-se frustrado, enganado. Havia sido um bom visitante. Então por que ela ria dele?
— Pare, senhora, por favor. Por que não para? – sussurrou. – Se você não tivesse deixado a faca tão afiada, eu não teria me cortado. Isto é culpa sua. Que a verdade seja dita!
Ela não parava de rir de Rodach. Uma certa fúria se apoderou dele.
— Maldita. Foi de propósito que tu fez isso! Só porque eu derrubei a tua porta. Eu te disse que consertaria! Você deve ter a afiado quando eu estava preparando o jantar. Tirana! O quê? Então você admite que foi culpa sua? Ah, eu sabia.
Rodach se levantou, pegando a faca e segurando-a com força. Caminhou e parou diante o corpo da senhora.
— Você é má. Sim, você é. Conheço pessoas como você, são ruins de coração. Minha mãe também já foi assim, mas eu a consertei. Tirei todo o mal de dentro dela. Sim, sim, tirei. Você precisa de ajuda, assim como ela.
Esfaqueou o corpo, que já não possuía vida, diversas vezes. O sangue, já negro, se misturou ao já existente da roupa de Rodach. O ataque de fúria só passou quando toda a energia do corpo dele havia sido usada. Sentou no sofá e chorou.
— Por que me obrigou a isso? Por quê? – choramingou enquanto cobria o rosto com as suas mãos magrelas. – Isto é maldade. Você é má. Eu sou mal.
Olhou para a janela. A lua já devia estar lá fora, esperando-o.
— Desculpe-me pela dor. Mas foi necessário, amanhã você se sentirá muito melhor, garanto-te – disse, levantando-se. – Hoje não dará para consertar a porta, amanhã eu volto e conversamos mais. Aliás, meu nome é Rodach. Luanda? Que lindo nome. Prazer e boa noite.
Saiu da casa vazia, onde seus únicos moradores eram os espíritos perdidos. Com o passo lerdo e desengonçado, caminhou todo o caminho de volta para a sua morada com a cabeça baixa. Estava triste.
Sua câmera não foi usada nenhuma vez. Seus óculos haviam caído de seu rosto, perdidos para sempre. Sua felicidade havia ficado naquele imóvel abandonado. Por que a senhora Luanda havia o forçado a fazer aquilo? Ele não compreendia o motivo.
Atravessou o jardim, ainda cabisbaixo e ignorando as risadas das crianças. Ao bater a porta da casa, encarou o quadro.
— Fiz maldade de novo, mamãe. Fiz maldade – disse, começando a chorar. – Mal! Mal!
Desferiu vários tapas em seu próprio rosto. Pousou a câmera sobre a mesa e pendurou a mochila em seu respectivo local. Arrastou-se até a cama e deitou. Rodach refletiu sobre o dia que teve. No final das contas, tinha sido muito produtivo. Havia achado muita comida no mercado, tirado dezenas de fotos novas e feito uma nova amiga. Apesar da desavença, sabia que tinha feito o certo; aliás, funcionou com sua mãe. Sentia vontade de voltar para aquela casa, de olhar para a senhora Luanda. Antes de cair no sono, Rodach sussurrou para si mesmo:
— Será que estou amando?
Fabio Barreiro D’O. L. tem 21 anos e é carioca. Mora em Santa Catarina, na cidade de Palhoça. Vai fazer um ano que ele começou a escrever, porém, esta prática já se tornou a sua maior paixão. Pretende seguir a carreira de escritor e cursar, primeiramente, Comunicação Social. Está no ensino médio e, atualmente, se dedica aos seus estudos e a sua escrita diariamente. Está escrevendo um livro de terror fantástico, que será distribuído em PDF gratuitamente assim que concluído. Fará o mesmo com outros trabalhos, para assim mostrar seu trabalho sério e conquistar um público.
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